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H. Artes, Letras e Lingüística - 3. Literatura - 1. Literatura Brasileira
VISÕES DO ESPAÇO AMAZÔNICO NA OBRA DE DALCÍDIO JURANDIR
José Alonso Tôrres Freire 1   (autor)   jatfreire@yahoo.com.br
1. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências - USP
INTRODUÇÃO:
O espaço é fundamental para o romance, pois incorpora as impurezas do tempo, registra as experiências humanas, capta a matéria da memória, sendo que a narrativa transforma em texto inteligível o que no ambiente apresenta-se fragmentado e disperso. Quando o personagem se movimenta no espaço ficcional, devemos prestar especial atenção não só ao que ele vê, mas também ao modo como ele vê, ou seja, que categoria assume na escala de valores dele o entorno, inclusive os outros personagens, que podem tornar-se parte do espaço. Outro aspecto do estudo do espaço na narrativa é a impossibilidade de se analisar esse elemento isoladamente. Os elementos essenciais de toda narrativa podem ser reduzidos aos personagens, a ação desempenhada por eles, e o tempo e o espaço onde se desenrolam essas ações, além do foco narrativo. Esses elementos estruturam-se num todo cuja força de coesão depende da habilidade de cada autor. Torna-se possível tentar compreender o tratamento de um dos elementos, como o espaço por exemplo, num determinado mundo ficcional, projetando-o na narrativa, isto é, considerando-o como parte desse todo e assumindo que seus sentidos dependem de sua relação com os demais elementos. Baseando-se nessas concepções, este trabalho, parte de uma tese de doutorado em andamento, discute a transfiguração do espaço amazônico na literatura do escritor paraense Dalcídio Jurandir, especialmente nos romances Três casas e um rio (1958) e Belém do Grão Pará (1960).
METODOLOGIA:
Seguindo-se parte da trajetória – travessia – do personagem Alfredo ao longo dos dois romances, reconstitui-se alguns aspectos da conformação dos vários espaços pelos quais ele passa a partir das visões do entorno tanto dos personagens como do narrador: o Chalé familiar, o espaço-refúgio do protagonista, tantas vezes animizado por seus devaneios de criança, a transfiguração do mundo ao seu redor, a cidade grande (um espaço-incógnita) como meta para ascensão social e palco de importantes disputas políticas (e também do ritual de passagem de Alfredo), além da projeção de estados anímicos no espaço, entre outras características. A partir dessa reconstituição do espaço percorrido, analisa-se os sentidos da configuração espacial dos dois romances, da transição do personagem (que também assume o caráter simbólico de corte dos laços familiares para que se torne possível a passagem à vida adulta) e as razões da escolha da trajetória desse personagem como linha mestra para a “Saga do Extremo Norte”, série à qual pertencem as obras selecionadas. Utiliza-se como base teórica neste trabalho importantes contribuições para o estudo do espaço na ficção em obras como Espacyo e novela, de Ricardo Gullón, (1980), Lima Barreto e o espaço romanesco, de Osman Lins (1976) e Tese e antítese, de Antonio Candido (1978), entre outras.
RESULTADOS:
Em Três casas e um rio são retomados e desenvolvidos temas e figuras de romances anteriores e aborda-se mais profundamente a infância do personagem Alfredo e o ambiente da vila, com seus personagens oprimidos pela miséria e pela falta de perspectivas, sempre idealizando Belém como a solução de seus problemas. Já em Belém do Grão Pará o que predomina é o espaço urbano, com suas múltiplas divisões físicas que expressam também divisões sociais e a luta pela ascensão, sendo a escola, na cidade grande, o topos mediador que pode possibilitar a transição e a realização dos sonhos. Obrigados a deslocar-se em busca de uma chance de mudança na escala social, os personagens se debatem no dilema que é ficar e conformar-se com a falta de perspectiva ou sair da segurança de seu pequeno mundo e enfrentar o desconhecido. Outra importante constatação é a que diz respeito à importância do motivo viagem, recorrência nesses romances em virtude do isolamento e do abandono do interior, que inclui tanto os deslocamentos físicos quanto aqueles decorrentes da imaginação. Essas obras demonstram uma grande preocupação por parte de seu autor em documentar e analisar as relações e as contradições dos homens da Amazônia, além de seu estreito relacionamento com o ambiente. O rio que separa o ponto de partida (o Chalé) do locus almejado (Belém) não se impõe apenas fisicamente: entre as duas margens estão também a pobreza, os conflitos familiares e os questionamentos íntimos.
CONCLUSÕES:
Na “Saga do Extremo Norte”, de Dalcídio Jurandir, o que sustenta a trama ao longo de boa parte dos romances é o desejo quase obsessivo de Alfredo, esse menino pobre, mulato, de deslocar-se para Belém, a fim de estudar e conhecer (se) o mundo, trajetória que permite ao autor uma verdadeira apropriação e mapeamento dos diversos espaços da Amazônia, tanto com relação às pequenas localidades do interior quanto da capital, com as grandes águas separando-as. Nesse espaço rico de nuanças também se apresentam complexos personagens nos desdobramentos paralelos, em diferentes conflitos consigo mesmos, cada um, à sua própria maneira, envolvido com o mundo da pequena vila à qual pertence. Assim, na obra de Dalcídio Jurandir, não é o espaço que oprime, como se fora um personagem, mas são as distâncias que impõem limites a serem transpostos ou a confinarem e conduzirem a um conformismo. Antes que um condicionamento para os personagens, o espaço da Amazônia paraense desenhado por Dalcídio Jurandir proporciona a oportunidade de nos defrontarmos com uma transfiguração do real pela via da ficção e com os dilemas vividos pelos seres humanos nesse espaço vasto, em que a obrigação de empreender deslocamentos espaciais (como forma de realização das aspirações pessoais) também implica movimentos temporais, ainda que as distâncias sociais a separar os homens de seus sonhos sejam maiores que as físicas, das quais estas últimas são apenas extensões.
Instituição de fomento: CAPES
Palavras-chave:  literatura brasileira; Dalcídio Jurandir; espaço romanesco.

Anais da 56ª Reunião Anual da SBPC - Cuiabá, MT - Julho/2004