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G. Ciências Humanas - 7. Educação - 18. Educação
LIVRO DIDÁTICO: PASSAPORTE PARA A DISCRIMINAÇÃO?
Candida Soares da Costa 1   (autor)   candidacom@hotmail.com
Iolanda de Oliveira 2   (orientador)   iolanda.eustáquio@globo.com
Maria Lúcia Rodrigues Muller 1   (co-orientador)   mullerlu@terra.com.br
1. Instituto de Educação, Universidade Federal de Mato Grosso - UFMT
2. Faculdade de Educação, Universidade Federal Fluminense - UFF
INTRODUÇÃO:
Os livros didáticos têm se constituído em fontes inesgotáveis de pesquisa que abordam diversos temas, dentre os quais os estereótipos que eles veiculam e que contribuem para o fortalecimento das desigualdades existentes entre as pessoas e entre os grupos no cotidiano social. Enquanto principal recurso didático-pedagógico, fazem-se presentes desde os momentos iniciais de escolarização das crianças, que aprendem a percebê-los como legitimadores de “verdades”, freqüentemente concebidas a partir de visões distorcidas acerca dos seres humanos e das relações que estabelecem entre si e entre os grupos que atuam no social. Esta pesquisa teve como objetivo verificar, em que pese as muitas denúncias contrárias ao racismo no Brasil, efetuadas por pesquisadores e pelo movimento negro, culminando com surgimento de leis contrárias ao racismo e propostas pedagógicas voltadas para a inclusão, se os livros continuam servindo de suporte às idéias que distinguem negros e brancos a partir da suposta superioridade destes sobre aqueles. A relevância do tema se dá pelo fato de que essas desigualdades são cotidianamente construídas e reconstruídas. A participação da escola nesse processo é bastante significativa, pois os elementos que constituem os fatores de exclusão escolar de alunos negros, entre os quais, podemos afirmar, estão os estereótipos contidos nos livros didáticos, têm se constituído em uma forma de propagação das diferenças fenotípicas como sinônimo de inferioridade.
METODOLOGIA:
O advento da constituição de 1988, abominando o racismo e caracterizando-o como crime inafiançável e imprescritível, a provação da Lei Federal nº 9349 de 20/12/96, Leis de Diretrizes e Bases – LDB, primando pela liberdade e solidariedade, com vista ao desenvolvimento do educando para o exercício da cidadania, bem como a chegada dos Parâmetros Curriculares Nacionais, supostamente instigaram preocupações quanto à reformulação dos tipos de texto e ilustração a serem usados na composição dos manuais. É nessa perspectiva que a pesquisa se desenvolveu, dentro de um ângulo de preocupação em verificar como as questões raciais estão sendo enfocadas em livros adotados por professores e professoras de escolas públicas estaduais, a partir da indicação do MEC, para o triênio 2002 – 2004. Foram examinados livros de Língua Portuguesa da 5ª e 6ª séries de uma coleção de quatro exemplares, destinada a alunos das quatro últimas séries do ensino fundamental (5ª a 8ª séries). Esse exame teve como ponto de partida um inventário dos textos e das imagens que compõem ambas as obras (desenhos, pinturas, e fotografias), com vista a verificar a existência ou não de transformação no modo como os negros estão sendo focalizados com relação aos brancos. As análises das imagens foram efetuadas, levando em consideração: quantidade (proporção negros/brancos); posições ocupadas pelos negros nas unidades e nos textos; positividade e negatividade dessas imagens.
RESULTADOS:
Os resultados da pesquisa apontaram que a imagem do povo negro continua sendo passada de forma desvalorativa, tanto em termos numéricos (em se comparando a incidência de imagens de brancos e negros), quanto ao que se refere à posição que ocupam. Ganham destaque nos espaços que tematizam exclusão, carnaval, abandono, escravidão. Na unidade que traz como tema o trabalho infantil, há equivalência entre a quantidade de imagens de negros (50%) e de brancos (50%), sugerindo universalidade do problema. Há um único quadro ilustrativo de um homem negro sendo apontado como profissional de uma área, socialmente, reconhecida: cirurgião. Em contrapartida, após um texto sobre escravização de crianças, a ilustração que aparece na página seguinte é de crianças negras, demonstrando uma insistência em vincular o negro à condição de escravo, até mesmo quando, à primeira vista, a proposta seja de denúncia. Ainda se encontra texto onde a cor preta é comparada a sujeira, que, inclusive, pode ser eliminada com um banho frio. Isso se observou, por exemplo, na epígrafe de abertura da unidade cuja proposta era de refletir sobre questões referentes ao povo negro, a única entre as trinta unidades que compõem as obras analisadas: “(...) quando o herói saiu do banho estava loiro e de olhos azuizinhos, a água lavara o pretume dele...”. (Mário de Andrade, Macunaíma).
CONCLUSÕES:
A análise dos dados, obtida com essa pesquisa, possibilitou conclusões preocupantes quanto à superação do racismo no Brasil. Embora este seja um país em que grande parcela da população se constitui de negros (pretos e pardos), o livro didático, apesar de sua importância e abrangência no contingente populacional brasileiro, continua negando ao negro o direito de ser percebido e tratado verdadeiramente como cidadãos. O princípio constitucional de cidadania, a liberdade e a solidariedade visadas pela LDB e o respeito à diversidade, proposto pelos Parâmetros Curriculares Nacionais - Temas Transversais, não são levados em consideração, haja vista que raça e lugar social estão estreitamente relacionados e demarcados. Os negros continuam sendo colocados em posições semelhantes aos que as ideologias racistas insistem em conferir-lhes ao longo do tempo. O livro didático continua reproduzindo preconceitos que, através dos estereótipos, ajudam a disseminar a condição de discriminação contra os negros.
Palavras-chave:  Negro e Educação; Negro no livro didático; Discriminação racial.

Anais da 56ª Reunião Anual da SBPC - Cuiabá, MT - Julho/2004