IMPRIMIRVOLTAR
G. Ciências Humanas - 7. Educação - 18. Educação
CARÊNCIA CULTURAL: A PERSISTÊNCIA DE UM ESTEREÓTIPO.
Luciene Brambila 1   (autor)   lucienebrambila@yahoo.com.br
Edson do Carmo Inforsato 2   (orientador)   tamoyo@fclar.unesp.br
1. Faculdade de Ciências e Letras - Câmpus de Araraquara - UNESP
2. Prof. Dr. do Depto.de Didática, UNESP, Araraquara/ SP
INTRODUÇÃO:
Este trabalho procurou constatar o legado deixado pela teoria da carência cultural que na década de 70 no Brasil teve grande repercussão e influência não só no meio científico como também serviu de respaldo para medidas políticas que visavam melhorias nos anos iniciais de escolarização. Partindo da crença de que crianças oriundas de meios desprivilegiados economicamente possuíam deficiências objetivas e subjetivas impossibilitadoras de um bom desempenho escolar, a teoria da carência cultural somente contribuiu para criação de estereótipos que influenciaram o senso comum e a perpetuação na crença de que as crianças pobres possuem baixo rendimento escolar devido às precariedades sócio-econômicas e culturais de suas famílias. Apesar de bastante combatida no meio científico existem evidências, muitas vezes implícitas, de que tal influência teórica permanece arraigada a juízos de valor quando se trata de classificar o desempenho escolar dessas crianças. Isso pode ser verificado no próprio ambiente escolar.
Pretendeu-se nesta pesquisa explanar os entraves provocados por esse pensamento, mostrando sua debilidade teórica e sua ineficiência quando aplicada por meio de políticas educacionais bem como demonstrar que, ao homogeneizar as camadas populares, taxando-as como precárias e caóticas, mascararam as reais condições de socialização e aprendizagem das crianças, promovendo através da cristalização de estereótipos, maior exclusão social.
METODOLOGIA:
O estudo foi desenvolvido a partir do levantamento e da análise bibliográfica de textos sobre fracasso escolar, partindo de uma abordagem sócio-política, para que pudéssemos: a) analisar os efeitos provocados pela instauração de políticas educacionais baseadas na teoria da carência dentro do sistema escolar; b) compreender de que modo a escola contribuiu para a cristalização de estereótipos e sua postura frente a atual responsabilidade, juntamente com a família, de atuar como agente socializadora nos anos iniciais da criança; c) mostrar a existência do preconceito implícito em artigos e reportagens referentes à socialização e aprendizagem das crianças pobres; d) buscar as reais possibilidades de êxito escolar das crianças das camadas populares e assim, compararmos o desempenho dessas e das crianças das camadas médias. Para que pudéssemos fundamentar tais questões fez-se necessário um estudo detalhado sobre as condições de vida das camadas populares e as mudanças das disposições familiares nas últimas décadas, a fim de esclarecer-nos de que modo tais mudanças influenciaram no processo de socialização e desenvolvimento da criança.
RESULTADOS:
As análises bibliográficas permitiram que chegássemos às seguintes considerações: a) faz-se necessário questionar o próprio conceito de carência cultural bem como os pressupostos filosóficos e políticos que o alicerçam, pois os referenciais teóricos e conceituais produzidos a partir de tal pensamento, a nosso ver, não se constituem como um conhecimento científico, e sim como representação ideológica das classes dominantes; b) os programas de educação compensatória criados no Brasil a partir desse pensamento, não contribuíram qualitativamente para melhorar as condições de escolaridade dos pobres; c) apesar da teoria da carência estar em desuso pelo meio científico, os conceitos criados por ela tomaram dimensões massivas e com isso propiciaram a cristalização de juízos de valor referentes ao desenvolvimento social das crianças, que muitas vezes aparecem explícitos, mas também em muitos casos, de modo implícito e portanto, destituído de questionamentos; d) a escola permaneceu inquestionável quanto ao fracasso escolar das crianças pobres, contribuindo, assim, para a crença de que o insucesso escolar dessas deve-se à má qualidade de vida proporcionada por suas famílias.
CONCLUSÕES:
Vemos, portanto, a partir do trabalho por nós desenvolvido, a necessidade de se pensar criticamente na tão difundida teoria da carência cultural, pois ao propagar classificações generalizadoras baseadas, muitas vezes, em dados estatísticos, impediu o entendimento da verdadeira realidade dos pobres bem como de suas necessidades, de seus anseios e de suas perspectivas. Muitas transformações ocorreram no modelo familiar nas últimas décadas e é claro que isso afetou consideravelmente as camadas pobres e suas atitudes quanto ao processo de socialização das crianças. No entanto, não houve estudos detalhados e específicos que explicassem como tais transformações modificaram a vida das famílias pobres e, principalmente, qual foi o relativo efeito disso tudo no processo de socialização das crianças. Desse modo procuramos apontar a urgência de um estudo detalhado dos diferentes contextos das famílias pobres, na tentativa de mostrar sua heterogeneidade cientificamente, para que possamos estudá-los a partir da verdadeira forma como eles se apresentam na realidade. Somente assim poderemos garantir melhores condições que possibilitem um bom desenvolvimento das capacidades objetivas e subjetivas da criança. Parar de culpar a família pobre é o primeiro passo, a fim de que possamos por meio de recursos públicos garantir as reais condições para uma efetiva melhoria na educação.
Palavras-chave:  desenvolvimento escolar; crianças; estereótipos.

Anais da 56ª Reunião Anual da SBPC - Cuiabá, MT - Julho/2004