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H. Artes, Letras e Lingüística - 2. Letras - 4. Línguas Indígenas
UMA LÍNGUA ENTRE FRONTEIRAS: TIPOLOGIA SOCIOLINGÜÍSTICA DO CHIQUITANO NO BRASIL
Áurea Cavalcante Santana 1   (autor)   aureacs@terra.com.br
Ema Marta Dunck Cintra 1   (autor)   dunck@terra.com.br
1. Programa de Pós-graduação em Letras e Lingüística, Faculdade de Letras - UFG
INTRODUÇÃO:
O desaparecimento das línguas indígenas no mundo é acelerado, e como espécies humanas, uma vez perdidas, levam consigo toda uma diversidade cultural e intelectual da humanidade (Braggio, 2000). Diante disso, a política etnolingüística nos últimos anos tem-se voltado para uma tomada de consciência para que isso não aconteça (Crystal, 2000; Hale, 1992,1998; Krauss, 1992, 1996; Nettle & Romaine, 2000; Braggio, 1995 em diante). Pesquisas, e estudo tipológico realizados até agora mostram que a língua Chiquitano, no Brasil, se enquadra na categoria de alto risco de perda. O povo Chiquitano é resultado de uma mestiçagem cultural de diferentes povos indígenas e a influência da cultura cristã ocidental, processo ocorrido nos redutos jesuíticos da chamada Chiquitania nos séc. XVII e XVIII. Hoje, constituem o grupo mais numeroso da Bolívia oriental, estimados entre 40 e 60 mil indivíduos. No Brasil, os Chiquitano vivem no Estado de Mato Grosso, na fronteira com a Bolívia, nos municípios de Vila Bela, Cáceres e Porto Esperidião, estão em trinta e uma comunidades, constituindo uma população de duas mil e quatrocentas pessoas, excetuando-se os que vivem nas áreas urbanas. As comunidades Acorizal e Fazendinha são as primeiras em processo de Delimitação e Identificação de Área Indígena Chiquitano em solo brasileiro. Nelas é que se iniciou o estudo da tipologia sociolingüística, com vistas a promover a documentação e revitalização da língua (variedade) ali encontrada.
METODOLOGIA:
Para esse estudo, foram feitas visitas às aldeias Acorizal e Fazendinha onde se efetuaram pesquisas quantitativa e qualitativa numa perspectiva etnográfica. Durante a pesquisa de campo utilizou-se de mais de um método e procedimento para a coleta de dados e informações; caderno de campo, observações, gravador, registro fotográfico, registro VHS etc. Contou-se com auxiliares de pesquisa. Os questionamentos foram direcionados a três faixas etárias: 12-20; 30-45; + de 60, dos gêneros masculino e feminino. A tipologia de Hinton (2001). Edwards (1992) complementada com a de Grenoble e Whaley (1998) foram utilizadas na pesquisa. Autores da sociolingüística como Fishman, Romaine, Hymes etc. deram suporte, também, para a coleta e análise dos dados.
RESULTADOS:
Percebeu-se através da análise dos dados e observações que o conflito de identidade lingüística e territorial está bastante presente no povo Chiquitano. Ao responder as perguntas mais específicas sobre identidade, língua e território, as respostas foram similares, todas, de alguma forma traduziam, sentimentos de inferioridade, rejeição ao serem chamados de bugres e bolivianos, vergonha em falar Chiquitano, imposição do português pelo não-índio (na escola) e no trabalho (junto ao não-índio). Encontrou-se ainda a convivência de mais de uma língua, o uso pelos mais velhos do Chiquitano, português e castelhano, exemplificada na voz da Senhora Micaela (70 anos): Porque nóis tamo assim, né, meio língua cruzada, resultante da indeterminação de fronteira, territorialidade, com efeito: indefinição de identidade: índio Chiquitano brasileiro ou índio Chiquitano boliviano.
CONCLUSÕES:
O que se conclui, a partir dos dados coletados, é que a identidade e nacionalidade Chiquitano foi e tem sido manipulada em função de interesses econômicos e políticos. Rompeu-se, para esse povo, a unidade natural de um território. Um novo espaço, um novo tempo, sob a égide do Tratado de Tordesilhas e da proteção da Igreja foi instaurado e o povo passou a ser conhecido por índios castelhanos ou por índios portugueses, incluídos numa estranha categoria em função das disputas da delimitação de possessões das respectivas Coroas (Costa, 2001). Hoje, a territorialidade permanece indefinida, as fronteiras psicológica e física são mediadas pelos adjetivos estrangeiro, bugre, boliviano, palavras de carga pejorativas adquiridas no decorrer da saga desse povo. Tudo isso concorre para que os Chiquitano , como muitos outros povos no país, escondam sua língua, sua cultura, sua origem, sua identidade. Como conseqüência, resulta no uso, com maior freqüência, da língua portuguesa em todos os domínios sociais e nos diferentes estilos: os das esferas do cotidiano e também nas esferas especializadas (Bakhtin, 1992).
Palavras-chave:  tipologia sociolingüística; língua ameaçada; revitalização.

Anais da 56ª Reunião Anual da SBPC - Cuiabá, MT - Julho/2004