64ª Reunião Anual da SBPC
F. Ciências Sociais Aplicadas - 5. Direito - 9. Direito Penal
ENTRE O TOTALITARISMO E A DEMOCRACIA: A “EXCEÇÃO” LEGITIMADORA DO SISTEMA PENAL.
Danielle Mazzoni Canaan 1
Daniela de Freitas Marques 2
1. Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais
2. Profa. Dra. / Orientadora - Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais
INTRODUÇÃO:
O Estado de Exceção foi concebido como um instituto extrajurídico de proteção das leis, voltado à proteção do Estado em situações de caos e anormalidade. Em situações tidas como emergenciais o governante estaria autorizado a suspender as leis, ao pretexto de protegê-las. O filósofo italiano Giorgio Agamben, após se debruçar nos estudos do Estado de Exceção, identificou que o instituto, outrora excepcionou, transformou-se em uma técnica de governo amplamente utilizada nos dias atuais. O que ainda hoje assegura a existência das ordens constitucionais é, em ultima análise, a possibilidade de suspensão da eficácia das leis. Por essa razão, Agamben propõe que o Estado de Exceção seja estudado não mais sobre o prisma da excepcionalidade, mas sim como instituto duradouro e permanente, que insere o paradigma do totalitarismo na essência da democracia. A presente pesquisa teve como objetivo o estudo e reflexão sobre as democracias atuais, identificando as suas práticas tipicamente autoritárias. Buscou-se também relacionar os estudos de Agamben, que se concentraram nas experiências européia e norte americana, ao contexto brasileiro, de forma a demonstrar o quanto, e de qual modo, a sua teoria se aplica a realidade política, jurídica e social do Brasil.
METODOLOGIA:
A vertente teórico-metodológica adotada para a elaboração do presente estudo foi a jurídico-sociológica, pois teve como objetivo ampliar os estudos sobre a democracia e os institutos de política criminal para além da dogmática, de maneira a identificar as práticas de governo os aproximam de regimes totalitários. Baseando-se na obra de Giorgio Agamben sobre o “estado de exceção permanente”, bem como no conceito de Gunther Jakobs sobre o Direito Penal do Inimigo, foi feita uma análise multidisciplinar da história do estado de sítio, desde o seu surgimento até a sua transformação em técnica de governo. Os tipos genéricos de investigação utilizados foram, principalmente, os raciocínios jurídico-comparativo e jurídico-projetivos. De acordo com o tipo de investigação jurídico-comparativo, buscou-se identificar os pontos de similitude existentes entre diversos momentos históricos, na tentativa de compreender o porquê que práticas de exclusão sempre se repetem. Já através do raciocínio jurídico-propositivo, tentou-se sugerir um novo olhar sobre as atuais democracias, inclusive a brasileira, revelando a sua face autoritária.
RESULTADOS:
Após intenso estudo sobre as democracias contemporâneas foi possível identificar que elas de fato contêm em seu bojo uma série de práticas típicas de Estados autoritários. A possibilidade de decretação formal do Estado de Sítio, ainda hoje prevista nas Constituições ocidentais, raramente é utilizada, uma vez que expõe as democracias aos olhares da comunidade internacional, que repugna qualquer menção ao totalitarismo expresso. Entretanto, isso não significa que as democracias não se utilizam do Estado de Exceção. Pelo contrário, a presente pesquisa pôde verificar que as práticas autoritárias são cada dia mais comuns, presentes em atos de governo pulverizados, revestidos sob o manto da legalidade. Hoje, a suspensão das leis é destinada a grupos determinados: terroristas, imigrantes, criminosos, miseráveis. Essas pessoas, vistas pelos Estados como inimigas, têm os seus direitos e, pior, a sua dignidade suprimidos, em nome de uma proteção ficta aos “cidadãos de bem”, fieis ao pacto social. Constatou-se também que a disseminação do medo vem permitindo que a população aquiesça com essas práticas e, sentindo-se protegida pela extirpação promovida pelo governo, percam qualquer vínculo de identificação com as pessoas segregadas, permitindo que elas sejam tratadas com total indiferença.
CONCLUSÃO:
Os resultados obtidos através da presente pesquisa possibilitaram alcançar o seu objetivo inicial: estabelecer um olhar racional sobre as atuais democracias ocidentais, revelando que elas em muitos pontos se confundem com Estados totalitários. A constatação de que a suspensão de direitos de uma camada da população é hoje uma técnica de governo amplamente difundida e aceita permitiu a desmitificação do aclamado Estado de Direito, demonstrando que as democracias somente existem mediante a negação de si mesmas. Há, nas democracias atuais, uma permanente contradição: o Estado é protegido pelas leis, entretanto a proteção das leis é externa ao sistema jurídico e ainda hoje se concentra, em última análise, na pessoa do governante. Talvez nunca seja possível a existência de um Estado Democrático de Direito pleno, sem qualquer nuance totalitária. Entretanto, identificar a realidade das instituições políticas é o primeiro passo para se buscar ao menos minimizar essas práticas, encarando-as da forma que realmente são. Deve-se perquirir uma tomada de consciência para, ou aceitar que não vivemos em uma democracia e assumir a falibilidade das relações humanas, ou, o que se espera, fazer todo o possível para transformá-la em um sistema menos cruel e segregante.
Palavras-chave: Estado de Exceção Permanente, Direito Penal do Inimigo, Autoritarismo.