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G. Ciências Humanas - 8. Psicologia - 3. Psicologia Clínica
MIGRAÇÃO E IMPACTOS PSICOLÓGICOS: DIFERENÇAS ENTRE MIGRANTES VOLUNTÁRIOS E MIGRANTES INVOLUNTÁRIOS
Beatriz Dias Miranda 1   (autor)   dias@darwin.psy.ulaval.ca
Lucienne Martins Borges 2, 3   (colaborador)   lbm@psy.ulaval.ca
Jean-Bernard Pocreau 4   (orientador)   jean-bernard.pocreau@psy.ulaval.ca
Isabelle Pelletier 5   (colaborador)   isapelle@hotmail.com
1. Pós-graduanda, École de Psychologie, Université Laval, Canadá
2. Pós-graduanda, Departamento de Psicologia, Université du Québec, Canadá
3. Pesquisadora, Unidade de Estresse Pós-Traumático, Université Laval, Canadá.
4. Prof. Dr., Departamento de Psicologia, Université Laval, Canadá
5. Psicóloga, Unidade de Estresse Pós-Traumático, Université Laval, Canadá
INTRODUÇÃO:
Desde os primórdios da humanidade, o ser humano transita entre diferentes nações. Segundo dados da International Organization for Migration, nos últimos 35 anos o número de imigrantes no mundo dobrou, sendo estimado em 175 milhões de pessoas. O Canadá acolhe anualmente, desde 1990, uma média de 220.000 imigrantes. Esse movimento migratório é composto basicamente por dois tipos de migração, a migração voluntária e a migração involuntária. A migração voluntária comporta em si um projeto de vida, onde pessoas, por diversas razões deixam seu país de origem, e se mudam para outra nação, outro contexto econômico, social e político. Esse tipo de migração pressupõe um projeto que se inscreve no tempo e no espaço; a partida é planejada e mesmo desejada. No outro caso, o da migração involuntária, os migrantes partem logo após terem passado por uma experiência traumática (guerra, genocídio, persecução política, etc.), onde sua vida — ou de seus familiares — estava em perigo. Muitos partem sem documentos e mesmo sem destino final. Independentemente dessas diferentes motivações à migração, tal experiência pode engendrar impactos psicológicos significativos. Tais impactos podem ser explicados pelas diversas mudanças vivenciadas durante o processo migratório, como a mudança de língua, de valores e a ruptura com as referências (família, sociedade, cultura, etc.). O migrante é confrontado assim a duas elaborações essenciais que giram em torno da perda das referências culturais e da identidade.
METODOLOGIA:
Este estudo, apoiando-se no quadro teórico da etnopsiquiatria (Devereux, 1972), tem como objetivo apresentar resultados de observações clínicas que permitem uma melhor compreensão do impacto psicológico vivenciado pelos migrantes e, mais precisamente, a expressão do sofrimento psicológico após o processo migratório. Quatorze clientes (N=14) do Serviço de Atendimento Psicológico Especializado aos Imigrantes e Refugiados (SAPSIR), escolhidos aleatoriamente, participam deste estudo: sete (n=7) migrantes involuntários, e sete (n=7) migrantes voluntários. Os participantes foram referidos ao SAPSIR por diferentes ONGs responsáveis pelos programas de adaptação do migrante ao novo país. Os dados foram colhidos durante as dez primeiras entrevistas clínicas realizadas pela equipe do SAPSIR.
RESULTADOS:
As observações revelam que os migrantes voluntários apresentam como sintomas habituais: dificuldade relacional (100%), humor deprimido (57,1%) e isolamento (42,9%). Outros sintomas, como ansiedade (28,6%), distúrbio do sono (14,3%), queixas somáticas (14,3%) e dificuldades de adaptação (14,3%) se encontram igualmente presentes. Quanto ao grupo de migrantes involuntários, têm-se como sintomas mais freqüentes: revivência persistente do evento traumático (100%), humor deprimido (85,7%), queixas somáticas (85,7%), distúrbio do sono (71,4%), dificuldades de adaptação (71,4%), isolamento (57,1%); nota-se ainda a presença de uma dificuldade relacional (42,9%) e ansiedade (28,6%). Os resultados demonstram pouca variação quanto à categoria de sintomas encontrados. Em contrapartida, observa-se um sofrimento psicológico acentuado nos migrantes involuntários.
CONCLUSÕES:
A ruptura ou o distanciamento das referências culturais associadas à migração pode explicar as dificuldades relacionais apresentadas pelos migrantes voluntários. Deve-se, no entanto, considerar a forma pela qual eles chegam ao novo país, freqüentemente sozinhos. Ao contrário desses últimos, os migrantes involuntários chegam em grupos onde uma solidariedade (devido à semelhança da história pessoal) se desenvolve facilitando assim a adaptação ao novo país. Observa-se também uma diferença entre migrantes voluntários e migrantes involuntários no que diz respeito aos sintomas ligados ao sofrimento psicológico. A experiência dos eventos traumáticos, a não programação da partida, a brutalidade das perdas parece contribuir para uma maior complexidade da sintomatologia no caso dos migrantes involuntários. Sendo assim, é importante levar essa diferença em consideração afim de oferecer um acompanhamento psicológico mais adequado. A psicoterapia, constituindo um lugar de rememoração e reconstrução da história individual, possibilita reativar os vínculos (familiares, sociais, culturais) já existentes e conseqüentemente contribuir à restauração da identidade.
Instituição de fomento: Régie Régionale de la Santé et des Services Sociaux (Ministère du Québec, Canadá)
Palavras-chave:  migração-impactos psicológicos; etnopsiquiatria; psicologia intercultural.

Anais da 56ª Reunião Anual da SBPC - Cuiabá, MT - Julho/2004