ANIMAIS MARINHOS DE SUBSTRATO CONSOLIDADO DA COSTA DO CEARÁ

 

Tito Monteiro da Cruz Lotufo

Departamento de Engenharia de Pesca

Universidade Federal do Ceará.

 

Ao longo dos seus cerca de 573km de litoral, o Ceará apresenta um claro domínio dos fundos móveis. Apesar disso há ainda em diversas localidades o afloramento de substratos duros, formados quase que exclusivamente por arenitos, que podem ocupar áreas muito extensas, como nas praias do município de Trairi. Esses afloramentos possuem uma biota exuberante, com grande abundância de algas e animais marinhos, ainda insuficientemente conhecidos.

As informações disponíveis a respeito da fauna desses afloramentos, quando existem, são escassas, e geralmente tratam de algum táxon específico. A única exceção é possivelmente o caso dos Mollusca, por conta do estabelecimento de um grupo de pesquisa muito atuante, iniciado com os trabalhos do Professor Henry Matthews. Para os demais táxons o conhecimento que se tem é, na maioria dos casos, nulo.

De maneira a reduzir essa lacuna, foi iniciado em 2002 o subprojeto “Biota Marinha da Costa Oeste do Ceará”, como parte do Projeto de Conservação e Utilização Sustentável da Diversidade Biológica Brasileira (PROBIO), financiado em recursos do Banco Mundial e do Governo Brasileiro. O principal produto deste trabalho foi um grande incremento no inventário da biodiversidade marinha de uma parte importante do litoral cearense, que se tornará disponível com a publicação de um volume que apresenta as informações obtidas. O trabalho foi fruto de especialistas de diversas instituições, de maneira a se cobrir o maior número possível de táxons. Ainda assim táxons muito representativos foram deixados de lado, como Porifera e Ectoprocta. Para grupos menores a situação é ainda mais crítica, pois nem mesmo no país há taxonomistas habilitados para trabalhar com esses animais. No total foram identificadas 204 espécies de invertebrados marinhos, entre Cnidaria, Mollusca, Polychaeta, Crustacea, Sipunculida, Echinodermata e Ascidiacea. Certamente um esforço continuado dos taxonomistas no inventário dessas áreas revelará um número crescente de novos registros ou mesmo novas espécies.

Como exemplo da relevância do trabalho continuado em taxonomia, até o ano de 2001 não havia registros de Ascidiacea para o Ceará: em 2002 já se havia registrado 18 espécies sendo que no presente momento já são conhecidas 38 espécies. Dentre estas, quatro espécies e um gênero eram desconhecidos pela ciência. O desafio que se configura, portanto, é a formação de zoólogos especialistas nos grupos sobre os quais pouco se conhece.

Além do trabalho no chamado nível alfa, é imprescindível um conhecimento adequado dos aspectos ecológicos da biota de substratos consolidados, envolvendo estudos sobre a estrutura das comunidades e seus elementos dinâmicos. Estas áreas têm sofrido forte impacto antrópico, por estarem acessíveis à população litorânea e sujeitas a problemas oriundos das alterações da hidrodinâmica costeira, com a construção de estruturas como quebra-mares e aterros.

A zona costeira do Ceará possui ainda áreas de substratos consolidados no infralitoral, como no Parque Estadual Marinho da Pedra da Risca do Meio, mas não se tem informações detalhadas da distribuição destas formações sobre a plataforma continental. A própria delimitação e designação daquela área como unidade de conservação foi efetuada sem que se tivesse informações mínimas sobre a sua biota. O acesso a essas áreas é também muito mais difícil, o que de certa forma explica o pouco conhecimento produzido a seu respeito. Essas áreas têm sofrido também com a atividade da pesca predatória, que tem reduzido substancialmente as populações de peixes e crustáceos. Por constituírem regiões tipicamente tropicais, essas áreas têm potencialmente uma grande biodiversidade e permanecem em grande parte ignoradas. No parque marinho, uma curta campanha de coleta de poríferos realizada sob orientação do Dr. Eduardo Hajdu, do Museu Nacional do Rio de Janeiro, revelou uma riqueza e abundância considerável desses organismos. Mais uma vez se aponta a necessidade de financiamento para trabalhos continuados nessas áreas e a demanda por taxonomistas qualificados.

Outras áreas importantes em termos da disponibilidade de substratos duros são os portos e terminais portuários. O Ceará possui um porto em Fortaleza e um terminal portuário na localidade de Pecém, este último construído “offshore”, com características muito peculiares. Nos ambientes portuários se estabelece uma fauna típica, formada por espécies com distribuição geralmente muito ampla, originando o que se convencionou chamar de “biocenose portuária”. Dois fatores são fundamentais para explicar a semelhança entre a fauna de portos distantes muitas vezes milhares de quilômetros: as características oceanográficas (águas abrigadas) e o intenso tráfego de embarcações que transportam animais e larvas aderidos aos cascos ou nos tanques de lastro. O portos são reconhecidamente a porta de entrada de inúmeras espécies invasoras que já geraram impactos econômicos severos em algumas regiões do planeta, como no Mar Negro. O monitoramento da fauna dos portos torna-se assim altamente prioritário, pois permitirá a detecção e antecipação de eventuais problemas biológicos resultantes do estabelecimento de uma espécie invasora. Apesar do Brasil ter reconhecido a importância do tema, tornando-se signatário da “International Convention for the Control and Management of Ships’ Ballast Water and Sediments”, o controle efetivo das embarcações ainda não é realizado.

Finalmente, diante da enorme riqueza faunística do zona costeira do Ceará, é absolutamente necessária a articulação de um esforço conjunto da comunidade científica, administração pública e iniciativa privada no sentido de conhecer ao menos os aspectos mais fundamentais da biota marinha.