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F. Ciências Sociais Aplicadas - 9. Comunicação - 4. Jornalismo e Editoração
ANÁLISE DA AUTONOMIA DO CORPO PROFISSIONAL DE JORNALISTAS COM BASE NO ESTUDO DO CAMPO JORNALÍSTICO, CONCEITO DE BOURDIEU, APLICADO À PRAXIS NOTICIOSA UTILIZADA PELO IMPRESSO A GAZETA, DE MATO GROSSO, QUE GEROU A MANCHETE DA EDIÇÃO DE 31 DE MAIO DE 2001, OU SEJA, A DENÚNCIA DE QUE UMA DEPUTADA ESTADUAL DO PT FORA A MANDANTE DA TENTATIVA DE ASSASSINATO CONTRA UM CORRELIGIONÁRIO POLÍTICO
Gibran Luis Lachowski 1   (autor)   gibranluis@hotmail.com
1. Pós-graduando do Depto. de Com. Social, Fac. de Ciências da Comunicação - IVE
INTRODUÇÃO:
A pesquisa se trata da análise da cobertura jornalística que gerou a manchete de 31 de maio de 2001 do jornal “A Gazeta”, de Mato Grosso, ou seja, a denúncia de que a então deputada estadual do PT, Serys Slhessarenko, fora a mandante da tentativa de assassinato em 10 de outubro de 2000 contra o correligionário Sivaldo Dias Campos, presidente do diretório do partido em Cuiabá na época, segundo a irmã da vítima, a funcionária pública Silvana Dias Campos. A acusação fazia parte de uma fita de vídeo na qual ela também denunciava a vereadora Enelinda Scala, por compra de votos, o líder do Movimento Cívico de Combate à Corrupção/MT, Antônio Cavalcante, de acobertar crime eleitoral de Serys, e levantava a suspeita de que um dos assessores da deputada, de nome Jairo Pereira Rocha, havia furtado uma pasta de Sivaldo contendo documentos capazes de incriminar políticos pela contratação de “bocas de urna” para atuar em dia de pleito. A divulgação das informações ocorreu sem entrevistas com os acusados nem checagem de dados. Objetivos da pesquisa: dissecar as etapas de realização da cobertura, atestar os erros do jornal e buscar a (s) motivação (ões) de suas ocorrências. A relevância do trabalho está na investigação da autonomia do jornalismo calcado no discurso de manutenção da práxis noticiosa e da hipótese de que o cumprimento das normas torna-se maleável conforme os interesses fermentados entre as direções das firmas jornalísticas e os centros de poder político e econômico.
METODOLOGIA:
Elegeu-se tópicos elementares em qualquer cobertura, a saber, campo jornalístico, fonte de informação, grau de noticiabilidade, verificação da informação e responsabilidade social/ética, a fim de descobrir se foram respeitados. Destaque para o primeiro, um conceito do sociólogo Pierre Bourdieu, que considera o jornalismo como micro-espaço autolimitado, definido por sua posição no globo, atrações e repulsas diante de outros microcosmos. A partir daí efetuou-se leitura de bibliografia pertinente, análise do material usado (gravação em vídeo) e produzido pelo jornal (textos da página 8A) e elaboração de questionários abertos aos profissionais envolvidos no processo de divulgação. Entrevistados e funções no período: João Dorileo Leal, superintendente do Grupo Gazeta de Comunicação; Mauro Camargo, diretor de redação do jornal; Marcos Coutinho, editor de Política; Eduardo Ricci, diretor da TV Gazeta (pelo acesso aos bastidores do caso). A então secretária de redação foi ouvida, mas não quer a veiculação do nome. Entrevistou-se Serys e Fábio Carvalho, então assessor de imprensa da política e repórter de Cidades do jornal na época. Romilson Dourado, repórter do caso, não quis falar. Os questionários visaram reconstruir a cobertura e se basearam em observações sobre os textos e a gravação e nas “falas” dos próprios entrevistados. Relações econômicas e políticas do grupo e, por conseqüência, do jornal, foram evidenciadas por entrevistas, documentos eleitorais e matérias de impressos.
RESULTADOS:
Soube-se que o diretor de marketing do Grupo Gazeta, Diélcio Moreira, colaborou com o projeto de governo do senador Antero Paes de Barros (PSDB), que sucederia o governador Dante de Oliveira (PSDB). Coutinho disse que o jornal era o “Diário Oficial do governo”. Cogitou a oposição de Serys ao PSDB como razão pelo teor da cobertura. Ricci falou que a intenção do jornal foi prejudicá-la. Suposta causa: denúncia de Serys ao Ministério Público Estadual sobre ação irregular da Construtora Triunfo, firma que abrigava a maioria dos sócios do grupo e que fora uma das mais beneficiadas do ramo pelo governo. Ela contou que uma chantagem precedeu a veiculação. O relator da CPI, deputado estadual Emanuel Pinheiro, teria lhe revelado a existência da gravação e garantido a não-divulgação mediante o fim da investigação sobre o então vereador Sérgio Ricardo, denunciado por uso da máquina pública em campanha. A decisão de publicar partiu de Dorileo, disseram os entrevistados. Ele relutou, mas assumiu. A confiança em Silvana se resumiu ao fato de ser irmã da vítima. Não houve checagem de acusações nem entrevistaram-na. Coutinho disse que foi preterido por descrer das denúncias. A secretária de redação notou falha na apuração, mas as editou por temer demissão. Ricci e Dorileo citaram telefonema não respondido por Serys. Ela negou o contato. Carvalho estava no jornal durante a cobertura, mas não foi acionado. Dorileo expôs que os demais acusados seriam ouvidos somente pós-divulgação.
CONCLUSÕES:
Vislumbrou-se o campo jornalístico a partir da ligação do jornal com o governo e da suspeição de que a cobertura tenha sido feita para prejudicar Serys. As falhas ocorridas em cada etapa do processo noticioso foram conseqüentes à rede de interesses evidenciada. A fonte de informação não tinha credibilidade. O único elemento a seu favor era o parentesco com Sivaldo. Além do mais, nem sequer entrevistaram-na antes. Um dia após a veiculação ela diria em coletiva que fora filmada sem saber. O grau de noticiabilidade sustentava-se na gravidade das denúncias e por serem contra pessoas públicas, entretanto, a publicação não se justificava pela fragilidade quanto à verificação da informação. Afinal, os acusados não foram ouvidos nem ocorreu checagem de dados. A inexistência do “outro lado” denotou desrespeito ao Código de Ética do Jornalista. A menção de que houve tentativa de contato com Serys não desincumbiu o veículo da responsabilidade pelo prejuízo à imagem da política. O correto teria sido retardar a divulgação, como prega a práxis jornalística, já que o caso envolvia suposição de crime. A declaração de Dorileo, de que os outros denunciados responderiam depois da publicação, confirmou o grau de irresponsabilidade social da empresa e o poder que ele, um executivo da comunicação, desempenhou na cobertura. Seus subalternos disseram que a tomada de decisão quanto à veiculação partiu dele, o que destoa do discurso de autonomia do corpo jornalístico de um meio de comunicação.
Palavras-chave:  autonomia; interesse; responsabilidade.

Anais da 56ª Reunião Anual da SBPC - Cuiabá, MT - Julho/2004