64ª Reunião Anual da SBPC
G. Ciências Humanas - 1. Antropologia - 7. Etnologia Indígena
ALGUNS ASPECTOS DO PROCESSO DE ENSINO APRENDIZAGEM XERENTE
Valéria Moreira Coelho de Melo 1
Odair Giraldin 2
1. Doutoranda/Programa de Programa de Antropologia Social - UFAM
2. Profº. Dr./ Orientador - Depto. de História - UFT
INTRODUÇÃO:
Os Xerente, autodenominados akwẽ (gente importante), habitam um território localizado 70 km ao norte da capital do estado Tocantins, Palmas. Atualmente um dos fenômenos que chama atenção nessa sociedade indígena é a grande adesão a educação escolar nos seus mais diferentes níveis. Entretanto, a partir de observações realizadas durante uma pesquisa de mestrado (MELO, 2010), ficou evidente que o interesse dos Xerente pela educação escolar é hoje confrontado pela distância existente entre o discurso da educação diferenciada e a prática observada nas escolas Xerente. São muitas as dificuldades vivenciadas por alunos e professores. Dificuldades, essas, que se explicam em grande medida pelo antagonismo entre duas lógicas distintas de educação, mas que também extrapolam uma perspectiva unicamente pedagógica, indo de encontro as noções Xerente de Pessoa, Corpo e Conhecimento, aspectos sobre os quais ainda pouco se sabe. Estudos nesse sentido são muito importantes pela possibilidade de revelar a sociedade Xerente por meio de um universo de símbolos e significados ainda pouco explorados. São fundamentais também para o entendimento das limitações e possibilidades das escolas instaladas nas aldeias indígenas e que hoje fomentam muita discussão.
METODOLOGIA:
As observações de campo foram realizadas na Aldeia Xerente Rio Sono. Essa aldeia foi escolhida por ser uma das aldeias Xerente mais antigas e possuir um número significativo de anciãos. Além disso, fatores como a distância da cidade, a fabricação e uso de peças consideradas tradicionais, a prática da caça e da pesca pelos jovens e adultos, o cultivo das roças de toco, a presença atores sociais como sekwás (xamã) e parteiras, são aspectos que, quando contrapostos a presença da escola na aldeia e ao fato dessa escola possuir um número significativo de professores não indígenas, fizeram da Aldeia Rio Sono um ambiente privilegiado para nossa observação. A pesquisa foi realizada por meio de conversas informais e entrevistas com os sujeitos da comunidade e também com os professores não-indígenas que residiam na referida aldeia. O trabalho de campo se efetivou também através de visitas e da observação do funcionamento da escola existente na aldeia. Nesta ocasião procurou-se perceber como os alunos regiam as metodologias de ensino adotadas buscando identificar as principais dificuldades impostas ao aprendizado. Além dos registros escritos, foram feitos registro de áudio e imagens (fotografias).
RESULTADOS:
Nas falas akwẽ são comuns expressões do tipo “ninguém aprende nada com ninguém” ou “aprendi sozinho”. Essas falas devem-se a uma das principais característica da concepção Xerente de ensino aprendizagem que é a ênfase no aprendiz. Ele é considerado como o principal responsável pela construção do conhecimento. Quando não há interesse, o aprendiz não é capaz de percorrer o “caminho” que leva ao conhecimento. Não terá paciência para buscar as informações que não se limitam a uma fonte única, não terá persistência para vencer os possíveis erros e equívocos. E numa sociedade marcada pelo caráter, muitas vezes tenso, das relações interclânicas, um aprendiz sem interesse não terá, sobretudo, disposição para as negociações que o processo de transmissão de conhecimento também implica. Autonomia, interesse, saber ouvir e saber olhar são apontados como os pontos centrais do aprendizado. A ausência de questionamentos, a repetição constante de termos nos textos construídos, as faltas freqüentes dos alunos e a não interferência dos pais na vida escolar dos filhos constituem algumas dos aspectos apontados como dificuldades pelos professores da escola da aldeia, mas que na verdade nos remetem o modo próprio que os Xerente têm de ensinar e aprender.
CONCLUSÃO:
A concepção Xerente de aprendizado transfere o foco do processo de aprendizagem do mestre para o aprendiz. Apesar do reconhecimento dos mais velhos como detentores do conhecimento e também de que a transmissão da cultura passa obrigatoriamente por eles, para os Xerente o aprendiz é considerado como o principal responsável pela construção do conhecimento. Cabe a ele decidir o que, como e quando aprender. É nesse contexto a autonomia da criança, o reconhecimento de uma multiplicidade de formas e lugares para aprender e também a convicção de que o saber é condicionado pelo interesse, torna inconcebível a interferência dos pais na atitude dos filhos que adormecem no horário da aula ou mesmo daqueles que preferem fazer outras atividades ao invés das tarefas escolares. A partir da compreensão desses aspectos e de outros aspectos do processo de aprendizagem Xerente é que muitas das informações relativas a escola existente na aldeia obtidas junto a pais, alunos e professores (indígenas e não-indígenas) tornaram-se compreensíveis. Fica claro, portanto, que para que a escola em meio indígena seja capaz de atender as expectativas e demandas de cada povo as atenções devem estar centradas nas perspectivas indígenas de educação e não o contrário.
Palavras-chave: Xerente, Ensino, Aprendizagem.