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G. Ciências Humanas - 5. História - 1. História da Cultura
NO VERÃO (1894) DE ELISEU D'ANGELO VISCONTI
Mirian Nogueira Seraphim 1   (autor)   ser_afim@ig.com.br
1. Profa. MSc. do Centro Federal de Educação Tecnológica de Mato Grosso  CEFET/MT
INTRODUÇÃO:
NO VERÃO é uma pintura a óleo sobre tela (58,9 x 80,4 cm) que representa duas pré-adolescentes deitadas de bruços, nuas, em uma mesma cama, que está coberta com lençóis brancos. Seus rostos aparecem em primeiro plano e seus corpos se estendem em direção ao fundo e à direita da tela. A cama e as meninas ocupam quase totalmente a tela, que tem um fundo neutro.
Seu autor, Eliseu Visconti (Itália, 1966 - Rio de Janeiro, 1944), venceu o primeiro concurso da República Brasileira para o prêmio de estudos na Europa, tendo gozado sua bolsa entre 1893 e 1900. Diferente de tantos outros pintores brasileiros, não se manteve, durante esse período, impermeável aos movimentos artísticos que fervilhavam, então, em Paris. Tornou-se, assim, o pioneiro do design brasileiro e um dos poucos que introduziu a técnica impressionista em seus trabalhos. A partir de um caloroso debate que se iniciou após sua morte, Visconti ficou, definitivamente, localizado na fronteira entre a arte acadêmica e a moderna. Também para isso, contribuiu, o fato de sua produção artística se estender dos anos de formação, a partir de 1885, até sua morte. Embora apenas um quarto desse período esteja situado no século XIX, as obras realizadas nesses anos representam um momento estético de indiscutível relevância, tanto na evolução do trabalho do artista, como na história da pintura brasileira.
NO VERÃO foi escolhida pela ousadia do seu tema, porém mostrou-se, assim como seu autor, especial em sua trajetória.
METODOLOGIA:
A pesquisa procurou recuperar a história da pintura, de seu autor e também da iconografia de seu tema. Baseou-se, portanto, em documentos primários, incluindo jornais e revistas da época, cartas, documentos, fotos, mas também na fortuna crítica, tanto recente, quanto contemporânea às obras. A busca se iniciou entre os guardados de Eliseu Visconti conservados pela família. Na ocasião da pesquisa, sob os cuidados do filho do mestre, o sr Tobias Visconti, que também foi entrevistado em três oportunidades, antes do seu falecimento, aos 92 anos, em abril de 2003.
Num simples levantamento especifico sobre a pintura: sua origem, premiação e destino, exposições das quais participou, reproduções encontradas, além de sua fortuna crítica, já se evidenciaram as características da pintura  singular em seu histórico, e pioneira no seu tema. Para demonstrar esse último ponto, foram levantadas quase 500 obras (pinturas, desenhos, gravuras, esculturas, fotografias) de todos os tempos, da Arte européia, americana e brasileira, que de alguma forma se relacionassem ao tema específico; uma vez que não foi encontrada outra pintura a óleo, anterior a ela, que representasse exatamente o mesmo assunto.
A princípio, não se tinha notícia da premiação de NO VERÃO, nem mesmo no Museu Nacional de Belas Artes (RJ), ao qual acervo a obra pertence. Pesquisando no arquivo documental do Museu Dom João VI (RJ), foi possível localizar seu certificado de medalha de ouro, esquecido em uma gaveta.
RESULTADOS:
Essa medalha foi conquistada na Exposição Geral de Belas Artes (RJ), em 1894, ano de criação da obra em Paris e também de sua anterior participação no Salon des Champs-Elysées. De todas exposições das quais a pintura participou, duas ressaltaram suas qualidades especiais.
NO VERÃO figurou como capa do catálogo da mostra "O Desejo na Academia", realizada na Pinacoteca do Estado de São Paulo (dez.1991-mar.1992), que pretendia lançar um olhar contemporâneo sobre obras da segunda metade do século XIX, interpretando-as e re-significando-as. A tela, por seus aspectos formais e históricos, poderia ter sido exposta no núcleo "O Erotismo Institucionalizado", pois a ela pode ser atribuída, a categoria de nu estético ou artístico, embora não seja idealizada ou apresente os álibis culturais característicos. Porém, apesar disso, ela pertenceu ao núcleo "O Gabinete", embora nunca tenha ficado encerrada em alcovas apenas freqüentadas por homens, ou tenha sido produzida para colecionadores.
Cronologicamente situada na passagem dos dois séculos, NO VERÃO reúne em si características daquele momento de transição e o germe da arte que estava por vir. Na "Mostra do Redescobrimento", que aconteceu no Parque Ibirapuera (SP), em 2000, a tela foi escolhida pelos curadores de dois módulos: "Arte do Século XIX" e "Arte Moderna". Inicialmente, seria exposta no "Arte Moderna", mas por um incidente com outra obra, foi cedida para o primeiro, embora já figurasse no catálogo do segundo.
CONCLUSÕES:
Assim, a tela cumpriu seu duplo papel, sendo exposta no módulo cronologicamente mais apropriado a ela e no catálogo, evidenciando a ousadia do seu tema.
Na mostra "O Desejo na Academia", NO VERÃO poderia, de fato, ter sido exposta em qualquer um dos dois núcleos. Porém, foi considerada obra "onde a pulsão do desejo aponta para uma transgressão, imagem erótica determinada por um impulso que a desvia do objetivo proposto". Essa característica pareceu, aos organizadores da exposição, mais forte que a aceitação que ela teve nos salões e na crítica da época de sua criação.
Esta exposição, com o relevo que a tela adquiriu, por ter sido reproduzida na capa de seu catálogo, gerou o único comentário negativo à pessoa de Visconti, encontrado em toda sua fortuna crítica. Mesmo assim, registrado numa reportagem francamente sensacionalista, que atacava também outros grandes mestres presentes à exposição, e sem nenhum conhecimento de causa.
Em dois catálogos sobre Visconti, editados pelo Museu Nacional de Belas Artes, ao registro de NO VERÃO, foram acrescentadas as expressões: no de 1949, "as duas irmãs"; e no de 1968, "duas meninas na cama". A primeira delas é também, freqüentemente, encontrada substituindo o título da obra. Essas duas expressões representam interpretações diferentes que a tela recebeu nos seus 110 anos de existência - a pureza e o erotismo. É uma obra que reflete características de seu autor, tanto no pioneirismo, como na fronteira que revela sua versatilidade.
Instituição de fomento: CAPES
Palavras-chave:  Pintura brasileira; Eliseu d'Angelo Visconti; Nu feminino.

Anais da 56ª Reunião Anual da SBPC - Cuiabá, MT - Julho/2004