IMPRIMIRVOLTAR
G. Ciências Humanas - 7. Educação - 11. Ensino-Aprendizagem
AS HISTÓRIAS DE LEITURA DO ADOLESCENTE INFRATOR DE MATO GROSSO
Ana Arlinda de Oliveira 1   (orientador)   jo.ana@terra.com.br
Marcelo Porrua 1, 2   (autor)   marceloporrua@bol.com.br
1. PPGE - Instituto de Educação - Universidade Federal de Mato Grosso - UFMT
2. Departamento de Letras - Faculdade Católica Rainha da Paz de Araputanga - FCARP
INTRODUÇÃO:
“A leitura da palavra pressupõe a leitura do mundo”, diz Paulo Freire, mas também a leitura da palavra influencia a leitura do mundo e as diferentes ações dos sujeitos. Palavra e realidade forjam uma a outra e, assim, constituem o sujeito e o seu modo próprio de ser e estar no mundo. Refletindo a estreita relação entre o sujeito e o seu universo cultural, privilegiamos as marcas deixadas por duas instituições, família e escola. São elas que tomam para si o papel de educar e socializar o sujeito, levando-o a ler o mundo e a dar-lhe sentido. Nesse contexto, o ato de ler relaciona-se diretamente com o ambiente de inserimento do sujeito. Contudo, família e escola possuem limites e provocam no sujeito diferentes posturas, contribuindo, por vezes, para seu ingresso em caminhos de delitos e infrações. Como um modo de ser e estar no mundo, alguns adolescentes assumem a marginalidade. Para eles, família e escola foram atestadamente ineficientes; momento em que o poder público assume a missão de ressocializar os adolescentes e devolvê-los à sociedade, “dóceis e úteis”, como diz Foucault. Assim, conhecer a história de leitura dos adolescentes infratores possibilita a reflexão sobre a maneira como estes se relacionam com o mundo bem como o lugar que a leitura tem em suas vidas, pois dentre as experiências que os constituem salientamos as relacionadas ao universo da leitura, que forjam o modo como o sujeito se inscreve na existência.
METODOLOGIA:
Para investigar as práticas de leitura do adolescente infrator utilizamos uma abordagem capaz de revelar o sentido atribuído pelos sujeitos aos acontecimentos de sua vida. Como o fenômeno educacional não é capaz de ser compreendido apenas por enfoques quantitativos, nossa investigação é de cunho qualitativo-interpretativo. Os sujeitos pesquisados são 32 adolescentes infratores do sexo masculino, entre 14 e 19 anos, oriundos do Estado de Mato Grosso, condenados e encaminhados ao Lar do Adolescente em Cuiabá para cumprimento de medidas sócio-educativas por determinação da justiça. Para o desenvolver a pesquisa, foi escolhida a pesquisa documental para conhecer tanto o perfil do adolescente como o espaço reservado a leitura no projeto que norteia seu processo de reeducação; a observação de seu ambiente de convívio geral e, especificamente, das aulas de Língua Portuguesa, com o olhar direcionado ao ato da leitura; a entrevista aberta para registrar, com auxílio de gravador, a história de vida dos adolescentes. Com as primeiras informações elaboramos um questionário com perguntas objetivas que serviu de suporte para realizar nova entrevista, desta vez semi-estruturada, sobre a experiência de leitura dos adolescentes em diferentes momentos: no ambiente familiar, na escola e em sua condição de privação de liberdade.
RESULTADOS:
Observamos que os sujeitos da pesquisa caracterizam-se como adolescentes entre 14 e 19 anos (44,5% com 17 anos), oriundos de Cuiabá e Várzea Grande (72,2%), estão envolvidos em infrações que correspondem a homicídios e roubos (86%). Possuem escolaridade média de 4 anos, renda familiar baixa, lares desarticulados e pais que pouco assumiram seus papéis. Suas leituras foram bastante insipientes, pois a baixa escolaridade e o não cultivo do hábito da leitura contribuíram para a ausência quase absoluta de suportes de leitura em casa; com exceção da Bíblia, sempre presente. Não se recordam, salvo alguns, de alguém lhes contando ou lendo-lhes histórias. Em idade escolar, o livro didático é a lembrança mais viva do que fora sua história de leitura na escola, onde outros livros e dinâmicas de leitura estiveram ausentes. As bibliotecas eram visitadas com o claro intuito de cumprir as tarefas de casa. Foram raros professores que ofereceram bons exemplos de ser leitores. Privados de liberdade, têm oportunidade de estudar, no entanto, não percebem a importância dessa atividade para sua ressocialização, preferem usar seu tempo em lazer. Unânimes em apontar a importância da leitura, inexistente como atividade pedagógica em seu processo de ressocialização, as revistas eróticas e de TV são lidas nas celas para “ocupar a mente”. Elas são artigos de luxo conseguidos escusamente, pois os familiares não as trazem e a escola não permite ou não provê acesso a uma variedade de suportes de leitura.
CONCLUSÕES:
Considerando a investigação sobre as histórias de leitura do adolescente infrator, evidenciamos que o sujeito e suas leituras possuem um vínculo histórico que começa na família, com as condições e exemplo dos pais; sem eles, a criança tem poucos referenciais para descobrir a importância da leitura. Por outro lado, a escola, ao assumir o papel de apresentar a leitura como um universo mais amplo de possibilidades, revela experiências inócuas; a leitura não ultrapassa as cartilhas e os professores não são bons modelos de leitores. As FEBEMs são a prova de que família e escola foram, em algum momento, negligentes para com estes adolescentes, fazendo o poder público assumir a tarefa de devolvê-los “ressocializados” à comunidade. Mas, com exceção da farta comida, escassas na maioria dos lares dos adolescentes, o sistema prisional repete o fracasso das fórmulas da família e da escola. Suas histórias repetem-se, pois também no sistema prisional livros não são lidos, experiências significativas não são trocadas e o mundo não é ressignificado. Não há um responsável, mas cúmplices institucionais que, antes de tornarem esse sujeito réu, o vitimizam. A mesma visão que leva os adolescentes a infringirem a lei torna-se mais forte; é corroborada pelos seus pares que compartilharão com orgulho suas histórias de delito tentando punir alguém pelas oportunidades de acesso aos bens culturais que não tiveram, e, porque não dizer, pelos livros que um dia lhes foram “roubados”
Instituição de fomento: Faculdade Católica Rainha da Paz de Araputanga - FCARP
Palavras-chave:  Leitura; Adolescente; Marginalidade.

Anais da 56ª Reunião Anual da SBPC - Cuiabá, MT - Julho/2004