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H. Artes, Letras e Lingüística - 4. Lingüística - 5. Teoria e Análise Lingüística
O CAMINHO PERCORRIDO PELA PALAVRA DO DICIONÁRIO AO DISCURSO POLÍTICO
Raquel Di Fabio 1   (autor)   rdfabio@terra.com.br
Glaucia Muniz Proença Lara 1   (orientador)   glara@nin.ufms.br
Aparecida Negri Isquerdo 1   (co-orientador)   aparecida.negri@uol.com.br
1. Curso de Mestrado em Letras, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - UFMS
INTRODUÇÃO:
O presente trabalho tem por objetivo avaliar as diferenças e/ou semelhanças de conceito de algumas lexias apresentadas em dois dicionários padrão de língua portuguesa: “Novo Dicionário Aurélio de Língua Portuguesa” (2ª edição de 1986) e “Michaelis 2000: moderno dicionário de Língua Portuguesa”, e aquelas presentes nos discursos de posse de José Orcírio dos Santos, governador de Mato Grosso do Sul. Nessa perspectiva, nosso trabalho focaliza, de um lado, o discurso do dicionário, aquele que produz o efeito de sentido de objetividade por se tratar da metalinguagem, da documentação lexical de um povo, e, de outro, o discurso político, subjetivo por excelência e lugar privilegiado para se apreender a ideologia dominante numa dada sociedade. Estudos como este atestam a importância de pesquisas, no campo da lexicografia discursiva, que tomem os verbetes dos dicionários não apenas como unidades abstratas da língua, mas como palavras retiradas de contextos discursivos. Nessa área poucos trabalhos foram desenvolvidos, menos ainda aliados à análise do discurso de linha francesa (AD), base teórica para a análise dos discursos políticos em questão. Além disso, estudos que focalizem problemas apresentados nos dicionários levam à reflexão de como seria possível compatibilizá-los, de forma mais efetiva, com os usos da língua, dando maior atenção ao discurso.
METODOLOGIA:
Tomamos como base teórica e metodológica os trabalhos de Diana Luz Pessoa de Barros e Eni Pulcinelli Orlandi (e teóricos por elas apontados), publicados no número especial da revista ALFA (2000). Primeiro, examinamos as definições que constam de alguns verbetes (“construção”, “construir”, “reconstrução”, “progredir”) dos referidos dicionários, compêndios com pretensão à objetividade e à neutralidade ideológica e, a seguir, a análise do sentido dado a essas mesmas palavras (no caso dos verbos, levando-se em conta a conjugação) nos discursos do governador de MS, caracteristicamente carregados de subjetividade e de ideologia, em que tanto os elementos explícitos quanto os implícitos se mostram relevantes para a apreensão do sentido. Como nossa pesquisa se pauta na lexicografia, recorremos também aos estudiosos dessa área do conhecimento, em especial Biderman (1978; 1984; 1993; 1998; 1999). Tanto Barros como Orlandi tomam o dicionário como discurso e apoiam-se nas perspectivas teóricas de Sylvain Auxoux no âmbito da história das idéias lingüísticas. Porém, a primeira fundamenta-se na teoria e na metodologia da semiótica greimasiana e a segunda, na pesquisa de José Horta Nunes (1996) a respeito da lexicografia discursiva e em seus próprios trabalhos, embasados na AD.
RESULTADOS:
Levando em consideração as análises feitas, constatamos que, embora o dicionário seja de grande ajuda ao intermediar o sujeito e a língua, não é possível que ele abarque a totalidade dos sentidos de cada palavra do léxico de uma língua, atualizado a cada momento de enunciação. No entanto, no caso dos verbetes e discursos políticos examinados, sempre foi possível encontrar, no dicionário, a essência do sentido manifestado pelo enunciador/governante. É claro que, como nos propusemos a atentar também para os elementos implícitos, o sentido atribuído a cada palavra torna-se singular. Mas a forma explícita pode ser, via de regra, apreendida no dicionário. Pudemos confirmar que todo discurso apresenta traços ideológicos da sociedade em que está inserido. Percebemos isso mais claramente na escolha das abonações pelo dicionarista, a fim de exemplificar o uso das palavras definidas. Evidentemente esse discurso, por sua própria natureza, deve produzir um efeito de sentido de objetividade, e isso foi constatado. Já no discurso político existem muitas marcas ideológicas, sendo bastante recorrente o uso da primeira pessoa, o que produz um efeito de sentido de subjetividade. Portanto, nesse tipo de discurso (o político), o enunciador mostra-se de forma explícita. No caso do dicionário, a situação é oposta, mas, como vimos, é difícil esconder-se totalmente. Assim, principalmente na escolha das abonações, o sujeito acaba por se expor.
CONCLUSÕES:
As análises permitem concluir que todo discurso apresenta traços ideológicos, mesmo aquele do dicionário, pois, como qualquer outro, ele é construído por sujeitos concretos, inseridos numa dada sociedade, numa determinada época. O discurso político tem como enunciador um sujeito que fala da instância do poder, detentora da ideologia dominante e, além disso, tem como objetivo convencer seu enunciatário da veracidade de sua “fala”. Já o discurso do dicionário tem como enunciadores sujeitos que tentam prestar um serviço à sua comunidade lingüística, já que os enunciatários, geralmente, tomam o dizer do dicionário como o correto. Como nosso objeto de estudo foi o discurso do dicionário e o discurso político, pudemos apreender, em ambos, a ideologia de seus produtores. O primeiro consegue, até certo ponto, manter sua propalada neutralidade por meio de algumas estratégias, como o uso da terceira pessoa e a apresentação de autores de diversas épocas e/ou áreas do conhecimento. Porém, apesar dos esforços, percebemos algumas vacilações, mesmo por meio dos poucos verbetes examinados. O segundo tem marcas profundas que, por si sós, deixam transparecer a ideologia do sujeito, sobretudo como parte de um partido político, no caso o PT, que, tradicionalmente, luta pelas causas democráticas e, teoricamente, pelos menos favorecidos. Percebemos, porém, uma mudança de postura do governador entre o discurso de posse do primeiro e o do segundo mandato.
Palavras-chave:  léxico; discurso; lexicografia discursiva.

Anais da 56ª Reunião Anual da SBPC - Cuiabá, MT - Julho/2004