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H. Artes, Letras e Lingüística - 4. Lingüística - 5. Teoria e Análise Lingüística
DO PAÍS DOS DICIONÁRIOS AO PAÍS DA MÚSICA: UM ESTUDO LEXICOGRÁFICO DO DISCURSO
Edna Rodrigues Pita 1   (autor)   edna.pita@bol.com.br
José Genésio Fernandes 2   (orientador)   jgenesiof@uol.com.br
Aparecida Negri Isquerdo 3   (co-orientador)   aparecidanegri@uol.com.br
1. Pós-Graduanda do Curso de Mestrado em Letras - UFMS
2. Prof. Dr. do Curso de Mestrado em Letras/Campus de Campo Grande - UFMS
3. Profa. Dra. do Curso de Mestrado em Letras/Campus de Dourados - UFMS
INTRODUÇÃO:
O presente trabalho tem por objetivo analisar e comparar os vários sentidos que a palavra país adquire em diferentes dicionários de Língua Portuguesa (de distintas épocas) e na letra de música “O meu país”, de autoria de Livardo Alves, Orlando Tejo e Gilvan Chaves, e interpretada por Zé Ramalho no CD “Nação Nordestina” (gravado em 2000). A relevância científica desse trabalho encontra-se no fato de estarmos produzindo material que mostre como se dá a atualização do sentido de uma palavra em discurso (em contexto) fora do âmbito do dicionário. Além de verificar como um dicionário registra os sentidos de uma palavra fora do contexto, ou em contextos oferecidos por ele. Sabemos que, além de estarmos contribuindo para com pesquisas voltadas ao estudo comparativo de dicionários, atestamos a eficácia, ou seja, a aplicabilidade das teorias que serviram de base à análise de tais enunciados (dicionários e letras de música), valorizando o estudo de textos da língua portuguesa. Quanto à letra da música, podemos dizer, ainda, que se é também através dela que nossa história é contada, ou melhor, que somos contados, então, por que não resgatarmos os vários sentidos discursivamente construídos da unidade lexical país presentes nessa canção. Os sentidos que lhe atribuímos, hoje, tem a ver, ainda, com os sentidos configurados em canções brasileiras e, portanto, é necessário e, muito interessante, tomá-las como objeto de estudo.
METODOLOGIA:
Para tanto, realizamos a pesquisa com o auxílio da Semântica (Guiraud, Matoré, Pottier) e também de alguns princípios teóricos e metodológicos da Análise do Discurso (AD) e da Semiótica, tendo por base trabalhos de pesquisadores como Eni Orlandi, José Luiz Fiorin e Diana Luz de Barros. Primeiramente, analisamos os conteúdos (acepções e abonações) do verbete país nas seguintes obras: Grande Dicionário da Língua Portuguesa (Antônio de Morais e Silva), de 1954, Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa (Caldas Aulete), de 1980, Novo Dicionário da Língua Portuguesa (Aurélio Buarque de Holanda), de 1986, Dicionário Contemporâneo de Português (Maria Tereza Biderman), de 1992, Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (org. Antônio Houaiss), de 2001. A escolha desses dicionários justifica-se por serem considerados dicionários-padrão da língua portuguesa e por situarem-se em diferentes épocas, auxiliando-nos na busca de diferentes construções de sentido da palavra país, já que como depositório ideológico de uma época, os sentidos podem variar, pois o léxico constitui um sistema aberto, diferentemente da fonologia, da morfologia e da sintaxe. Em seguida, fizemos a análise dessa lexia num contexto mais específico, na canção O meu país, em que a palavra país aparece no texto com sentidos variados, contrapondo-se o significado que possui no dicionário aos sentidos atribuídos à lexia em uma letra de música.
RESULTADOS:
Por meio da análise realizada, podemos constatar que as abonações registradas para o verbete país foram diferentes nas diferentes épocas. Como exemplo, podemos citar o Houaiss e o Morais. Este utiliza-se de obras de verdadeiros cronistas para se referir a acontecimentos históricos de Portugal, refletindo, dessa maneira, as leituras feitas pela classe dominante da época (a elite). Aquele utiliza-se de fatos históricos como, por exemplo, a menção do Mercosul, ou do país do futebol, mostrando estar bem contextualizado e de acordo com a sua época (2001). O Houaiss que registra acepções mais atuais da palavra, utiliza-se de exemplos em quase todas as definições, enquanto que o Morais abona três das suas quatro acepções, as quais são muito bem contextualizadas (cada uma chega a conter até duas abonações ou mais). O Caldas Aulete também consegue exemplificar suas definições, porém, seus exemplos não chegam a representar a visão de uma época. Já o Aurélio não abona duas das suas seis acepções, exemplificando-as quando acha necessário. O dicionário da pesquisadora Biderman, por ser didático, consegue realizar os seus objetivos: define a palavra país, sem muitos rodeios, e oferece exemplo. Nenhum dos dicionários consegue abarcar todas as definições sozinho e, muito menos, todos os sentidos que a unidade léxica país (sinônimo de governantes, terra, lugar, nação, povo, celeiro) apresenta em outros contextos, como o da música analisada, por exemplo.
CONCLUSÕES:
Através da análise e da comparação das definições da lexia país registradas no dicionário Morais (que demonstra ser claramente um digno representante de época) com as atribuídas ao verbete por outros dicionários, nos leva a postular com Fiorin que a formação ideológica dominante é a da classe sócio-economicamente dominante, que detém uma relação de privilégio com a instância do poder. No entanto, apesar de notarmos na construção dos verbetes do Houaiss uma certa ideologia subjacente, vemos que ela não representa necessariamente a ideologia da classe dominante, mas sim a de várias classes sociais. Isso comprova o fato de o dicionário ser considerado memória discursiva, registrando, assim, a práxis lingüística de um povo. Já a análise das definições da palavra país registradas nos outros três dicionários de língua portuguesa, o Aurélio, o Aulete e o da Biderman, permitiu-nos observar que os lexicógrafos conseguem contextualizar suas definições, mas seus exemplos não chegam a representar determinada visão de mundo, pois parece não ter havido essa preocupação por parte dos dicionaristas. As definições da lexia país e os respectivos exemplos registrados nos dicionários comprovam isso. O dicionário da Biderman mostra-se bem prático, devido ao fato de ser direcionado a estudantes de 1º e 2º graus. Já os sentidos da palavra país analisados na música “O meu país” estão quase todos dicionarizados: apenas duas acepções não foram encontradas.
Palavras-chave:  dicionário; discurso; música.

Anais da 56ª Reunião Anual da SBPC - Cuiabá, MT - Julho/2004