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G. Ciências Humanas - 7. Educação - 11. Ensino-Aprendizagem
QUESTÕES RELATIVAS À TRANSPOSIÇÃO DIDÁTICA NA ESCOLA CICLADA DE MATO GROSSO: ENSINO-APRENDIZAGEM DA PRODUÇÃO TEXTUAL ESCRITA
Dariluce Gomes da Silva de Souza 1   (autor)   dawgss@hotmail.com
Cancionila Janzkovski Cardoso 2   (orientador)   kjc@terra.com.br
1. Mestranda - PPGE - Educação e Linguagem - Universidade Federal de Mato Grosso - UFMT
2. Doutora do Programa de Pós-Graduação em Educação - PPGE - UFMT
INTRODUÇÃO:
O advento da escola organizada por ciclos de formação no cenário da rede estadual de ensino de Mato Grosso, no ano 2000, suscitou algumas indagações, tais como: é possível constatar na prática docente a efetiva apropriação das orientações teórico-metodológicas emanadas dos documentos oficiais? O discurso dos professores é consonante com sua prática ou ocorre uma assunção do discurso oficial dissociada dos procedimentos metodológicos adotados no processo de ensino-aprendizagem? Ocorreu a transposição didática das teorias preconizadas nos documentos oficiais que versam sobre a aprendizagem e o desenvolvimento da língua materna, mais especificamente no que concerne à produção de textos no espaço escolar?
Com vistas a diagnosticar de que forma se deu a apropriação das orientações acerca da produção textual escrita por parte dos professores que atuam na escola ciclada, três anos após a sua implantação em Mato Grosso, é que se realizou este estudo de caso, na perspectiva da microetnografia, descrita por Bogdan & Biklen na obra “Investigação qualitativa em educação” (1999).
Este estudo de caso, como é característico de tal metodologia, não prevê grandes generalizações; entretanto, os seus resultados conduzem à reflexão acerca da premente necessidade da formação continuada para o atendimento das demandas dos profissionais em exercício para o ensino da produção textual escrita, fundada na dialogia proposta por Bakhtin e na utilização dos diversos gêneros textuais como objetos de ensino.
METODOLOGIA:
A metodologia empregada nesta pesquisa foi o estudo de caso, como o concebe Bogdan & Biklen (1999), utilizando-se protocolos escritos de observação para a coleta de dados, bem como entrevistas semi-estruturadas e em profundidade, dado o caráter qualitativo do estudo, cuja análise visa transcender a mera constatação.
O ambiente da pesquisa microetnográfica foi uma escola de porte médio da rede estadual de ensino do município de Rondonópolis-MT, sendo focalizada uma turma de 25 alunos, pertencentes à II fase do II ciclo e sua respectiva professora de Língua Portuguesa.
Os sujeitos da pesquisa estiveram em contato contínuo com a pesquisadora durante dois meses, período em que se observou as situações de produção textual em sala de aula num enfoque processual e, posteriormente, analisou-se duas produções textuais de cada aluno (nos gêneros fábula e narrativa de cunho pessoal), à luz das teorias do dicurso de Bakhtin e Schenewly.
Foi analisado também o documento oficial da escola ciclada, intitulado Escola Ciclada de Mato Grosso - Novos tempos para ensinar-aprender a sentir, ser e fazer. Fundamentado nos PCNs, o documento preconiza o ensino de Língua Portuguesa a partir de três eixos nortedores: a Semiótica, a Análise do Discurso e a Análise Estilística, sendo que os desdobramentos da prática far-se-iam a partir de ênfase à linguagem oral, práticas de leitura, práticas de produção de texto e análise e reflexão sobre a língua.
RESULTADOS:
Foi somente durante a coleta de dados, num processo de constante retomada das questões iniciais da pesquisa, é que elegemos, em caráter definitivo, o recorte final para a investigação. Após diversas releituras das transcrições das entrevistas com a professora e dos textos dos alunos é que se delineou o objeto central da pesquisa: a apropriação das orientações acerca de produção textual escrita emanadas do documento oficial da escola ciclada e a transposição didática destas por parte dos professores.
Através da análise das entrevistas, verificou-se que a professora em questão reúne-se com seus pares semanalmente, o que configuraria um planejamento coletivo; entretanto, constatou-se que tais encontros são utilizados, via de regra, para a análise de questões relativas à carreira docente: normativas para atribuição de classes e aulas, regimentos escolares, leis orgânicas, estatutos sindicais, normas para elaboração de relatórios... Não ocorreram reuniões efetivamente pedagógicas para o preparo de atividades, estudo de textos teóricos, discussões e análise da prática docente. Embora se verifique os professores ocupando o mesmo espaço físico, o planejamento semanal se constitui num ato solitário, visto que não se configuram trocas efetivas entre os pares.
Os escritos dos alunos revelaram a falta de um interlocutor definido, bem como indefinição na caracterização dos diferentes gêneros, sendo que a capacidade metatextual para a construção e intelecção dos textos não é exercitada.
CONCLUSÕES:
A constituição da independência e da autoria na linguagem escrita deve ser um dos objetivos primordiais da escola e do processo educacional, envolvendo quem ensina, o que se ensina, quem aprende e como se aprende, num processo de socioconstrução e sociointeração.
O conhecimento mais profundo da forma como estão sendo apropriadas e transpostas para a sala de aula as teorias relativas à produção de textos pode auxiliar na elaboração de cursos de formação/capacitação docente mais eficazes. Percebe-se que, no cotidiano escolar, o desconhecimento de tal aporte teórico concorre para o artificialismo e consequente superficialidade nas ações docentes.
Nem sempre os procedimentos e caminhos escolhidos pelos professores mediadores têm sido conscientes, o que denota a necessidade de abordagem do ensino de produção textual escrita a partir de uma perspectiva teórica que ultrapasse modelos abstratos pré-construídos e que encare a linguagem como produto sócio-histórico, como forma de interação social.
As noções de linguagem, de interação, de internalização, de dialogia e de gênero oriundas do pensamento de Vygotsky e Bakhtin que estão presentes no documento da escola ciclada de Mato Grosso carecem de maior difusão e estudo no universo docente, de forma a extrapolarem a esfera da repetição do discurso oficial e concretizarem-se na prática de ensino da produção textual escrita; evidencia-se aí a necessidade da formação continuada e da capacitação dos professores em exercício.
Palavras-chave:  ensino-aprendizagem; transposição didática; produção textual escrita.

Anais da 56ª Reunião Anual da SBPC - Cuiabá, MT - Julho/2004