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H. Artes, Letras e Lingüística - 2. Letras - 5. Letras
O QUE É QUE O RUSSO DE ORIOL TEM A VER COM O BAIANO DE IRARÁ?
CELINA CASSAL JOSETTI 1   (autor)   saidanorte@hotmail.com
1. DEPARTAMENTO DE TEORIA LITERÁRIA, UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA, UnB
INTRODUÇÃO:
Tentaremos neste trabalho colocar em relevo os subsídios da crítica literária na compreensão de uma antiga contradiçEmpreender uma discussão sobre o problema da modernidade no Brasil dos anos 60 e 70, ancorada em método e conceitos formulados no âmbito da crítica literária pode soar pretensioso diante do que as ciências humanas já construíram como sólidos arcabouços teóricos. Acreditamos que o exercício do crítico literário pode elucidar as questões que a literatura habitualmente omite ou coloca, já que o discurso literário irrompe na sociedade ora como instigador de mudanças, ora reforçando a manutenção do status-quo. Dessa forma, o arsenal conceitual do crítico empregado na compreensão da obra artística pode trazer contribuições valiosas para a compreensão da nossa sociedade. ão da sociedade brasileira: o embate entre a tradição e a modernização ou, em outras palavras, a colisão entre um Brasil que volta e meia se pretende moderno e aquele Brasil arcaico que mostra sem cerimônia as marcas de um passado oligárquico nunca superado pela tão festejada modernidade. Para essa empreitada, propomo-nos - respaldados por conceitos formulados por Mikhail Bakhtin em sua poética da enunciação - a avaliar a contribuição da produção de Tom Zé, materializada nas vozes dos segmentos excluídos de nossa sociedade, tomando-se como recorte algumas letras de sua produção de 1968 a 1978.
METODOLOGIA:
Nenhum método de estudo pode definitivamente exaurir as possibilidades de interpretação de uma obra. Mas, por outro lado, entendemos que a obra deve ser ouvida, pois ela dialoga com o sujeito-pesquisador e se lhe oferece - com maior ou menor resistência - a um determinado método. Em termos concretos poderíamos dizer que, se nos propusermos a discutir a modernização no Brasil materializada nas vozes dos segmentos excluídos de nossa sociedade, o método da poética da enunciação é o ideal para esse estudo. A voz de Bakhtin ainda soa e ressoa pelas mais diversas áreas do conhecimento, ele foi escolhido para sustentar a metodologia empregada neste trabalho devido à pertinência e contemporaneidade dos conceitos formulados. Esse pensador erigiu conceitos que transitam com muito fôlego ainda no circuito de todas as ciências humanas, apesar de terem sido formulados na década de 20. Ainda que os conceitos formulados por Bakhtin, tenham sido muito bem capitalizados pela lingüística contemporânea , devemos, porém, salientar que seus estudos de análise literária são os que ocupam boa parte de sua empreitada crítica.
RESULTADOS:
O que pode haver em comum entre um russo de Oriol e um brasileiro de Irará? Essses dois autores e heróis celebraram, cada um da sua maneira, o riso em suas produções. Esses dois desdichados pelo seu tempo, raros e caros pela genialidade e acuidade no tratamento da arte e da filosofia, enfim, merecem nosso estudo. Apesar de ter vencido um prestigiado festival da Record em 68, Tom Zé ficou esquecido por muito tempo. Cabe destacar o LP Todos os olhos de 1973 – obra que sintetiza sua requintada poética, para ser mais precisa referimo-nos à faixa Complexo de Épico. A escolha da obra de Tom Zé – discos lançados entre 1968 a 1978 – explica-se na tentativa de esclarecermos essa polarizada e rasa discussão que ora se instaura/instaurará nos meios culturais brasileiros. Sua obra representa um genuíno discurso de resistência à hegemonia imposta à periferia naquele momento histórico. Ele lida dialógica, polifônica, lúcida e exemplarmente com as vozes mais expressivas dos segmentos excluídos da sociedade, quais sejam, a voz do artista da cultura popular urbana – aquele que se vê tragado pelo mercado da indústria fonográfica em expansão - , bem como a voz do setor espoliado, alienado e marginalizado da sociedade: o cidadão brasileiro. Essas vozes movem-se da seguinte maneira: ora remetem-se audaciosamente aos interlocutores da elite (política, intelectual e do capital brasileiro), ora à própria sociedade como um todo, no desejo de transformá-la.
CONCLUSÕES:
[su ´paulu], [sã ´pablo], Sampa, essepê ou São Paulo são olhares que se lançam para a metrópole da América do Sul. Cada um (re)vela uma concepção. Preferimos a designação empregada por Canevacci(1993): cidade polifônica. A São Paulo de Tom Zé evoca um caos orgânico que mais se parece a uma feira. A feira é barulhenta, anárquica, faz sujeira, não tem um único regente como uma orquestra possui, dela emanam vozes, cores e odores. É freqüentada por todas classes sociais. Ela incomoda e acomoda. A cidade é tolerante com ela, desde ela se estabeleça provisoriamente. Uma perifeira seria uma feira que está à margem do que é previsível e estabelecido. Eis a organicidade da obra de Tom Zé. Enquanto a massa entoava em uníssono “Eu te amo, meu Brasil, eu te amo” Tom Zé reinventava essa história numa grandiosa feira, dando voz a camelôs, ladrões, cantadores…Assim identificamos Tom Zé como um legítimo representante pós-colonialista. Isso justificaria nossa não aceitação do rótulo de tropicalista que lhe é conferido por alguns setores da crítica musical, para nós, redução leviana. A incubação e incompreensão de sua obra naquele momento histórico deveu-se ao fato desses setores da intelectualidade não terem aprofundado a reflexão por não estarem preparados para genuínas transformações culturais, segundo Hermenegildo Bastos (1998:139):“ o escritor pós-colonialista apropria-se de materiais da indústria cultural e, através de processos críticos de remontagem, analisa-os, reestrutura-os.”
Instituição de fomento: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
Palavras-chave:  Tom Zé; Bakhtin; crítica e sociedade.

Anais da 56ª Reunião Anual da SBPC - Cuiabá, MT - Julho/2004