INCLUSÃO SOCIAL NA UNIVERSIDADE BRASILEIRA: PRINCÍPIOS E ALTERNATIVAS

 

Oswaldo Baptista Duarte Filho

Presidente da Andifes (Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior)

e Reitor da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos)

 

O direito de todos à educação, independentemente de origens étnicas, sociais e religiosas, deve ser o princípio básico de qualquer debate sobre inclusão social na universidade. A Andifes já se manifestava “inteiramente favorável à democratização do acesso à universidade” em suas contribuições à primeira versão do Anteprojeto de Lei da Educação Superior, considerando como uma política pública relevante e inadiável o estabelecimento de metas de inclusão. Por outro lado, observava que “dada a diversidade dos perfis institucionais e dos contextos sociais em que as Ifes estão inseridas”, haveria a necessidade de não se reduzir as estratégias e instrumentos de inclusão a uma única modalidade.

Essas contribuições felizmente foram consideradas e a segunda versão do Anteprojeto trouxe propostas de democratização do acesso mais maduras: mais flexíveis e fundadas em metas a serem alcançadas e nos planos de desenvolvimento institucional de cada instituição. É bastante oportuna, portanto, a proposição deste simpósio pela SBPC, na medida em que permite que avancemos na construção de um panorama dos princípios e alternativas que vêm sendo pensados e, em alguns casos, já implementados por algumas universidades públicas brasileiras.

Ao longo dos últimos anos, apesar da falta de estímulo e de recursos específicos, as universidades já vêm desenvolvendo uma série de estratégias no sentido de ampliar o acesso e garantir a permanência na universidade de uma parcela significativa de estudantes oriundos de estratos sociais desprivilegiados, embora essa parcela ainda seja pequena frente às dimensões do problema. Pode-se elencar, no que diz respeito à assistência ao estudante socioeconomicamente desfavorecido, um conjunto de programas já criados pelas Ifes: residências e restaurantes universitários; bolsas de apoio; unidades de atendimento às crianças; atendimento às demandas de estudantes com necessidades especiais e conseqüente adequação física e tecnológica dos campi; e atendimento médico, psicológico e odontológico, entre outros projetos.

No entanto, o impacto dessas iniciativas ainda é limitado em função dos recursos existentes. Novamente em relação ao Anteprojeto, as contribuições da Andifes no que diz respeito à assistência estudantil foram incorporadas e a segunda versão determina que o equivalente a 5% do orçamento das Ifes seja destinado a programas de assistência. Esse montante ainda é insuficiente e, além disso, não está claro de onde virá essa verba suplementar. No entanto, a medida é um indicativo importante de uma maior atenção ao tema.

Na questão da democratização do acesso, uma estratégia constantemente considerada é o fomento à abertura de cursos no período noturno. Esses cursos são sabidamente freqüentados, em sua maioria, por estudantes oriundos de famílias de baixa renda que precisam trabalhar. Não se trata aqui de questionar que há uma possibilidade maior de inserção para esses alunos com a ampliação dos cursos noturnos. Não se pode, entretanto, a partir daí inferir que o problema da democratização do acesso esteja equacionado. Entre outros fatores que fundamentam nossa argumentação nesse sentido, ressaltamos que a oferta de cursos no período noturno nunca será semelhante à do período diurno, existindo cursos que sequer são passíveis de serem ministrados à noite. Isto, por si só, já seria um aspecto negativo da adoção dessa estratégia como aquela que resolveria a questão.

Diferentes instituições têm elaborado e implantado alternativas bastante diversificadas de democratização do acesso ao ensino superior. Em nossa opinião, todas as alternativas devem ter foco na oferta da possibilidade do acesso àqueles alunos que ao longo do ensino Fundamental e Médio não tiveram a oportunidade de desenvolver suas capacidades de aprendizagem, em função da má qualidade do ensino. Sem negar ou abandonar a importância do mérito no ambiente universitário, se hoje estamos em uma situação em que é indispensável pensar em ações afirmativas imediatas, ainda que temporárias, é porque o Estado nos últimos 30 anos deixou de investir nos ensinos Fundamental e Médio, em um processo planejado e perverso de destruição da educação pública. Como conseqüência, a escola pública deixou de ser referência em termos de qualidade e hoje, até mesmo nós, defensores do ensino público, hesitamos em colocar nossos filhos em instituições estatais. Além disso, é evidente a desigualdade também em termos de grupos étnicos historicamente discriminados. Para que a comprovemos, basta compararmos as porcentagens de indivíduos negros ou indígenas nas universidades e na sociedade brasileira...

Este é, portanto, o desafio da nossa universidade pública: acolher esses estudantes e auxiliá-los no desenvolvimento de seus potenciais. Em outras palavras, o mérito acadêmico e a qualidade do ensino não podem estar separados desse fator de equidade e justiça. Reconhecemos, é claro, a complexidade dessa tarefa, mas realmente acreditamos ser este o nosso desafio atual. Um país como o Brasil não pode se dar ao luxo de esperar pelo amanhã. Os problemas têm de ser superados hoje.

Não estamos aqui afirmando que a existência de políticas afirmativas por si só resolverá o problema da democratização, da equidade do acesso às universidades. Há que existir, como está acontecendo no momento, uma atitude decidida no sentido da ampliação das universidades públicas. Tal atitude permite, inclusive, que se reverta a cultura alimentada nos últimos anos de estímulo ao crescimento do setor privado de ensino. Embora este deva ter seu espaço, é inquestionável que a política voltada para o crescimento do Sistema Federal Público de Ensino Superior tem de ser uma Política de Estado, e não apenas de Governo.

Além disso, paralelamente ao crescimento do Sistema Federal Público de Ensino Superior, há que se investir no aprimoramento dos ensinos Fundamental e Médio. Aqui, é imprescindível a presença da universidade pública auxiliando na formação inicial e continuada e no acompanhamento dos professores que já se encontram nas redes municipais e estaduais de ensino. Este é outro desafio enorme, já que é enorme o contingente de professores que ainda são formados de modo precário. Logicamente esse esforço só terá impacto positivo se for acompanhado de uma carreira adequada, de uma remuneração decente e de um maior respeito e reconhecimentos aos professores desses níveis de ensino. Nesse sentido, merece destaque o projeto do Fundeb, recentemente encaminhado ao Congresso pelo Governo Federal.

No que tange à cooperação e envolvimento das universidades federais nos problemas brasileiros e no desenvolvimento nacional, diversas iniciativas já estão em execução e seus impactos só não têm maiores dimensões por falta de condições financeiras e de pessoal dentro das universidades. Uma prova disto são os resultados do PROEXT – Programa de Extensão Universitária voltado para as Políticas Públicas, retomado pela SESu em 2003 após oito anos de estagnação. Os 89 programas e projetos aprovados pelo primeiro Edital, que tinha como objetivos principais a Educação de Jovens e Adultos e a Formação Continuada de Professores, são uma demonstração inequívoca de que o potencial extensionista da universidade pública merece maior atenção ao se pensar alternativas para a inclusão social.

Há que se ter claro, no entanto, que a extensão é uma das atividades que a universidade desenvolve para alcançar sua missão, seu objetivo principal. Em conjunto e de forma indissociada das atividades de ensino e pesquisa, as atividades de extensão dão concretude ao objetivo da universidade de produzir o conhecimento e torná-lo acessível a toda a sociedade, sendo que este tornar acessível compreende também a formação dos alunos na graduação e pós-graduação. Essa conceituação da extensão vem, na verdade, se traduzindo em um novo paradigma para a universidade pública.

Um exemplo nessa mesma linha são os Cursinhos Pré-Vestibulares das universidades, cuja existência é também justificada pela oportunidade da formação e capacitação dos alunos enquanto professores dos futuros vestibulandos. Os cursinhos inclusive abrem a possibilidade de alunos de outros cursos, além dos das licenciaturas, participarem, propiciando-lhes não só uma experiência didática, mas uma rica experiência de vida, de formação cidadã, política. É também oportuno salientar que os resultados em termos de aprovação dos alunos em vestibulares chega até a surpreender; e que atualmente muitos desses cursinhos se preocupam em dar uma formação ao vestibulando que lhe forneça outras possibilidades de inserção no mercado de trabalho.

Assim, ao se adotar o princípio da indissociabilidade entre o ensino, a pesquisa e a extensão, abre-se de fato as portas da universidade para a sua integração regional e nacional e, portanto, para a inclusão social. Abre-se as portas para a produção de conhecimentos que, além da excelência acadêmica que sempre caracterizou os trabalhos da universidade pública, tem a eles associada a questão da relevância social de caráter mais imediato.

Não estamos aqui, de forma alguma, sugerindo que o país deixe de investir na estrutura que permite que nossa comunidade de pesquisa se insira, com destaque, nos esforços para o avanço do conhecimento científico e tecnológico mundial. Estamos apenas ressaltando a necessidade de que o critério da relevância social, além do da excelência acadêmica, seja também considerado na formulação da nossa Política Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação.

É claro que essa perspectiva não se restringe à área de educação, pois, na verdade, ao envolver questões ligadas à gênese e ao destino do conhecimento produzido, ela se aplica a todas as áreas do conhecimento. Apenas para citar, a título de exemplo, dois extremos, são muitas as universidades que já trabalham de forma interdisciplinar com a questão da incubação, seja de empresas de alta tecnologia, seja de cooperativas populares. Naturalmente poderíamos nos estender nos exemplos, mas basta olharmos para os trabalhos que vêm sendo desenvolvidos dentro de nossas IFES para termos uma idéia desse potencial latente. É oportuno, no entanto, ressaltar que essa perspectiva requer algumas mudanças, em particular nos critérios das agências de fomento e no seu olhar para o perfil do pesquisador.

Terminamos, portanto, ressaltando a alternativa da extensão universitária como caminho para a melhor formação de nossos alunos e para a inclusão social de diferentes segmentos sociais. Aqui, no entanto, é importante que retomemos os diferentes princípios e alternativas abordados em nossa apresentação, para que possamos perceber o grau de articulação e interdependência entre eles. Estratégias de democratização do acesso ao ensino superior, ações no sentido da garantia de permanência com qualidade acadêmica e social na universidade, o investimento nos níveis Fundamental e Médio de ensino, a ampliação das instituições federais de ensino superior e as atividades de extensão seriam esforços talvez sem sentido isoladamente. Em conjunto, configuram um potencial inigualável de maior inclusão de todos os segmentos da sociedade brasileira.