MEDIDA DE ATITUDES SOCIAIS EM RELAÇÃO À INCLUSÃO

 

Sadao Omote

Universidade Estadual Paulista, campus de Marília (SP)

 

A discussão da educação inclusiva trouxe, entre outras implicações, duas importantes mudanças no modo de enfrentamento do desafio de realizar a educação de crianças e jovens com alguma deficiência. Em primeiro lugar, o foco de atenção passou a recair sobre os arranjos que a escola deve oferecer para atender as necessidades educacionais de todos os alunos, em vez de recair sobre os alunos deficientes, como ocorria no passado recente. Em segundo lugar, toda a comunidade escolar está, de alguma maneira e talvez por diferentes razões, envolvida na discussão sobre a inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais, deixando de ser o assunto restrito a poucos profissionais especializados da escola, como ocorria no passado recente.

As adaptações que precisam ser introduzidas para tornar a escola acessível, acolhedora e adequada para alunos com qualquer espécie de deficiência não se limitam a aspectos físicos - como o ambiente arquitetônico, os recursos didático-pedagógicos, o mobiliário e o acervo de laboratórios e bibliotecas - nem aos aspectos educacionais - como o currículo, os objetivos instrucionais e a avaliação. Mais do que essas adaptações, sem dúvida necessárias, são essenciais as mudanças que precisam ocorrer no meio social, representado principalmente pelos diretores, professores, alunos e famílias desses alunos. Todos precisam estar disponíveis para enfrentarem juntos o desafio da convivência na diversidade.

Nesse sentido, tem sido dado destaque especial ao estudo das atitudes sociais da comunidade escolar em relação à inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais. Entre os diferentes segmentos da comunidade escolar, os professores têm sido mais constantemente utilizados como participantes em estudos acerca das atitudes sociais em relação à inclusão.

A decisão de inserir ou não algum aluno com necessidades educacionais especiais em classe de ensino comum pode não depender do professor, mas, uma vez inserido, o desempenho escolar desse aluno e todo o seu comportamento em sala de aula podem depender bastante da acolhida que vai encontrar na classe. É esse professor que pode também criar condições favoráveis para a aceitação do aluno com necessidades especiais pelos colegas da classe, bem como favorecer o convívio cooperativo, solidário e produtivo na sala de aula.

Os estudos da área têm demonstrado que as atitudes dos professores em relação à inclusão podem depender de variáveis relacionadas ao aluno com necessidades educacionais especiais, como a natureza do comprometimento e a série escolar freqüentada. De um modo geral, pode-se sugerir que os professores são mais favoráveis à inclusão de alunos com deficiência física e menos favoráveis à inclusão de alunos com distúrbios emocionais e de comportamento. Entre esses extremos podem ser situados os deficientes visuais, auditivos, alunos com problemas de aprendizagem e deficientes mentais. A inclusão em séries iniciais da carreira escolar é mais bem aceita que nas séries mais avançadas.

Muitas características do professor associadas às atitudes sociais em relação à inclusão têm sido investigadas. A experiência de ensinar aluno com necessidades educacionais especiais e cursos realizados na área de educação especial são variáveis mais constantemente mencionadas como determinantes de atitudes sociais favoráveis em relação à inclusão. O estudo das atitudes sociais dos professores tem particular importância na sua capacitação para o ensino inclusivo. Há claras evidências de que os professores favoráveis à inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais fazem uso mais freqüente de estratégias de ensino consideradas inclusivas, comparativamente aos pares menos favoráveis à inclusão.

Nas discussões sobre a educação inclusiva no Brasil, freqüentemente tem sido feita referência à importância das atitudes sociais dos professores em relação à inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais. Entretanto, as atitudes são inferidas grosseiramente das manifestações verbais de professores, sem o uso de instrumentos específicos para a mensuração delas. É de especial importância para as pesquisas sobre a inclusão a disponibilidade de instrumentos de mensuração de atitudes sociais em relação à inclusão, construídos com os cuidados necessários para tornar confiáveis as medidas obtidas por meio deles.

Dentre vários tipos de escalas, a de Likert tem sido empregada mais freqüentemente para a mensuração de atitudes sociais em relação à inclusão. A escala Likert consiste tipicamente de um conjunto de enunciados que expressam alguma afirmação sobre o objeto atitudinal, seguido cada enunciado de alternativas que indicam o grau de concordância ou discordância de cada respondente em relação ao seu conteúdo. As alternativas são comumente em número de cinco. Cerca de metade dos enunciados deve ser positiva e outra metade, negativa. Um enunciado é positivo, quando a concordância com o seu conteúdo corresponde a atitudes favoráveis; é negativo, se a concordância com o seu conteúdo corresponde a atitudes desfavoráveis. Na atribuição de pontos às respostas assinaladas, a valência de cada enunciado deve ser considerada. Para itens positivos, a alternativa que expressa maior grau de concordância deve receber a maior pontuação e a que expressa o maior grau de discordância, a menor pontuação.

Com o intuito de contribuir para o desenvolvimento de pesquisas sobre atitudes sociais em relação à inclusão, também no Brasil, o grupo de pesquisa Diferença, Desvio e Estigma desenvolveu a Escala Likert de Atitudes Sociais em relação à Inclusão (ELASI). A escala foi devidamente validada e conta com duas formas equivalentes. Cada forma contém 35 itens com cinco alternativas: concordo inteiramente, concordo mais ou menos, nem concordo nem discordo, discordo mais ou menos e discordo inteiramente. Cinco desses itens compõem a escala de mentira, constituída para identificar a tendência do respondente em falsear as respostas ou outros problemas como a falta de seriedade na realização da tarefa, a fadiga, a desatenção ou a não compreensão da tarefa de responder ao instrumento.

A metade dos 30 itens que se destinam à mensuração de atitudes sociais em relação à inclusão é constituída por itens positivos e a outra metade por itens negativos. Nos itens positivos, a alternativa concordo inteiramente vale 5 pontos e a alternativa discordo inteiramente vale 1 ponto, e os valores 4, 3 e 2 são atribuídos respectivamente às alternativas concordo mais ou menos, nem concordo nem discordo e discordo mais ou menos. Nos itens negativos, é invertido o sentido de atribuição de pontos, isto é, a alternativa concordo inteiramente vale 1 ponto e a alternativa discordo inteiramente vale 5 pontos. O escore total de cada respondente é dado pela soma dos pontos obtidos nesses 30 itens. Portanto, pode variar de 30 a 150.

A escala de mentira é constituída por itens nos quais é previsível a resposta, caso o respondente realize a tarefa com a devida atenção e em obediência às instruções. Na etapa preliminar de construção da ELASI, os enunciados dos itens incluídos na escala de mentira levaram os respondentes a concordarem com a afirmação, independentemente da favorabilidade ou desfavorabilidade das suas atitudes sociais em relação à inclusão. Assim, a pontuação na escala de mentira é de 0 para as alternativas a e b, que indicam concordância total ou parcial com o enunciado, isto é, a resposta esperada, e de 1 para as alternativas d e e, que indicam discordância parcial ou total. O escore total é dado pela soma dos pontos obtidos nos cinco itens. Portanto, pode variar de 0 a 5.

A ELASI já vem sendo aplicada em algumas pesquisas e a sua validade será demonstrada efetivamente na extensão em que se mostrar  eficaz em diferentes situações em que for utilizada.

A ELASI apresenta duas características importantes a serem observadas: (1) a escala se destina à mensuração de atitudes sociais de adultos e (2) diz respeito à inclusão de pessoas com necessidades especiais em geral. Assim, foi também desenvolvida uma pequena escala infantil, devidamente validada, a ser apresentada em uma tese de doutoramento a ser defendida proximamente. Além disso, alguns integrantes do grupo de pesquisa estão envolvidos na tradução, adaptação e validação de uma pequena escala de atitudes sociais desenvolvida especificamente em relação à inclusão de alunos cegos. Na versão brasileira, a escala está sendo validada para deficientes visuais, deficientes auditivos, deficientes mentais e deficientes físicos.

A especificidade do objeto atitudinal é uma variável importante, conforme estudos tradicionais da área têm demonstrado. Com relação à inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais, conforme as pesquisas têm demonstrado, de fato, parece útil um instrumento capaz de mensurar as atitudes em relação à inclusão de alunos com diferentes deficiências específicas. Além disso, pretende-se que esta escala possa ser utilizada como um segundo instrumento para apoiar os resultados da ELASI. 

 

 

Apoio financeiro: CNPq (processo nº 350230/1998-6).