64ª Reunião Anual da SBPC
D. Ciências da Saúde - 3. Saúde Coletiva - 3. Saúde de Populações Especiais
O USO DA MICROSCOPIA ELETRÔNICA DE VARREDURA NA VISUALIZAÇÃO DOS COMPONENTES DE CÁLCULOS DENTÁRIOS PRÉ-HISTÓRICOS
Ana Carolina Figueiredo 1
Veronica Wesolowski 2
Sheila Mendonça de Souza 3
1. Depto. Endemias Samuel Pessoa, Escola Nacional de Saúde Pública/Fiocruz (ENSP)
2. Dra./ Co-orientadora - Museu de Arqueologia e Etnologia - USP
3. Dra./Orientadora - Depto. Endemias Samuel Pessoa, ENSP/Fiocruz
INTRODUÇÃO:
Cálculos dentários são depósitos minerais aderidos à superfície dos dentes. Por serem mineralizados, estes conseguem permanecer por milhares de anos em dentes de esqueletos humanos encontrados em sítios arqueológicos, sendo úteis para o estudo da saúde oral em populações passadas e também para revelar componentes da dieta desses povos, retidos em sua matriz. O presente trabalho teve como objetivo analisar, com a microscopia eletrônica de varredura, os componentes da matriz de cálculos dentários pré-históricos de sambaquis brasileiros. Com esta análise busca-se observar diferenças entre os conteúdos dos cálculos extraídos de indivíduos sepultados em sambaquis datados entre 6000 e 1800 antes do presente. Também evidenciar microvestígios vegetais como amido e fitólitos, que em alguns casos são a única evidência para o estudo de dietas pré-históricas. Estes microrresíduos já vêm sendo extraídos pela dissolução da matriz, sendo raramente evidenciados "in situ". A evidência de bactérias fossilizadas que formavam a flora oral daqueles indivíduos ajudará a caracterizar sua condição de saúde dentária.
METODOLOGIA:
Para análise foram selecionados e removidos cálculos de dentes de 29 indivíduos de 4 sítios arqueológicos: Sambaquis de Moraes e Piaçaguera (SP), Sernambetiba (RJ) e Cabeçuda (SC). Cada dente foi limpo com álcool; o procedimento se deu pela aplicação de uma escova interdental descartável molhada em álcool, em movimentos repetidos na superfície a ser limpa. Os cálculos então foram retirados dos dentes com a aplicação de uma leve pressão com uma cureta odontológica no limite entre o cálculo e a raiz do dente, em seguida foram armazenados. Dos 29 cálculos estudados, 8 foram escolhidos para realização desta análise, sendo 2 de cada sítio arqueológico. Os cálculos escolhidos foram pesados em balança analítica de 4 dígitos. Logo após, foi retirado um pequeno fragmento de cada cálculo e aderido a uma fita de carbono (Ted Pella Inc) e preso ao suporte (“stub”) do microscópio eletrônico de varredura. O material foi metalizado com ouro e observado e fotografado no Quanta (FEI Company), graças ao apoio técnico do Centro Nacional de Bioimagens-Cenabio da UFRJ. As imagens, feitas em diferentes magnitudes (300x-30.000x), foram analisadas e os microfósseis comparados morfologicamente para identificação, consideradas dimensões dos mesmos em comparação com coleções de referência.
RESULTADOS:
As diferenças na matriz dos cálculos confirmam o sugerido pela microscopia ótica. A matriz é mais homogênea, fina e densa no Cabeçuda (C), e mais porosa e heterogênea no Moraes (M). Nos sambaquis costeiros há microfósseis de bactérias, compatíveis com cocos, bacilos e vibriões. No Cabeçuda as bactérias praticamente ocupam toda a matriz, e moldes crivosos permitem distinguir formas bacterianas mesmo na ausência de microfósseis. Apenas no Moraes, puderam ser observadas formas esferóides (25 a 30µm) compatíveis com amidos ou polens. O tamanho dos grãos sugere amido de inhame (Dioscorea?), achado antracológico em sambaquis, e cujo amido foi confirmado em cálculos dentários. Tanto no Moraes como no Cabeçuda formas microfósseis laminares e poliédricas (5 e 10µm) são compatíveis com fitólitos/fragmentos de drusas, ou partes de esqueletos vegetais. O estudo dos cálculos dentários arqueológicos tem ajudado a identificar bactérias, além do uso de vegetais na alimentação e sua correlação com saúde e estilo de vida. Aqui confirmamos a presença de microfósseis vegetais, ainda que escassos, ratificando achados anteriores de microscopia ótica neste projeto. Diferenças na flora bacteriana e dieta são consistentes com diferentes condições de saúde da boca e dos dentes nos grupos estudados.
CONCLUSÃO:
Os oito cálculos dentários arqueológicos de adultos provenientes dos sambaquis de Cabeçuda (Santa Catarina), Piaçaguera e Moraes (São Paulo) e Sernambetiba (Rio de Janeiro), contem microfósseis na matriz. O tamanho e formas até agora observadas são compatíveis com grãos de amido e/ou polens, e com fitólitos. As suas identificações deverão ser feitas em etapas futuras de análise, já que a técnica empregada não permite detalhar sua morfologia. A sua identificação só será possível após a desagregação das amostras e/ou microscopia ótica dos microfósseis recuperados pela dissolução das amostras particionadas dos mesmos cálculos, o que será realizado na próxima etapa deste projeto. Apesar do pequeno número de exemplares examinados, a presença de flora bacteriana, em quantidade variável, sugere diferenças na dieta, e na ecologia da boca dos indivíduos examinados. Nos sambaquis costeiros pode haver um gradiente do Sul para o Norte (SC, SP, RJ), que corresponde às diferenças ecológicas e de economia costeira pré-histórica. A correlação com as condições de saúde dos dentes e da boca deverá ser feita após a dissolução e análise de um maior número de exemplares dos mesmos sítios, quando será possível apresentar um modelo paleoepidemiológico para cada caso.
Palavras-chave: Cálculos Dentários, Microfósseis, Sambaqui.