IMPRIMIRVOLTAR
H. Artes, Letras e Lingüística - 4. Lingüística - 6. Lingüística
O DISCURSO DA SOLIDARIEDADE NA PROPAGANDA DE MULTINACIONAIS ESTRANGEIRAS NO BRASIL
José Lucas da Silva 1   (autor)   joselucas@fastmodem.com.br
Luiz Antônio Marcuschi 2   (orientador)   lamarcuschi@uol.com.br
1. Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Caruaru - FAFICA - Caruaru (PE)
2. Centro de Artes e Comunicações da Universidade Federal de Pernambuco - UFPE
INTRODUÇÃO:
Esta pesquisa parte do conceito de Solidariedade como idéia-força que une os homens entre si, tornando-os responsáveis uns pelos outros e que é expressa nos anúncios publicitários por enunciados como “Viemos (ao Brasil) para ficar; “...respeitando os desejos e expectativas do consumidor brasileiro”; “Estamos crescendo junto com o País”; “Johnson & Johnson. Brasileira há 65 anos”; “Esso. Profundamente ligada ao Brasil”; “ela (Schering) já se considera de casa”. Em algumas de suas propagandas, as multinacionais estrangeiras lançam mão do discurso da solidariedade para ganhar a simpatia do consumidor brasileiro, passando a imagem de que estão comprometidas com o desenvolvimento do Brasil. Segundo o nosso estudo, essa ênfase no discurso solidário acontece principalmente em dois momentos pontuais: quando a empresa está se instalando no Brasil (empresa recém-chegada) e quando ela comemora o aniversário de sua chegada ao País (empresa aniversariante). O conceito de solidariedade é analisado a partir dos sociólogos franceses Émile Durkheim (1858-1917) e Jean Duvignaud, complementado com a “globalização da solidariedade” proposta por João Paulo II. Os aspectos verbais dos anúncios são estudados a partir da Análise do Discurso do lingüista Norman Fairclough, que se baseia numa análise tridimensional do discurso: textual, processual e social. O estudo dos traços icônicos é feito tanto através da teoria faircloughniana, como também da dos analistas Kress e Leewen .
METODOLOGIA:
Os anúncios que compõem o corpus deste trabalho foram selecionados nas revistas VEJA e ISTOÉ no período de setembro/98 a março/2000, tendo como parâmetro a idéia de solidariedade com o consumidor brasileiro e o fato de pertencerem a multinacionais estrangeiras recém-chegadas ao Brasil ou que fizeram aniversário de instalação no País. As dez peças publicitárias selecionadas contemplam seis empresas multinacionais, subdivididas em dois grupos. O das empresas estrangeiras recém-chegadas é composto pelas multinacionais Aster e Peugeot; o das aniversariantes pela Johnson (65 anos no Brasil em 1998); Schering (76 anos em 1999); Esso (87 anos em 1999) e o Banco Sudameris (88 anos em 1998). Na análise dos anúncios, procuramos em primeiro lugar identificar as palavras, expressões e orações que desencadeiam a relação de solidariedade com o consumidor brasileiro. Aqui se contemplam os aspectos relacionados à dimensão da Análise do Discurso chamada por Faiarclough de “Descrição”, tais como: valor relacional e expressivo das palavras, expressões e orações; eufemismos, overwording e personalização dos anúncios. Em seguida, focamos a análise nas informações explícitas (argumentos) e implícitas (pressuposições) que o lingüista inglês enquadra na dimensão denominada de “interpretação”. Por fim, analisamos as ilustrações utilizadas para construir o projeto de solidariedade das multinacionais estrangeiras com o Brasil.
RESULTADOS:
Constatamos que é comum aos dois grupos de empresas não assumirem perante o consumidor brasileiro suas identidades de “multinacionais estrangeiras”, porque essa expressão tem em conotação negativa. A saída é a identificação através de eufemismos, como “Instituição” (Johnson) e “Indústria automobilística” (Peugeot). Nas 10 peças publicitárias foram encontrados 24 tipos de argumentos. 6 deles constam apenas dos anúncios das multinacionais recém-chegadas, 11 aparecem somente nas propagandas das aniversariantes e 7 são comuns aos dois grupos. O “trabalho da multinacional no Brasil” é o argumento mais utilizado (6 vezes). Em seguida vêm a “Construção de filial no Brasil”, “Inovação para o Brasil”, “Permanência no País”, “Pioneirismo da Multinacional” e “Satisfação do consumidor brasileiro” com quatro citações cada um. Com três recorrências, aparecem os argumentos “Expansão no território brasileiro”; “Experiência da multinacional”; “Qualidade dos produtos” e “Qualidade de vida do consumidor”. Com duas referências cada um, estão: “Cidadania brasileira”, “Confiabilidade no Brasil”, “Educação” e “Filosofia da multinacional”. Entre os argumentos citados apenas uma vez destacam-se: “Anos de convivência no Brasil”; “Compromisso com o Brasil”; “Conhecimento da realidade brasileira” e “Crescimento da multinacional e do Brasil”.
CONCLUSÕES:
Os anúncios analisados mostram que o objetivo primordial do discurso das multinacionais estrangeiras é trabalhar a própria imagem e não anunciar diretamente a venda de produtos ou serviços. O discurso publicitário, nesse caso, funciona como um véu opaco impedindo que a verdadeira face dessas empresas seja percebida pelos consumidores brasileiros. Para isso, elas embasam a sua argumentação em torno da “solidariedade” com o Brasil, afirmando que estão instaladas no País para ajudá-lo a atingir um estágio de crescimento econômico que o credencie a ingressar no seleto grupo das nações desenvolvidas. Mas isso é uma pseudo-solidariedade, já que estão aqui para auferirem vultosos lucros e transferi-los para os países-sede dessas empresas. Para não mostrarem acintosamente essa face tão cruel, as multinacionais também investem um pouco de seus lucros em projetos sociais nos países-anfitriões. Isso aparece nos anúncios em argumentos que evidenciam, entre outras coisas, o compromisso da multinacional com o Brasil, a abertura de postos de trabalho e o investimento em educação. Elas chegam ao extremo de se auto-identificarem como empresas brasileiras. A Johnson anuncia que é “brasileira há 65 anos” e a Schering que “já se considera de casa”. Além disso, observamos que, em nenhum dos anúncios, a palavra “solidariedade” é citada explicitamente. Como ela só existe na teoria (discurso), é mais conveniente às empresas estrangeiras se referirem a ela de modo implícito.
Palavras-chave:  Solidariedade; Multinacional Estrangeira; Propaganda.

Anais da 56ª Reunião Anual da SBPC - Cuiabá, MT - Julho/2004