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G. Ciências Humanas - 8. Psicologia - 11. Psicologia Social
O SETOR DE PSICOLOGIA SOCIAL DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS (UFMG) NOS ANOS 1960-1970. UMA CONTRIBUIÇÃO, ATRAVÉS DE DEPOIMENTOS ORAIS, À HISTÓRIA DA ANÁLISE INSTITUCIONAL NO BRASIL
Aline de Araujo Gonçalves da Cunha 1   (autor)   alineagcunha@ig.com.br
Lívia Borges Hoffman Dorna 2   (autor)   liviadorna@ig.com.br
Heliana de Barros Conde Rodrigues 3   (orientador)   helianaconde@uol.com.br
1. Graduanda de Psicologia, Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ
2. Graduanda de Psicologia, Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ
3. Profa. Dra. do Depto. de Psicologia Social e Institucional, Universidade do Estado do Rio de Janeiro
INTRODUÇÃO:
A Análise Institucional (AI) constitui um conjunto de saberes e modos de ação que ainda não foi objeto de uma historicização efetiva. Talvez por se terem mesclado, em nosso país, influências francesas (Lourau, Lapassade, Deleuze, Guattari) e argentinas (grupos operativos de Pichon-Rivière, Psicologia Institucional de Bleger), as pesquisas existentes primam por incorporar a trajetória da AI ao processo de difusão da Psicanálise. Com isso, a despeito dos eventuais méritos dos trabalhos, o híbrido grupal-institucional que caracteriza nossa história da verdade nesse âmbito perde qualquer singularidade. O presente trabalho é parte de uma pesquisa mais ampla, dedicada a elaborar uma história da AI no Brasil que se contraponha, através de ferramentas conceituais e procedimentos metodológicos associados, a tal diluição apriorística. Nesse intuito, privilegia-se o estudo de momentos e núcleos em que hipotetizamos ter a AI produzido efeitos diferenciais na formação e modos de intervenção dos agentes. Dentre eles, destaca-se o Setor de Psicologia Social da UFMG, que desde o final dos anos 1960 incorporou a AI francesa como um de seus referenciais teóricos e de intervenção, havendo inclusive recebido, em 1972, a visita de Georges Lapassade, um dos criadores do paradigma. O objetivo deste trabalho é a reconstrução analítico-crítica, de um ponto de vista doutrinário e político-institucional, do funcionamento do “Setor”, freqüentemente referido como “pioneiro” no campo da Psicologia Social.
METODOLOGIA:
Dentre os procedimentos utilizados, deve-se enfatizar a idéia de analisador histórico, simultaneamente conceito e dispositivo metodológico. É concebido como acontecimento condensador de forças até então dispersas, cuja construção analítica faculta a reconstituição de uma situação ou momento. A visita de Lapassade ao Setor é tomada neste sentido, propiciando um relato aberto às eventuais singularidades dos percursos da AI quando comparada a outros movimentos do campo “psi”. Nesta linha, além da tradicional documentação escrita (relatórios, atas, publicações, registros estudantis, notícias na imprensa, números especiais de revistas da época), recorremos a histórias orais de vida de antigos participantes do Setor, por considerar que esta forma de método biográfico é capaz de revelar a multiplicidade de sistemas normativos presentes em qualquer circunstância ou período, evitando, conseqüentemente, formas de história social excessivamente totalizantes, que sobrevalorizam as estratégias globais e subestimam as táticas cotidianas. Realizamos entrevistas gravadas com Celio Garcia e Marília Matta Machado (à época coordenador e professora do Setor, respectivamente); com os então estudantes Chico e Gil (muito próximos a Lapassade) e Esther Arantes; com a atual professora Anna Paula Uziel, que veio a trabalhar no Rio de Janeiro com Romualdo Dâmaso, ex-membro do Setor, atualmente falecido. Vale acrescentar que a coleta de depoimentos prossegue, visando à elaboração de um acervo oral.
RESULTADOS:
Nos documentos e relatos emerge um Setor onde vigora um clima de liberdade, ancorado em dispositivos cotidianos voltados à construção da autonomia (dinâmica de grupo, não-diretivismo). Nos seminários internos incluíam-se temas então raríssimos na formação “psi” (ou dela expulsos) como mudança social, alfabetização de adultos, saúde pública, análise de discurso, antipsiquiatria e a própria AI. Em momento de franca hegemonia do experimentalismo positivista, o Setor promovia formação profissional e preparação para o magistério universitário. Ao mercado externo oferecia treinamento em dinâmica de grupo e comunidade terapêutica, intervenções psicossociológicas, levantamentos socioeconômicos, pesquisas de opinião e atitudes. Alguns integrantes vinham igualmente participando da implantação da reforma universitária na UFMG. Os contatos com Lapassade acabaram com as hesitações remanescentes, pois, segundo sua análise, embora decretada autoritariamente pelo governo militar, ela tornava as universidades mais democráticas, ao extinguir a cátedra, por exemplo. Porém a visita do analista institucional, segundo depoimentos, também desconstrói a suposta harmonia do Setor, tornando visível a presença de “brancos” e “negros”, ou seja, de contradições ligadas a exercícios de poder; de silêncios e omissões relativos ao exercício da sexualidade; de eruditas invalidações dos saberes e manifestações populares, a despeito das alegadas posições contraculturais e preocupações de cunho antropológico.
CONCLUSÕES:
No plano substantivo, a pesquisa permitiu apreender conexões entre a Psicologia Social defendida pelo Setor, a AI e os primeiros esboços da Reforma Psiquiátrica mineira; identificar desdobramentos da presença de Lapassade na Reforma Universitária implantada na UFMG no início da década de 1970 e na reformulação do curso de Psicologia da mesma Universidade a partir de 1974 (mediante movimento autogestionário, com ampla participação do alunado, quando o currículo foi reestruturado, passando a contar com disciplinas então incomuns, como Intervenção Psicossociológica, Psicologia Comunitária e Ecologia Humana, Psicolingüística, Psicologia da mulher); detectar nexos entre a AI e os ainda incipientes movimentos negro, homossexual e de desinstitucionalização da loucura. No plano metodológico, realizamos uma experimentação em História Oral atenta às notas distintivas que o procedimento promove quanto ao trabalho de campo do historiador da psicologia, bem como em relação a suas perspectivas analíticas e narrativas. Conforme sugerem historadores orais críticos, procuramos fazer com que fontes escritas e orais se interpelassem mutuamente, desconstruindo os monopólios de fidedignidade ou representatividade associados às primeiras, e a vericidade espontânea atribuída às últimas: o pequeno acontecimento narrado tornou-se indicativo do virtualmente presente e, ao mesmo tempo, a construção de qualquer memória pôde ser correlacionada à massa discursiva constituída pelos registros escritos.
Instituição de fomento: UERJ e CNPq
Trabalho de Iniciação Científica
Palavras-chave:  Setor de Psicologia Social da UFMG; Análise Institucional; História Oral.

Anais da 56ª Reunião Anual da SBPC - Cuiabá, MT - Julho/2004