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G. Ciências Humanas - 5. História - 9. História Social
CRIMES SEXUAIS: O MACHISMO NO BANCO DOS RÉUS
Alina Silva Sousa 1   (autor)   alinaslz@hotmail.com
José Henrique de Paula Borralho 2   (orientador)   hdepaula@ig.com.br
1. Depto. de História , Universidade Federal do Maranhão - UFMA
2. Depto. de História, Universidade Estadual do Maranhão - UEMA
INTRODUÇÃO:
Inúmeros trabalhos privilegiam o tema da sexualidade feminina, impulsionados, sobretudo, pela propalada emancipação da mulher. A apresentação do comportamento sexual como tópico para discussão não é, portanto, objeto de estudo original, mas diferente de tantas outras abordagens, a intenção aqui é retirar o caráter freqüentemente dado como óbvio e natural, ou quando reconhecido, tratado superficialmente, da renúncia ao prazer utilizando, para isso, um enfoque histórico-antropológico. A história das mulheres sofre o erro da uniformidade do discurso com sua inevitabilidade, ou seja, devido a uma tradição cultural andrógina, tendemos a assumir que o que é corrente dizer é eterno e o que é eterno é natural. O objetivo desta pesquisa é, pois, analisar as relações entre virgindade, família, infidelidade e crimes sexuais, explorando o conceito de honra sexual - conjunto de normas estabelecidas aparentemente com base na natureza que sustentam a lógica de relações desiguais de poder entre os gêneros. Dele deriva a noção de reputação - horror dos pais à perda da virgindade e dos maridos ao adultério - que se manifesta não pelo que isto pode significar à própria moça ou ao relacionamento a dois, mas pela reputação social que fulmina ao pai, à família e ao marido traído. Esse fetichismo ao hímen e à fidelidade, se contrariado, torna-se motor de agressões e crimes sexuais. Com a honra manchada, a vergonha do pai ou cônjuge justifica atrocidades servindo-se do discurso machista de plantão.
METODOLOGIA:
Optando por um estudo que visa estabelecer relações entre sexualidade feminina, honra familiar, infidelidade e crimes sexuais, lançamos mão de documentação variada, tanto no que diz respeito à natureza, quanto aos seus suportes. Além dos documentos impressos, públicos ou privados, de caráter oficial, científico ou de entretenimento, como romances, contos, poemas, jornais, utilizamos fontes manuscritas localizadas no Arquivo Público do Estado do Maranhão e no Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, com destaque para os processos de defloramento. A análise desse material foi feita sob olhar cuidadoso, respeitando a natureza da fonte e amparada por leituras bibliográficas relacionadas ao tema, dentre as quais se destacam: Norbert Elias em O processo civilizador Vol. 1; Sueann Caulfield, Em defesa da honra: moralidade, modernidade e nação no Rio de Janeiro (1918-1940); Luiza Nagib Eluf, A paixão no banco dos réus; Michel Foucault, História da sexualidade Vol. I, II e III e A ordem do discurso; Pierre Bourdieu, A dominação masculina; Eni de Mesquita Sâmara, Raquel Soihet e Maria Izilda Matos, Gênero em debate: trajetória e perspectivas na historiografia contemporânea. Essa vinculação da honra familiar à saia da mulher é melhor visualizada no período varguista (1930-1945), quando a família é vista como base da nação e um espaço social que produziria uma força de trabalho dedicada , honesta e disciplinada e, por esse motivo esse intervalo serviu de corte cronológico da pesquisa.
RESULTADOS:
Como bem observamos, as atrocidades e crimes sexuais são resultado de uma cultura machista. A honra de que tanto falam refere-se ao comportamento sexual feminino é a tradução perfeita do machismo, que considera serem a fidelidade e a submissão feminina ao homem um direito dele, dos quais depende sua respeitabilidade social. No decorrer da pesquisa percebeu-se também que, com o advento da modernidade, instaurou-se um clima de crise do pudor, isto é, a sociedade moderna e seus estímulos sexuais, sobretudo os meios de comunicação, trouxeram a degeneração moral, terrível ameaça para a honestidade das mulheres e, por conseguinte, da família. Inúmeros debates foram travados entre conservadores e os liberais no decorrer dos anos, de maneira que não nos limitamos a descrever as transformações das condições femininas no decurso dos tempos, nem somente desenhar as relações de gênero nas diferentes épocas. Empenhamo-nos em estabelecer, no período estudado, o estado do sistema de agentes e das instituições - Família, Igreja, Estado, Escola - os quais, com pesos e medidas diversas, contribuíram para arrancar da história as relações de dominação masculina.
CONCLUSÕES:
A união das leituras bibliográficas com a análise das fontes históricas supracitadas nos faz concluir que nada há de natural em nenhum desses padrões de desigualdade de gênero. Ao contrário, são todos produtos de processos históricos dinâmicos e contínuos, o que torna cada um dos componentes da honra potencialmente instável. As transformações iminentes na base econômica, sistema político e hierarquias sociais reverberam, ainda hoje, em debates sobre a honra pessoal e a sexualidade das mulheres. Conclui-se também que a honra da família ou do cônjuge não é portada pela mulher. Aquele que age de forma indigna deve arcar pessoalmente com as conseqüências de seus atos. Sua conduta não atinge outrem, não lhe dando, portanto, o direito de ferir ou matar.
Palavras-chave:  sexualidade feminina; honra familiar; crimes sexuais.

Anais da 56ª Reunião Anual da SBPC - Cuiabá, MT - Julho/2004