A DINÂMICA E A POTENCIALIDADE DA DENOMINAÇÃO FRASEOLÓGICA NO DISCURSO POLÍTICO E HUMORÍSTICO

 

Ortíz Alvarez, ML

Universidade de Brasília

 

O estudo da dinâmica de renovação lexical é relevante porque é através dela que observamos mais claramente as transformações que ocorrem dentro do sistema de valores grupalmente compartilhados e suas respectivas mudanças, ligadas às necessidades sociais do grupo. Assim, os significados de uma língua estão sempre em transformação, não são estáticos, sendo constituídos das relações que dizem respeito ao contexto do seu uso por cada individuo. Neste trabalho pretendemos tecer algumas considerações a respeito do processo de denominação fraseológica no discurso político e humorístico destacando os aspectos relativos à construção de certas práticas políticas e humorísticas que se engendram e se materializam através de determinados processos de discursos metafóricos, efetivados em circunstâncias concretas. Para tal objetivo utilizaremos textos da mídia juntando o político com o humorístico.

 

A linguagem é uma realidade social e histórica, uma atividade essencialmente humana. Ela perpassa quase todas as instancias de nossas vidas: pensamos para fazer uso dela e fazemos uso dela para pensar. Através desta faculdade agimos, ordenamos, solicitamos, enfim, interagimos como sujeitos de nossa existência. Assim, os sentidos não são algo que se dá independente do sujeito. Os mecanismos de produção de sentido são também os mecanismos de produção dos sujeitos. Nem os sujeitos nem os sentidos, nem o discurso já estão prontos e acabados. Eles estão sempre se fazendo, havendo um trabalho contínuo, um movimento constante do simbólico e da história (Orlandi 1999: 37).

 

Kristeva (1974) argumenta que para bem se captar o que é a linguagem importa considera-la como uma produtividade apreendida no seu âmbito circular de realidade humana e social, enquanto produção, produto e circulação. Portanto, a linguagem como sistema de produção de signos, e fator de entendimento congemina o bem-estar social, de que resulta a circulação dos signos como produtos de alto preço na práxis da vida.

 

Numa concepção dinâmica do sistema e de suas relações com a produtividade discursiva torna-se difícil estabelecer limites precisos entre as unidades lexicais consideradas como unidades memorizadas ou convencionadas e as seqüências sintagmáticas produção exclusiva de um discurso. Cada frase produzida num discurso é criatividade no sentido de que ela é única e exclusiva dentro desse contexto intra e extralingüístico. Assim, as frases e as palavras são atualizadas e manifestadas no enunciado de um discurso concretamente realizado de que resulta um significado exclusivo daquela situação de discurso e de enunciação.

 

As expressões idiomáticas dentro desse esquema são estruturas que apresentam contextos extralingüísticos que levam consigo o conhecimento de uma determinada cultura. Elas se caracterizam por serem elementos fraseológicos que obedecem a certos critérios, pois são estruturas fixas, estudadas como um bloco lingüístico. Nesse sentido Barbosa (1986: p70) aponta para esse tipo de combinação fixa que tem um valor de comunicação específica, diferente das significações que teriam tais lexias em combinações livres e que não pode sofrer a mudança de nenhum dos seus elementos sem que se destrua aquela significação. A idéia de fraseologia está associada a uma estruturação lingüística estereotipada que leva a uma interpretação semântica independente dos sentidos estritos dos constituintes da estrutura.  Nessa perspectiva se enquadram as expressões idiomáticas, frases feitas, e provérbios utilizados nas diferentes línguas. Esse conjunto de unidades pluriverbais lexicalizadas costuma expressar um significado que não é deduzivel das partes dessa combinação. Elas são aprendidas como blocos pré-fabricados e assim também são produzidas.

 

A metáfora está no âmbito da própria atividade lingüística, é inerente às ações lingüísticas do homem e é, ela mesma, constitutiva dos sentidos que construímos no nosso dia a dia, abrindo caminhos ao simbolismo.  Por exemplo: a expressão feijão com arroz que pode significar prato feito ou metaforicamente, lugares comuns, banalidades; a lexia composta, mesa-redonda que significa mesa para comer ou metaforicamente, grupo de discussão. Deste modo, a metáfora é uma grande aliada nos processos discursivos, pois é muito mais fácil convencer ou persuadir alguém a fazer ou pensar como queremos. Além do seu valor comunicativo, ela apresenta funções sociais específicas. Permitem comunicar experiências complexas de um modo mais conciso que a linguagem literal. A utilização das metáforas permite buscar no repertório do leitor imagens de que ele possa se servir para decodificar seus conteúdos.

 

Lakoff e Johnson (1980) demonstram que os processos do pensamento humano são amplamente metafóricos:

... a verdade é sempre relativa a um sistema conceptual que é, em grande parte, definido pela metáfora. A maioria de nossas metáforas evoluiu em nossa cultura através de um longo período, mas muitas nos foram impostas pelas pessoas do poder – líderes políticos, religiosos, comerciantes, publicitários, etc. e pelos meios de comunicação em geral. (p.159-160).

 

Os meios de comunicação massiva (telejornais, revistas, jornais) fazem um amplo uso de expressões metafóricas, às vezes alusivas a uma certa imagem que reflete a figura de linguagem empregada, sobretudo, na área da política onde pode até parodia-las.

 

Examinemos algumas metáforas sobre a inflação utilizadas desde a época do Plano de Estabilização Econômica do governo Sarney publicadas em revistas e jornais. As metáforas com o termo inflação, são comumente usadas quando se fala com relação aos aumentos constantes de preços, que já passou por uma primeira metaforização ao lhe conferirmos o status de uma entidade, no momento que a ela nos referimos como “a inflação”. Por exemplo: combate à inflação, luta contra a inflação, a estratégia no combate à inflação. Aqui se observa a personificação que sofre o conceito. Mas também a metáfora dessas expressões é precisa, ou seja, a inflação é um inimigo que temos que combater com a ajuda de estratégias planejadas. Mas nem sempre ela é vista como adversário humano.  Por exemplo: uma inflação galopante, os sintomas da inflação. Por outro lado a inflação é vista como uma substancia em expansão: o atual nível inflacionário, a inflação atingiu um patamar inaceitável.

 

Nesses exemplos mostra-se a transmutação de uma coisa em outra, sem que a primeira se dilua na outra, característica básica da metáfora. Combater a inflação é ponto de honra do governo. A inflação tem sido o por inimigo da sociedade. Será a coragem do povo que vai derrotar a inflação. Aqui está estabelecido um “estado de guerra”. Com esse discurso o Presidente Sarney mostra uma nova realidade social que lhe conseguiu a adesão do povo. Todos os cidadãos são convocados a participar dessa luta, é uma forma de incitamento. Nessa luta também haverá um “campeão”, o Plano de Estabilização Econômica. (Plano Cruzado) que criara outra metáfora “O plano Econômico é um Cruzado na luta contra a inflação”

 

A metáfora conceitual “inflação é um adversário” se insere na categoria mais geral da personificação, extensão das metáforas antológicas que consiste em conceitualizar/categorizar entidades ou fenômenos não - humanos em termos humanos, no sentido de atribuir a tais fenômenos características próprias de uma pessoa. Aqui a inflação não é metaforicamente caracterizada apenas como uma pessoa; a expressão define uma forma bastante peculiar de pensar sobre a inflação e orientar como agir em relação a ela.

 

Lakoff & Johnson (1980) nos mostraram o quanto as metáforas são importantes no nosso dia a dia, uma vez que o nosso mundo conceitual é em grande parte metafórico. Podemos fazer uma ligação de conceitos metafóricos com o humor. O humor é uma forma de comunicação social, é a habilidade de fazer julgamento relativo ao que é ou não engraçado (Raskin 1985: 51) A ocorrência individual de um estimulo engraçado é cunhado por Raskin, analogamente aos atos de fala (Searle, 1969) como ato de humor. Cada ato de humor ocorre em uma determinada cultura pertencente a uma determinada sociedade. O autor traz à tona os termos de humor não intencional e humor intencional o primeiro, espontâneo e percebido como engraçado; o segundo é artificial, estereotípico, intelectual criado para fazer rir, o que Dolitsky (1983; 47) entende por dizer o que não deve ser dito ou não dizer o que se deve, pois faz rir mais contraria as convenções pragmáticas de uma comunidade lingüística.

 

            Muitas vezes, num determinado artigo jornalístico se apresenta uma confluência de sentido, por exemplo, entre um dito popular e uma declaração da industria e entre esta e o ponto de vista do jornalista, no que se refere à exploração da expressão pertencente ao folclore nacional gato por lebre significando ser enganado, comprar alguma coisa pensando ser outra. Ela é apresentada em manchete e transmite a dimensão do problema, analisado com detalhes no decorrer do texto.

                   

           Exemplo: Computador nacional é gato por lebre, reclamam industrias. (Folha de São Paulo, 26/06/91 p 1-13).

 

Outras vezes, palavras em sentido figurado podem ter um significado sarcástico, irônico, outros levam a possíveis polêmicas, transferindo ao alocutario a responsabilidade pela sua interpretação e avaliação de sua adequação. Assim, as metáforas constituem o percurso figurativo do texto jornalístico, a começar pelo titulo, apresentam estruturas de poder caracterizadas pela persuasão e mecanismos de manipulação com as modalidades poder-fazer-querer e poder-fazer-saber, segundo Pais (1999). 

 

            Amigo e para essas coisas”. O ministro do Trabalho Francisco Dornelles empregou no Sebrae a mulher do presidente de uma autarquia federal que diz cobras e lagartos dele. O ingrato apadrinhado também não se vexou de usar um ônibus do Sebrae, com animadores infantis, para festejar o aniversario da filha, no interior do Rio. E ainda empregou o genro de um ilustre diretor da TVE.

 

Exemplo: A casa de mãe Joana. FHC prometeu treinar 17 milhões de trabalhadores, soltou dinheiro, mas a verba some pelo caminho.

 

Exemplo: A farra fiscal acabou. Atenção, novos prefeitos: quem gastar mais do que arrecada pode ver o sol nascer quadrado. Só os observadores mais notaram quando a Lei de Responsabilidade Fiscal mostrou seus dentes pela primeira vez, durante a campanha eleitoral...

 

Exemplo: Mais uma vez o nosso ministro Serjão chutou a bola fora, agora em relação ao aumento das tarifas telefônicas. (Folha de São Paulo, 16/04/1997) equivale a cometer um erro um equivoco.

 

No caso dos provérbios, eles têm natureza atributiva como observaremos na seguinte amostragem, uma notícia sobre a visita de uma comissão de especialistas alemães em criminologia e violência ao 43o Distrito Policial de São Paulo. Quando a imprensa pede a opinião de um deles, não obtém resposta explícita; “Fomos bem atendidos, houve abertura para vermos tudo, desde a Febem até a Casa de Detenção. Não vou comentar nada. Sigo o ditado alemão segundo o qual cada um varre a sujeira de sua própria casa” O locutor utiliza um estratagema em que se furta a fazer um comentário sem, contudo deixar de fazê-lo, ao citar o provérbio, pois menciona indiretamente a situação calamitosa (sujeira) do sistema penitenciário no Brasil. Assim, emite seu julgamento de modo velado para evitar chocar os brasileiros.

 

Considerações finais

 

Neste trabalho buscou-se avaliar a importância de alguns processos metafóricos na construção de determinadas práticas discursivas constitutivas da realidade política brasileira, com um pouco de humor. Constatou-se que a linguagem é um lugar de movimento, de surpresa, de deslocamento. Descrever esse movimento discursivo da linguagem significa explicitar o que se passa. Por sua dinamicidade a linguagem em funcionamento põe em relação sujeito e sentidos e efetiva-se num complexo processo de constituição de discurso e de produção de sentidos. Desse modo o discurso congrega inúmeros recursos persuasivos, mobilizados para a consecução de um determinado fim. A partir da exploração do conteúdo semântico das palavras e de suas possibilidades combinatórias, um autor pode abrir mão das formas lógicas e mostrar o valor de uma frase, tal e como ela se apresenta no discurso, através do sentido figurado, evitando que a mesma perca sua expressividade.

 

Bibliografia

BASILIO, M. Teoria lexical. São Paulo: Ática, 1995.

 

BAKHTIN, M. Marxismo e filosofia da linguagem. SP: Hucitec, 1988.

 

BARBOSA, MA. Produtividade das designações: percursos léxico-sintagmáticos. In: Revista Brasileira de Lingüística. Vol. 6 No. 1. Nova Série. 1985.

 

DOLITSKY, M Humor and the unsaid. In: Journal of Pragmatics, 1983. Pp. 39-48.

 

LAKOFF G & JOHNSON, M Metaphor we live by. Chicago: The University of Chicago Press, 1980.

LE GUERN, As motivações da metáfora, 1973.

 

MENEZES, VL Metáforas negras. http: //www.veramenezes.com/metáforas.htm, 2005