PROJETO ARARA AZUL: UMA DÉCADA DE PARCERIAS E

CONSERVAÇÃO NO PANTANAL

 

Neiva Maria Robaldo Guedes (*)

 

O Projeto Arara Azul nasceu de uma iniciativa pessoal, ao encontrar um bando de araras-azuis no Pantanal (Novembro/1989), encantar-se com a espécie e saber que elas estavam fadadas a desaparecer da natureza. Os primeiros estudos serviram de base para uma dissertação de mestrado, mas a pesquisa prosseguiu após a conclusão do mesmo, com o apoio de algumas instituições. Atualmente o Projeto Arara Azul vem sendo executado em parceria com a UNIDERP, WWF Brasil, Toyota, Caiman, Brasil Telecom, Vanzin Escapamentos, FMB e colaboração técnica do Departamento de Biologia da USP. 

 

Os Psittaciformes são considerados como uma das mais diversas ordens de aves, com mais de 300 espécies, que ocorrem primariamente na Austrália, Neotrópicos, e em menor grau, África Tropical e Ásia. As araras em geral, são aves carismáticas, com plumagem colorida, de fácil adaptação em cativeiro, boa interação com o homem e capacidade de imitar a voz humana. E, é justamente por estas características que são um dos grupos de aves mais ameaçados do mundo. Atualmente nove espécies estão ameaçadas de extinção e duas podem ser consideradas extintas na natureza: Anodorhynchus glaucus (com apenas três exemplares em museus) e Cyanopsitta spixii (com cerca de 60 indivíduos em cativeiro).

 

Os principais fatores que levaram as araras-azuis, Anodorhynchus hyacinthinus, a ameaça de extinção e foram: 1) a captura de indivíduos para o comércio de aves de estimação, tanto no Brasil como no exterior (estima-se que mais de 10 mil aves saíram da vida selvagem até a década de 80). Hoje o tráfico está mais especializado e além de aves adultas, retiram filhotes e ovos (que são mais fácies de transportar) e assim dezenas de indivíduos continuam sendo pegos, principalmente do nordeste do Brasil; 2) destruição do habitat, por perda, fragmentação ou descaracterização por desmatamentos e queimadas; 3) coleta de penas para confecção de artesanato como cocares e colares, cujas vendas aumentaram muito nos últimos anos.

 

Segundo Galetti et al. (2002), populações pequenas, endogamia, distribuição geográfica restrita, alta especialização na dieta e habitat, baixa taxa reprodutiva e grande tamanho corportal são características das araras, mas que, em geral predispõe uma espécie a extinção. Por outro lado, as araras-azuis são os maiores representantes da família dos Psitacídeos, chegando a medir um metro de comprimento, com poucos estudos sobre biologia, ecologia e comportamento na natureza, até a década de 90. Mas que por serem atraentes e simpáticos acabaram se tornando uma espécie símbolo para a conservação.

 

O trabalho vem sendo realizado no Pantanal, localizado no Centro da América do Sul, onde atualmente é conhecida a maior ocorrência de araras-azuis, abrangendo os Estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e parte da Bolívia e Paraguai, com população estimada de 5 mil indivíduos. As araras-azuis são encontradas também: a) no encontro dos Estados de Tocantins, Piauí, Maranhão e Bahia, onde um levantamento recente (C. Bianchi, com. pes.) estimou entre 800 e 1000 aves; b) norte do Brasil, no Estado do Pará ao longo do rio Xingu, com população estimada de 500 indivíduos, mas não tem sido levantada nos últimos 17 anos.

 

Os objetivos gerais do Projeto Arara Azul são: 1) a manutenção de uma população viável a médio e longo prazo em seu ambiente natural; 2) difundir a importância da conservação da biodiversidade. A área de estudo tem sido principalmente o Pantanal de Mato Grosso do Sul. O Pantanal é a maior área alagada do Planeta, reconhecida como Reserva da Biosfera e Patrimônio Natural da Humanidade pela UNESCO. O Pantanal pode ser considerado um dos biomas mais conservados do Brasil e possui grande concentração de aves, mamíferos, répteis e anfíbios, baixa densidade humana e longos períodos de inundação.

 

Os objetivos específicos podem variar a cada ano, mas os prioritários podem ser definidos como: monitorar e marcar ninhos; monitorar ovos e filhotes; coletar dados biológicos; mapear ninhos e locais de alimentação; manejar ninhos, ovos e filhotes; promover a educação ambiental e incentivar o ecoturismo.

 

Como resultados até dezembro 2003, 45 fazendas foram catalogadas, 346 ninhos naturais foram cadastrados e 198 ninhos artificiais foram instalados. Atualmente os trabalhos são mais intensamente realizados a partir de duas bases de pesquisa: n Refúgio Ecológico Caiman, e na Pousada Araraúna,.

 

Segundo Guedes (1993), no Pantanal as araras-azuis são especializadas em comer apenas nozes de palmeiras: bocaiúva (Acrocomia aculeata) e acuri (Scheelea phalerata) durante toda sua vida. Outros itens ingeridos significam menos de 2% da sua alimentação naquela região.

 

Com relação aos ninhos, as araras-azuis não começam uma cavidade, mas aumentam rapidamente, pois precisam de grandes cavidades. No Pantanal 90% dos ninhos estão localizados no manduvi, Sterculia Apétala. Esta característica das araras que podem ser chamadas de engenheiras ambientais é importante, pois torna possível a reprodução de outras 17 espécies, que ocupam cavidades, como elas.

 

Como as araras-azuis colocam de 1 a 3 ovos, numa postura assincrônica há uma alta taxa de eclosão dos ovos, mas também alta mortalidade dos ninhegos (Guedes et al. 2000). Ao nascerem os filhotes são totalmente dependentes dos pais, permanecendo longo período nos ninhos, em média 107 dias, período ao qual ficam expostos a predação e mortalidade. A taxa de mortalidade é mais alta com recém-nascidos e diminui a medida que os filhotes crescem. Alguns filhotes foram reportados como portadores de Salmonella (Vilela et al. 2001) e Clamydia (Raso et al.2003).

 

Após o vôo os jovens filhotes ainda são dependentes dos pais para alimentação e a separação pode variar de 1 a 2 anos. Assim, alguns casais se reproduzem todos os anos e outros a cada dois anos. Dos casais que tem ovos, cerca de 20-40% são predados a cada ano. Cerca de 22% dos casais fazem nova postura. Em média, 70% dos casais que fazem postura de ovos, nasce pelo menos um filhote e destes 76% sobrevivem e voam.

 

Devido a parceria, de mais de uma década, com os pesquisadores de Genética de Aves do Departamento de Biologia da USP, mais de 500 filhotes foram amostrados, através do sangue coletado. Esta atividade permitiu o desenvolvimento de várias técnicas, que geraram trabalhos de mestrado e doutorado. Segundo Miyaki et al. (1999) a proporção de machos e fêmeas nascidos na natureza, tem sido, praticamente de 1:1. Além disso, observou-se que a variabilidade genética das araras-azuis está em torno de 65% o que é semelhante para outros psitacídeos ameaçados e confirmou a monogamia de alguns casais que tinham sido constatados em campo.

 

Entre os fatores que afetam a reprodução das araras-azuis no Pantanal pode-se citar: a baixa oferta de cavidades, embora existam várias espécies arbóreas de grande porte, a maioria delas não possibilita a formação de cavidades; a alta competição, com outras espécies que estão tentando se reproduzir no mesmo período; perda de 3 à 5% dos ninhos naturais a cada ano, por causas naturais (intempéries) ou descaracterização do habitat (Guedes, 1995).

 

Para modificar este quadro e aumentar a reprodução das araras-azuis no Pantanal, em 1992 foi realizado o primeiro experimento com ninhos artificiais. Inicialmente testou-se modelos e materiais diferentes até encontrar um que fosse utilizado pelas araras-azuis. Cinco anos depois, dezenas de ninhos foram instalados em larga escala. As araras-azuis imediatamente exploraram cerca de 50% dos ninhos, mas efetivamente se reproduziram em 10-15% deles. Entretanto, os resultados, foram atingidos porque mais de 70% dos ninhos artificiais foram ocupados por outras 17 espécies que competiam ou interferiam na reprodução das araras-azuis. Assim, sobraram mais ninhos naturais que foram ocupados pelas araras-azuis e houve um aumento significativo de casais reproduzindo. Posteriormente, diferentes técnicas de manejo para recuperar ou reformar os ninhos naturais que estavam se perdendo, também passaram a ser realizadas. Os resultados mostram que 70% dos ninhos manejados são imediatamente ocupados pelas araras-azuis.

 

Em 2000, o Comitê de Araras Azuis, coordenado pelo IBAMA autorizou o Projeto Arara Azul a realizar alguns experimentos com manejo de ovos e filhotes. Ovos que seguidamente eram predados ou que os ninhegos eram perdidos assim que eclodiam, tiveram os ovos retirados e incubados artificialmente. Os filhotes que nasceram em laboratório foram alimentados artificialmente nos primeiros dias, até que ficassem mais resistentes e serem devolvidos aos próprios ninhos. Por outro lado, casais que tinham filhotes com idade maior que cinco dias entre o primeiro e segundo, foram translocados de ninhos: um casal ficou com dois filhotes pequenos e o outro casal ficou com os dois filhotes maiores. Estas e outras experiências, permitiram o aumento de casais que tiveram filhotes e o número de filhotes por casais, o que conseqüentemente aumentou o sucesso reprodutivo na região.

 

Paralelamente as atividades desenvolvidas pelo Projeto Arara Azul, principalmente ao monitoramento dos ninhos, outras pesquisas foram realizadas na área de biologia, genética, veterinária e comunicação, fazendo com que a arara-azul seja uma das espécies de Psitacídeos ameaçados com muitas informações de vida silvestre conhecida atualmente. Da mesma forma, estudos de outras espécies, como araras-vermelhas (Ara chloroptera), araras-canindé (Ara araraúna), tucanos, gaviões e patos também tem sido desenvolvidos.

 

O envolvimento da população local, através de peões e fazendeiros desde o início do Projeto, certamente é um dos fatores de maior sucesso na recuperação da espécie. O envolvimento da população em geral, através de atividades de educação ambiental e divulgações contribuem para o alcance destes resultados. Durante estes anos, o Projeto Arara azul tem treinado dezenas de estagiários, voluntários, biólogos, veterinários e zootecnistas.  

 

Por fim, acredita-se que os objetivos estejam sendo alcançados, pois esta contribuindo para a conservação da biodiversidade; a população de araras-azuis está aumentado e expandido; e novas áreas de ocorrência da espécie estão sendo pesquisadas.  Assim, o quadro inicial das araras-azuis em 1980 está sendo revertido e talvez num futuro próximo a arara azul possa deixar a lista de espécies em extinção.

 

Agradecemos a Drª Cristina Yumi Miyaki, organizadora deste Simpósio na 56ª Reunião Anual da SBPC, pelo convite para esta apresentação, às diversas pessoas que passaram pelo Projeto e a equipe de campo (Cezar, Lia, Vanessa, Angélica, Marcos, Flávia, Patrícia, Douglas, Rodrigo, Felipe, Joilson, Eveline, Andréa, Eliza, Rabelo, Mamy e Joacilei) e principalmente nossos executores, principais parceiros e patrocinadores, citados no início deste texto.

 

Referências

 

Galetti, M.; Guimarães Jr., P.R. e Marsden, Stuart. 2002. Padrões de riqueza, risco de extinção e conservação dos psitacídeos neotropicais. In  Galetti, M. & M. A. Pizo (eds.), Ecologia e conservação de psitacídeos no Brasil. Melopsittacus Publicações Científicas, Belo Horizonte, MG. 2002, Pp. 17-26.

 

Guedes, N.M.R. Biologia reprodutiva da arara-azul (Anodorhynchus hyacinthinus) no Pantanal - MS, Brasil. Master thesis, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1993. p 122.

 

Guedes, N.M.R.  Competition and losses of Hyacinth Macaws nests in the Pantanal, Brazil. In: CONGRESO DE ORNITOLOGIA NEOTROPICAL, V, Resumos, Asunción, Paraguay, 1995. p.70.

 

Guedes, N.M.R., Vargas, F.C., Bernardo, V.M., Cardoso, M.R.F., Faria, P.J., Araújo, F.R., Vilela, V.0., Perez, M.C.L.L. Werneck, M.R. & Górski, A. Impacto da predação, ectoparasitos e mortalidade de arara-azul Anodorhynchus hyacinthinus no Pantanal Sul, Brasil. In: Simpósio sobre recursos naturais e sócio-econômicos do Pantanal. Os desafios do novo milênio, III. Embrapa-Pantanal, Corumbá. 2000, Pp.211-212.

 

Miyaki, C.Y.; 1999

Miyaki, C.Y.: Guedes, N.M.R. & Wajntal, A.  Genetic variability and other reproductive data on a population of the Hyacinth Macaw. In: NEOTROPICAL ORNITHOLOGICAL CONGRESS, 6, Book of Abstracts, Monterrey y Saltillo, México, 4-10/10/1999, p.179.

 

 

Snyder, N., McGowan, P., Gilardi, J., & A. Grajal (eds.). 2000. Parrots. Status Survey and Conservation Action Plan 2000-2004. IUCN, Gland, Switzerland and Cambridge, Oxford, UK.

 

Raso, T.F.; Seixas, G.H.F.; Guedes, N.M.R.; Pinto, A.A. “Epidemiologia da Chlamydophila psittaci em Amazona aestiva e Anodorhynchus hyacinthinus em vida livre no Pantanal Sul Mato-grossense”. In: Congresso e Encontro da Associação Brasileira de Veterinários de Animais Selvagens, VII e XII, Anais, Ed. Abravas, São Pedro/SP, 11/11/2003. (Apresentação oral e painel) (Anais disponível em CD room)

 

Vilela, V.O., Guedes, N.M.R., Araújo, F.R., Solari, C.A., Filiú, W.F.O, Catelan, V.L., Alves, M.M., Carmo, M.A., Souza, R.A., Vargas, F.C. Salmonella Bredney em arara-azul (Anodorhynchus hyacinthinus). In: ORNITOLOGIA SEM FRONTEIRAS, Ed. Straube, F.C., Curitiba, 2001, p. 390-391.

 

 

 

 

(*) Coordenadora do Projeto Arara Azul, Profª do Mestrado em Meio Ambiente e Desenvolvimento Regional da UNIDERP. projetoararaazul@uol.com.br

 


Anais da 56ª Reunião Anual da SBPC - Cuiabá, MT - Julho/2004