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H. Artes, Letras e Lingüística - 4. Lingüística - 4. Sociolingüística
O FALAR CUIABANO NO MERCADO LINGUÍSTICO REGIONAL: ATITUDES E PRÁTICAS DE PROFESSORES.
Geniana do Santos 1   (autor)   lcox@terra.com.br
Patrícia Dayane Acs 1   (autor)   mariovillarruel@bol.com.br
Maria Inês Pagliarini Cox 1   (orientador)   icox@terra.com.br
1. Departamento de Letras, Universidade Federal de Mato Grosso - UFMT
INTRODUÇÃO:
Este projeto investiga o fenômeno das fricções lingüísticas, tal como se configura nas práticas discursivas de professores que trabalham na cidade de Cuiabá. Desvelar os efeitos de sentido que cintilam ao redor do falar cuiabano nas práticas discursivas engendradas num tal mercado lingüístico é o propósito mais específico e imediato da pesquisa. E instaurar, na escola, um espaço permanente de formação de professores, com o propósito de realizar uma educação lingüística emancipada de preconceitos, como propõe a pedagogia culturalmente sensível, subsumida pelos Parâmetros Curriculares Nacionais, é sua finalidade a médio e longo prazo. As leis que presidem o funcionamento desse mercado lingüístico são correlativas às leis que permeiam as relações macro-estruturais entabuladas pelos grupos sociais em interação no centro-oeste brasileiro em sua configuração social, econômica, política e cultural contemporânea. A questão de fundo de tal investigação é, pois, a seguinte: Como professores, cuiabanos e não-cuiabanos, significam o falar timbrado como característico da região na atual conjuntura?
METODOLOGIA:
A pesquisa de campo foi conduzida através de uma metodologia interpretativa, o paradigma de investigação que mais se presta à observação e compreensão das trocas lingüísticas entre os atores sociais no fluxo do discurso social. Em pesquisas dessa natureza, presenciar as ações acontecendo no mundo sendo vivido e perquirir os atores sociais sobre os significados de suas ações são os principais procedimentos de investigação. Além das observações prolongadas de professores em seus fazeres cotidianos, as entrevistas para triangulação de hipóteses interpretativas figuram como o principal instrumento de recolha de dados descritivos, na própria linguagem dos sujeitos. Os dados foram registrados em diário de campo e fita cassete. A pesquisa foi realizada numa escola pública da periferia de Cuiabá, em salas de aula de séries iniciais. Quatro professores foram observados. Nas sessões de observação, focalizaram-se as reações dos professores aos traços do falar cuiabano presentes nas falas das crianças e, nas entrevistas, suas crenças e conhecimentos acerca de língua e variedades lingüísticas. Após as sessões de observação, as notas eram revistas e transformadas em vinhetas narrativas. Neste estudo, examinam-se duas vinhetas que indiciam reações diversas de professores a um traço fonológico do falar cuiabano altamente estigmatizado – o rotacismo.
RESULTADOS:
Na primeira vinheta, uma criança se aproxima de uma das professoras observadas para pedir-lhe um esclarecimento quanto à tarefa que teria de realizar. Porém, a sua tentativa de pegar o turno não é ratificada. O uso de uma variedade não-padrão de português, indiciada pelo fenômeno do rotacismo do encontro consonantal /pl/, um fenômeno altamente estigmatizado pela sua associação com ruralidade e analfabetismo, fez com que a professora se concentrasse na correção do detalhe de pronúncia. Na segunda vinheta, a criança também se aproxima de uma das professoras para pedir ajuda. E, apesar de seu enunciado também conter um rotacismo, a criança é bem sucedida no seu propósito comunicacional. Seu pedido de ajuda é ratificado pela professora, tanto gestualmente, através do olhar atento que lhe é dirigido, quanto verbalmente, através da resposta que lhe dá. O uso de uma variedade lingüística não-padrão é encarado com naturalidade pela professora, que se concentra no conteúdo do enunciado e não na sua forma. A professora não só ratifica a fala da criança, como promove um tipo especial de interação, designado por Jerome Bruner (apud Cazden, 1988) como “scaffolding” (escoramento), fornecendo insumo lingüístico onde figura a forma “completar”(variante culta de “compretá”) e ajudando a criança a encontrar, ela mesma, a resposta para a sua questão. A reação da primeira professora ancora-se numa concepção normativista de língua, ao passo que a da segunda, numa concepção sociolingüística.
CONCLUSÕES:
As duas vinhetas trazem exemplos de interação intercultural. Nelas, presencia-se o encontro entre uma variedade lingüística estigmatizada e a norma culta. Contudo, a coincidência entre eles cessa aí, uma vez que, no primeiro caso, a alteridade lingüística vira uma barreira à aprendizagem e, no segundo, não. Quando a escola, mesmo que bem intencionada, trabalha no sentido de acentuar o estigma que envolve a língua materna do aluno na sociedade, a exemplo do que ocorre na primeira vinheta, trabalha a favor da manutenção do status quo. Embora seja essa a forma típica de a escola lidar com as diferenças lingüísticas, não é a única. No Brasil inúmeros trabalhos têm dado relevo a práticas escolares bem sucedidas em contextos presumidamente fadados ao fracasso, desvelando casos de professores que compreendem e respeitam a alteridade lingüística de seus alunos, a exemplo do que se observa na segunda vinheta. As histórias de sucesso, revelam as pesquisas, fundam-se, primeiro, no estabelecimento de um vínculo de confiança mútua entre professores e alunos e, segundo, na adoção de uma pedagogia culturalmente sensível que se desloca das práticas simbólicas hegemônicas opressivas em direção às práticas simbólicas periféricas, não para higienizar a linguagem falada pelas crianças, mas para ampliar-lhes a competência comunicativa, de modo a prepará-las lingüisticamente para participar de todas as esferas da vida social.
Instituição de fomento: UFMT/CNPq
Trabalho de Iniciação Científica
Palavras-chave:  Variação; Prática; Professor.

Anais da 56ª Reunião Anual da SBPC - Cuiabá, MT - Julho/2004