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G. Ciências Humanas - 8. Psicologia - 11. Psicologia Social
TRAMAS DO PSICODRAMA NO BRASIL: DO V CONGRESSO INTERNACIONAL (1970) AO EVENTO "ÉTICA E CIDADANIA" (2001)
Lívia Borges Hoffman Dorna 1   (autor)   liviadorna@ig.com.br
Aline de Araujo Gonçalves da Cunha 2   (autor)   alineagcunha@ig.com.br
Heliana de Barros Conde Rodrigues 3   (orientador)   helianaconde@uol.com.br
1. Graduanda de Psicologia, Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ
2. Graduanda de Psicologia, Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ
3. Profa. Dra. do Depto. de Psicologia Social e Institucional, Universidade do Estado do Rio de Janeiro
INTRODUÇÃO:
O presente trabalho integra um projeto relativo à história das práticas e saberes psicológicos no Brasil, atualmente dedicado às ações do Setor de Psicologia Social da Universidade Federal de Minas Gerais no começo dos anos 1970. A visita ao Setor, em 1972, do psicossociólogo francês Georges Lapassade, um dos criadores da Análise Institucional, é tomada como um analisador, ou seja, acontecimento condensador de elementos dispersos, propiciando a análise das forças sociopolíticas e socioprofissionais em jogo na configuração do campo de formação e intervenção “psi”. Receios ligados à presença do psicossociólogo, conhecido militante libertário, em tempos de ditadura militar, mencionados na bibliografia concernente ao período, tendem a fazer esquecer uma estada anterior de Lapassade no país, a convite do Living Theater, em 1970, quando participam do V Congresso Internacional de Psicodrama e Sociodrama. A circunstância levou-nos a empreender um estudo minucioso deste congresso, concebido como novo analisador, explorando suas condições de efetivação e suas ressonâncias tanto na mídia quanto sobre as vertentes “psi” então institucionalizadas. O evento “Ética e Cidadania”, promovido pela prefeitura de São Paulo em março de 2001, quando 700 psicodramatistas coordenaram atividades de dramatização em 180 locais da cidade, incrementa a relevância do estudo proposto, tendo em vista as alusões a nexos com o Congresso de 1970 presentes em vários comentários publicados acerca da iniciativa.
METODOLOGIA:
Na construção do analisador, recorremos a uma pesquisa documental com eixos diversos: fontes bibliográficas (das mais tradicionais, como artigos, livros e teses que focalizam a história do psicodrama no Brasil e na América Latina, a escritos de tonalidade diarística, de autoria de Lapassade, em que se faz referência a procedimentos psicodramáticos em conexão com a Análise Institucional); entrevistas com os primeiros praticantes do psicodrama no Brasil, atualmente editadas em jornais de conselhos e associações profissionais, acessíveis via Internet; reportagens ou artigos publicados na grande imprensa, particularmente no jornal “O Globo”, no período que se estende da quinzena anterior à quinzena posterior à realização do V Congresso Internacional de Psicodrama e Sociodrama, disponíveis nos arquivos da Biblioteca Nacional. Nova fonte documental se somou às citadas e facultou uma conexão mais nítida com o presente quando textos acerca do evento “Ética e Cidadania” passaram a circular na Internet através do boletim da Federação Brasileira de Psicodrama (Febrap). A apreciação dessas séries documentais pautou-se em procedimentos de análise de discurso, eminentemente qualitativos, apoiados nos seguintes parâmetros: estabelecimento de conexões com dimensões econômicas, culturais e políticas; identificação dos principais campos de visibilidade e enunciação configurados; apreensão de conflitivas, delimitando a emergência tanto de hegemonias quanto de linhas minoritárias de ação.
RESULTADOS:
A documentação permite visualizar as condições de efetivação do V Congresso Internacional de Psicodrama e Sociodrama, também I Congresso Internacional de Comunidade Terapêutica, como pautadas em um caráter técnico-científico, com a chancela de entidades ligadas à medicina e à psiquiatria. Porém ao mesmo tempo, escapando parcialmente à censura da Ditadura Militar, o evento acentua conflitivas, traduzindo-as, através de notícias publicadas na grande imprensa, em confrontos entre o privado e o público, o elitista e o popular, a disciplina científica e a a criação artística, a repressão organicista à loucura e sua liberação comunitária. A realização no recém-inaugurado Museu de Arte de São Paulo favorece a convocação irrestrita de participantes, ao contrário das reuniões científicas limitadas a acadêmicos e profissionais. A programação tanto chama grandes vultos do campo psicodramático e psicoterapêutico para as tradicionais conferências, como incorpora a vanguarda artística em teatralizações, oficinas e grupos de expressão públicos, deslocando-se de um marco exclusivamente “psi” para um marco político-cultural. Mas embora os discursos analisados façam ver o congresso como grito de liberdade frente à ditadura e à produção de subjetividades intimistas indispensável a sua manutenção, neles também se percebe que a institucionalização do psicodrama não escapou totalmente às malhas do que denunciava nas práticas hegemônicas, identificadas à Psicanálise e à Psiquiatria organicista.
CONCLUSÕES:
Após dirigir um psicodrama público de grande repercussão no Teatro da Universidade Católica (1967), Rojas Bermudez, radicado na Argentina, passa a oferecer seminários em hospitais públicos, na esteira dos quais é fundado o Grupo de Estudos de Psicodrama de São Paulo. Em 1969, no IV Congresso Internacional (Buenos Aires), o GEPSP se responsabiliza pelo evento subseqüente. Se no âmbito político-cultural este V Congresso ultrapassa a oferta de “bens psi de salvação”, evocando o teatro e a pedagogia do oprimido, no das disputas internas precipita o fim do GEPSP. Os conflitos recentram-se na figura de Bermudez, ignorando a cisão política que atravessa o movimento, evidenciada no Manifesto do Grupo Experimental Psicodramático Latino-americano. Lido no VI Congresso (Amsterdã), ele denuncia o uso das técnicas como produto de consumo que não analisa nem combate as injustiças sociais. Esta divisão entre mera técnica e explosivo promotor de publicização permeia a trajetória brasileira do psicodrama, pois embora este se tenha reterritorializado como prática especializada, prossegue o dispositivo “psi” mais atuante na abordagem de questões sociopolíticas do presente, como a promoção dos Direitos Humanos. Tal duplicidade reaparece nas polêmicas quanto ao evento “Ética e Cidadania”. Debate-se, no caso, a possibilidade do uso de procedimentos psicodramáticos pelo Estado, avaliando-o ora como espetáculo midiático ora como oportunidade de favorecer análise e gestão institucionais coletivas.
Instituição de fomento: CNPq e UERJ
Trabalho de Iniciação Científica
Palavras-chave:  História social da psicologia no Brasil; Psicodrama público; Analisador.

Anais da 56ª Reunião Anual da SBPC - Cuiabá, MT - Julho/2004