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G. Ciências Humanas - 9. Sociologia - 7. Sociologia
A PERCEPÇÃO SOCIAL DOS DIREITOS: INSTRUMENTO LEGAL OU DE JUSTIÇA SOCIAL?
Alair Suzeti da Silveira 1, 2   (autor)   alairsilveira@ig.com.br
1. Núcleo de Pesquisas, Faculdades Cândido Rondon - UNIRONDON
2. Dept. Direito, Faculdade para o Desenvolvimento do Estado e do Pantanal MatoGrossense - UNIPAN
INTRODUÇÃO:
Identificado como grave problema para a consolidação democrática nos países emergentes, está o desconhecimento socialmente partilhado dos direitos que perfazem a Constituição, assim como a profunda desconfiança quanto à efetividade das instituições responsáveis pela sua garantia. Paradoxalmente, a democracia é referência constante nos discursos dominantes.
Sujeitos (dialeticamente como agente da ação e indivíduo submetido à vontade de outro) de uma história nacional marcada por forte traço autoritário, a percepção social de boa parte dos indivíduos é conformada sobre uma compreensão individualista dos direitos e uma democracia muitas vezes não-democrática ou anti-democrática.
O desafio que se coloca, pois, é perceber até que ponto a democracia e os direitos da cidadania se constituem em valores reais no conjunto das relações sociais.
Como a formação da opinião socialmente partilhada não se constitui no isolamento das reflexões individuais, mas no processo de interação ou massificação social, este trabalho buscou captar as opiniões daqueles indivíduos que são, efetivamente, dirigentes (no sentido gramsciano), posto que são representantes de categorias organizadas ou de grupos específicos, sobre os quais exercem especial capacidade de influência.
Captar o universo ideológico desses dirigentes nos permite compreender melhor os mecanismos de reprodução social do imaginário individual e das técnicas de dominação ideológica sobre as quais se reproduz a frágil democracia brasileira.
METODOLOGIA:
Este trabalho foi realizado a partir da identificação das principais lideranças de dez categorias: Operadores do Direito, Associação de Moradores, Sindicatos de Trabalhadores, Entidades Empresariais, Deputados Estaduais, Vereadores, Organizações Populares, Formandos em Direito, Líderes Políticos Regionais e Líderes Religiosos. Ao todo foram aplicados 182 questionários sobre questões envolvendo direitos sociais e individuais, democracia, Estado, Poder Judiciário, greves, Constituição Brasileira, organizações coletivas, etc.
A definição de quais seriam os entrevistados observou critérios rigorosos. Dependendo da categoria, foi considerando o grau de representatividade durante os anos compreendidos entre 1983 e 2000 (caso de Deputados e Vereadores reeleitos, porém respeitando a composição do ano 2000). Foram entrevistados 10% dos formandos em Direito, aleatoriamente, a partir do levantamento junto às IES, observando-se eqüidade de faixa etária e sexo.
Os Líderes Políticos foram escolhidos pela sua representatividade, em particular pela sua passagem pelo Poder Executivo (1983/2000). Os Operadores do Direito foram selecionados a partir da indicação dos professores da área (cada qual indicando 5 nomes) de Cuiabá e Várzea Grande, sendo que ao final chegou-se aos 18 Operadores tidos como referência para seus pares.
Nas demais categorias foram entrevistados os presidentes das principais categorias profissionais e líderes de instituições religiosas com significativa presença em Cuiabá.
RESULTADOS:
Centro fundante do Estado e dos instrumentos jurídicos, a cidadania está profundamente marcada pela cultura monetária. Em conseqüência, é associada ao direito de quem trabalhou para merecê-la.
Mesmo categorias mais críticas e socialmente comprometidas, como Operadores do Direito e Líderes Sociais, percebem a cidadania como resultado do esforço individual.
Alimentam-se daí, por exemplo, as opiniões sobre origem das leis, justeza ou não de direitos coletivos específicos, responsabilidades sociais do Estado, preceitos constitucionais, organizações coletivas dos trabalhadores, percepção de sociedade e Estado Democrático de Direito no Brasil.
Observa-se que para a maioria dos entrevistados, cabe a cada um fazer valer seus interesses, considerado direito legítimo. Paradoxalmente, tal legitimidade deixa de ser reconhecida na medida em que estes interesses sejam organizados coletivamente. Mais ainda se tais interesses venham a ferir interesses particulares. Isto é, quando questionados ideal e abstratamente sobre o direito de lutar pelos direitos, quase todos reconheceram-lhe legitimidade, porém quando confrontados com exemplos cotidianos, a maioria recuou e os considerou abusos.
Esta contradição entre a teoria e a prática está presente em praticamente todas as questões. Neste sentido, não causa estranheza a percepção de muitos dirigentes, os quais não se reconhecem como forças sociais organizadas capazes de constituir novos direitos e assegurar o cumprimento daqueles já conquistados.
CONCLUSÕES:
Os principais resultados dessa pesquisa revelam o fosso entre o discurso e a prática por parte daqueles que têm enorme capacidade de influenciar opiniões.
As conseqüências desse fosso tem estreita relação entre o discurso democrático e uma sociedade não-democrática; entre direitos socialmente abrangentes e a inefetividade da cidadania como uma condição socialmente includente.
Este abismo entre o discurso e a prática reflete a ruptura subjetiva (porém efetiva) entre o ideal abstrato de justiça social e uma realidade social excludente e, portanto, injusta.
Baseada nos pressupostos liberais do individualismo, a percepção da maioria esmagadora das lideranças dos trabalhadores resvalam, inescapavelmente, em contradições poderosas que acabam por engessar sua atuação sindical, comunitária e social.
Se aos empresários cabe o reconhecimento pela coerência das suas posições, articuladas com a defesa dos seus interesses, causa preocupação as opiniões da maioria dos formandos. Ideologicamente conservadores e formalistas, os futuros Operadores do Direito são particularmente identificados com os ideais liberais e impressionam por opiniões anti-igualitárias e não-democráticas.
As conseqüências da percepção monetária e elitista dos direitos e da cidadania comprometem a consolidação da democracia e a efetividade dos direitos. A superação destes obstáculos, implica no reconhecimento da cidadania como resultado da ação coletiva, cuja garantia e abrangência somente pode efetivar-se no coletivo.
Instituição de fomento: Faculdades Integradas Cândido Rondon
Palavras-chave:  Cidadania; Direitos; Percepção social.

Anais da 56ª Reunião Anual da SBPC - Cuiabá, MT - Julho/2004