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H. Artes, Letras e Lingüística - 4. Lingüística - 4. Sociolingüística
A RELEVÂNCIA DO CONTEXTO INTERACIONAL NA CONCORDÂNCIA VERBAL
Caroline Rodrigues Cardoso 1   (autor)   carolrc@unb.br
Maria Marta Pereira Scherre 1   (orientador)   Profª. Drª. / scherre@unb.br
1. Depto. de Lingüística, Línguas Clássicas e Vernácula - UnB
INTRODUÇÃO:
Este trabalho versa sobre a variação da concordância verbal no discurso de uma mulher de 40 anos, proveniente de área rural do interior do MA, radicada, há 8 anos, na periferia urbana do DF, que possui 3 anos de escolaridade e exerce profissão de empregada doméstica. Ela freqüentou um grupo escolar na região de origem e sua rede de relações sociais é, principalmente, formada por imigrantes nordestinos que exercem atividades que exigem escolaridade que não vão além do nível fundamental. Elegeu-se a concordância verbal como fenômeno para estudo por ser um dos aspectos do português brasileiro mais tradicionalmente estigmatizado. Objetiva-se dar conta dos fatores lingüísticos que entram em jogo no sistema variável da concordância verbal e ver como a interação em diferentes contextos influencia a variação dessa concordância na fala de uma pessoa de baixa escolaridade, tendo em vista que maior planejamento e maior atenção prestada à fala por parte de falantes de maior escolaridade normalmente provocam aumento de concordância de número (cf. Pereira 1995). Do ponto de vista da Sociolingüística laboviana, a variação é inerente ao sistema lingüístico e a noção de heterogeneidade não é incompatível com a noção de sistema. Assume-se, então, que a variação não existe só na comunidade lingüística, mas também na fala de um mesmo indivíduo. Além disso, esta pesquisa constitui uma reflexão sobre as relações entre língua e sociedade e sobre o papel dos divulgadores da norma por meio da mídia.
METODOLOGIA:
Utilizou-se como base teórico-metodológica nesta pesquisa a Sociolingüística. Para a presente análise foram realizadas entrevistas em três contextos distintos: num primeiro momento, a informante gravou, sem interlocutor; num segundo momento, com três estudantes universitárias da UnB, sendo que uma delas conhecida da informante; por último, com uma professora universitária. Todas as entrevistas foram gravadas no local de trabalho da informante. Ao solicitá-la que gravasse sem interlocutor, tentou-se chegar ao ideal de coleta de dados preconizado por Labov (1975:208), qual seja, o vernáculo. Entretanto, ela sabia que estava sendo gravada e isso, logicamente, influenciou, mesmo que em grau mínimo, para que ela não utilizasse uma fala completamente natural. O procedimento para realização das duas outras entrevistas levou em conta que, para diminuir o grau de interferência da presença do entrevistador, seria necessário falar sobre assuntos mais íntimos e banais. O suporte quantitativo desta pesquisa está baseado no uso dos pacotes computacionais VARBRUL (Pintzuk & Sankoff, 1988) e/ou GOLDVARB (Robinson, Lawrence & Tagliamonte, 2001), os quais associam pesos relativos aos diversos fatores de cada grupo de fatores, a fim de que se possa medir a influência que cada um deles exerce sobre a presença de uma ou outra variante do fenômeno lingüístico analisado, ou seja, da variável dependente. Foram analisados 11 grupos de fatores: 10 de cunho lingüístico e 1 de cunho não lingüístico.
RESULTADOS:
Os resultados aqui apresentados dizem respeito a quatro grupos de fatores selecionados: contexto da gravação, configuração semântica do sujeito, saliência fônica e tipo de verbo. Há resultados comprobatórios de uma variação crescente influenciada pela situação interacional que vai do [INFORMAL] (40% = 0,29) para o [+ FORMAL] (77% = 0,71), passando por um GRAU INTERMEDIÁRIO de formalidade (57% = 0,46). Ou seja, o contexto [- FORMAL] tem maior influência na presença da marca de plural no verbo. Em contrapartida, o contexto [INFORMAL] tem menor influência para a concordância. Quanto à configuração semântica do sujeito, os resultados são os seguintes: sujeitos com traço [+ HUMANO] favorecem a concordância (63% = 0,60) e os de traço [- HUMANO] (25% = 0,13) desfavorecem-na. Com relação à influência da saliência fônica dos verbos em termos de concordância, observamos que os verbos com OPOSIÇÃO SALIENTE favorecem a presença da marca de plural no verbo (74% = 0,72) e os com OPOSIÇÃO NÃO-SALIENTE desfavorecem-na (37% = 0,21). Entre os 6 tipos de verbos levantados, os TRANSITIVOS são os que mais favorecem a marca explícita de plural no verbo (73% = 0,62), seguido de sintagmas com verbo SER (58% = 0,59), com verbos INACUSATIVOS (55% = 0,49), com verbos INERGATIVOS (50% = 0,43), com verbos de LIGAÇÃO (37% = 0,26) e com os verbos IMPESSOAIS/METEOROLÓGICOS, que desfavorecem a concordância verbal (22%= 0,07).
CONCLUSÕES:
Fica demonstrado que, além da monitoração do discurso se dar em maior ou menor grau de acordo com o contexto e com o interlocutor que com a informante interagir, o peso de fatores lingüísticos como tipos de verbo, configuração semântica do sujeito e saliência fônica do verbo na concordância verbal é igualmente relevante. Pode-se, a partir disso, refletir sobre as relações entre o sistema lingüístico, entre língua e sociedade e sobre o papel da escola, da família, da mídia, enfim, da sociedade, nestas relações. O preconceito lingüístico pesa sobre pessoas como a informante desta pesquisa: por exercer a profissão de empregada doméstica, por ter ido à escola rural por apenas três anos, por morar na periferia e, principalmente, por ser nordestina, ela explicita nas entrevistas o sentimento de pequenez e baixa auto-estima em relação àqueles que têm estudo e falam ‘bonito’, ‘certo’ e ‘sem sotaque’. É comum a afirmação de que pessoas com maior grau de instrução possuem “proficiência” nas diversas variedades estilísticas, enquanto pessoas analfabetas ou com pouca escolarização não. Os resultados aqui apresentados demonstram que tal afirmação não procede. As pronúncias de prestígio ou o uso da concordância são impostos com a finalidade de discriminar as pessoas e elas são levadas a acreditar que a norma lingüística ditada pelos que detêm o poder é um modelo a ser seguido e quem não o segue é ridicularizado.
Palavras-chave:  Sociolingüística Quantitativa; Variação na Concordância Verbal; Interação.

Anais da 56ª Reunião Anual da SBPC - Cuiabá, MT - Julho/2004