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G. Ciências Humanas - 5. História - 2. História do Brasil
ÍNDIOS BORORO: CONFLITOS INTERÉTNICOS NO INÍCIO DA COLONIZAÇÃO CUIABANA
Lisandra Zago 1   (autor)   Pós-Graduanda / lisandrazago@zipmail.com.br
Jorge Eremites de Oliveira 1   (orientador)   Prof. Dr. / eremites@ceud.ufms.br
1. Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - UFMS
INTRODUÇÃO:
A pesquisa que ora se apresenta tem por escopo a busca de elementos que possibilitem uma reflexão crítica para a construção de uma Etnohistória dos Bororo, registrando, à luz de procedimentos teórico-metodológicos próprios da História, da Antropologia e da Arqueologia, os contatos interétnicos mantidos com outros povos indígenas e os bandeirantes no início da colonização em Cuiabá e região, no século XVIII. Nesse período, ocorreram muitos contatos interétnicos, amistosos ou não, com os conquistadores provenientes de São Paulo, sobretudo a partir de 1718, época em que os luso-brasileiros também produziram fontes textuais sobre as relações entre os Bororo e os não-indígenas que estavam assentados no vale dos rios Coxipó e Cuiabá, território na época pertencente aos chamados Bororo Coxiponeses, contatados pela bandeira de Antônio Pires de Campos. O ponto relevante do estudo diz respeito à participação do povo Bororo na história do antigo Estado de Mato Grosso, especialmente no período colonial. Naquele momento, as bandeiras paulistas, ávidas pela escravização de indígenas e pela busca de metais preciosos, mantiveram intensos contatos com os Bororo, inclusive conflitos bélicos, através dos quais também houve a proliferação de epidemias trazidas do além-mar. É oportuno ressaltar, ainda, que existe pouco material sobre os Bororo coloniais, apesar da relevante literatura antropológica produzida a partir do século XX.
METODOLOGIA:
A metodologia escolhida para o desenvolvimento do presente trabalho é a Etnoistória, pelo fato de utilizar-se de fontes textuais produzidas por não-índios, analisadas a partir de uma perspectiva interdisciplinar, na comunhão empírica e teórica entre História, Antropologia e Arqueologia, áreas estas que não são independentes, mas que se completam. Este método implica na utilização de um conjunto de técnicas para recolher, organizar e analisar fontes diversas, sobretudo as fontes textuais. A preocupação foi a de buscar elementos que levassem a uma reflexão sobre a construção de uma Etnoistória Bororo, sendo o conhecimento produzido sob condições históricas distintas. O estudo da Etnoistória, além de justificar-se por sua pertinência, é também parte fundamental nos novos posicionamentos que estão surgindo frente a culturas distintas das européias. A Etnoistória desperta, para isso, a necessidade de se conhecer a historicidade inerente à cultura de determinado povo indígena. Em conseqüência, o etnoistoriador tem a necessidade de englobar conhecimentos interdisciplinares, tanto históricos quanto antropológicos e arqueológicos, perseguindo deliberadamente a interdisciplinaridade. Enfim, o método etnoistórico vem responder à necessidade acadêmica de superar as fronteiras entre a História e a Antropologia no tratamento do passado dos grupos indígenas, objetivo este que foi concebido em sua origem, contribuindo para o conhecimento da história do antigo Mato Grosso, principalmente a partir da história dos índios Bororo.
RESULTADOS:
Os conflitos entre bandeirantes, Bororo e outros índios prosseguiram durante toda a história desde o primeiro contato até as missões de aldeamento no final do século XIX. Houveram combates arrasando aldeias, preando índios ao trabalho escravo e com os remanescentes fundando aldeamentos de cativos. A busca do gentio permaneceu até a descoberta do ouro em 1718, mas já se registrava a presença de muitos Bororo em São Paulo, alguns utilizados como guias de bandeirantes. Entre ouro e mortes, infligidas pelos índios em defesa dos seus territórios, nascia oficialmente o “Arraial de Cuyabá”, em 8 de abril de 1719. A fundação do arraial significou um grande marco para a história dos Bororo e do desbravamento de terras hoje brasileiras. Os Bororo são referência de valentia e proteção de seu território, uma vez que enfrentaram ataques de expedições colonizadoras e militares organizadas pelo governo provincial durante quase todo século XIX. Outro fator relevante que acarretou grandes perdas na população Bororo foram as doenças, bem como as perseguições luso-portuguesas e conflitos forçados contra outras etnias que resistiam à penetração no alto Paraguai e adjacências como os Guaicurú, Payaguá, Kayapó, recebendo expedições punitivas provenientes de força provincial apoiada de outra etnia, como os Terena. Do grande cemitério indígena, Mato Grosso é palco de chacina. Bororo e outras etnias foram exterminadas pela ignorância monetária, e são perseguidos culturalmente até hoje.
CONCLUSÕES:
A maneira como foi realizada a expansão colonial possibilitou a formação de uma elite mercantil, e o baixo poder aquisitivo da população provocou constante violência no processo de formação e desenvolvimento da Província. Era típica a existência de forças conflitantes, reflexo da ocupação agressiva do território e da natureza hostil do povo que ali habitava. As epidemias são normalmente tidas como o principal agente de depopulação indígena, mas tal catástrofe, decorrente de conflitos bélicos, era provocada pela sede de escravos, pelas guerras de conquistas e de apresamento, nas quais os índios das aldeias eram alistados contra os índios ditos hostis. Outros pontos foram: as grandes fomes que acompanhavam as guerras, a desestruturação sociocultural, perda de grande parte de seu território, alcoolismo, dentre outros fatores que pesaram decisivamente na dizimação dos índios. Etnias desapareceram como conseqüência de um eufemismo envergonhado, “o encontro” com a sociedade do Novo Mundo, da ganância e ambição do capitalismo inicialmente mercantilista. Os Bororo e outros povos não eram merecedores de respeito, pois não eram gente, como até hoje não são tidos como cidadãos em sua plenitude, já que se equiparam aos relativamente incapazes, segundo legislação vigente. Enganados, assassinados, dizimados. Sua cultura serve de adorno para enfeites. “Até hoje existe, na França, em Dieppe, a pequena igreja de Saint Jacques decorada com temas indígenas brasileiros” (Mariz Vasco).
Palavras-chave:  Bororo; Mato Grosso; Conflito.

Anais da 56ª Reunião Anual da SBPC - Cuiabá, MT - Julho/2004