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G. Ciências Humanas - 8. Psicologia - 5. Psicologia da Saúde
ADOLESCENTES VIVENDO A EXPERIÊNCIA DE CUIDAR DE ADULTOS GRAVEMENTE ENFERMOS
Fernando Antonio Leite de Oliveira 1 (fleite@triang.com.br) e Ana Lúcia Ribeiro de Oliveira 2
(1. Faculdade Católica de Uberlândia; 2. Instituido de Psicologia da Universidade Federal de Uberlândia)
INTRODUÇÃO:
Cuidar de pessoas gravemente enfermas é considerada uma tarefa de grande impacto físico e emocional, pois, em geral, as pessoas se tornam cuidadoras de forma casual e não contam com a experiência necessária para enfrentar esta situação. Zelar de um enfermo acamado prevê cuidados com a higienização, prevenção de escaras de pressão, administração de medicamentos e alimentação, o manuseio no leito e atenção às demais necessidades do paciente, ou seja, tarefas que exigem um mínimo de preparo e orientação. No último ano, através do programa “Cuidados Paliativos”, em que acompanhamos pessoas fragilizadas pelo câncer em suas residências, observamos um grande contingente de cuidadores com idade média de dezesseis anos, fato não observado em épocas anteriores. Sem orientação técnica e sem qualquer tipo de ajuda de terceiros para atender o paciente, esses adolescentes estão realizando tarefas que, em nossa cultura, eram comumente assumidas por pessoas mais velhas. Neste estudo buscamos compreender como estes adolescentes estão vivendo a experiência de serem cuidadores de um familiar enfermo.
METODOLOGIA:
Seguindo uma perspectiva fenomenológica procuramos ouvir dos próprios adolescentes o relato de suas experiências e saber como vivenciam, interpretam e significam essa situação vivida. Fizeram parte deste estudo oito adolescentes com idade variando entre quatorze e dezessete anos, sendo três rapazes e cinco garotas, os quais cuidam, em seus períodos não escolares, de um dos pais ou de um dos avós enfermos. Todos são estudantes, filhos de pais operários que passam o dia fora e só regressam à noite, depois do expediente de trabalho. Usamos a entrevista aberta para conversarmos com os participantes e pedimos que eles nos contassem como vivenciam as suas experiências de cuidar do enfermo. Os relatos foram gravados e posteriormente transcritos para que nos favorecesse o estudo. De acordo com o método fenomenológico percorremos os três procedimentos básicos da pesquisa: descrição, análise e interpretação. Fizemos uma leitura psicológica do fenômeno e buscamos dialogar com a fenomenologia de Martin Buber para nos ajudar a compreender a posição dos adolescentes nesta relação de ajuda.
RESULTADOS:
A descrição e análise fenomenológicas mostraram alguns temas fundamentais: conflito entre cuidar dos seus próprios interesses ou cuidar do parente enfermo; mescla de sentimentos de raiva gerada pelas circunstâncias e o amor pelo paciente; acreditar que livrar-se do fardo pesado implica em livrar-se do ente querido e, por último, a dificuldade de estabelecer uma relação dialógica. O ônus da tarefa aliado ao despreparo para enfrentá-la parece conduzir os adolescentes a uma atitude de coisificação do paciente, posto que as circunstâncias favorecem o estabelecimento de uma certa confusão entre o que é a tarefa e o que é o paciente. Os adolescentes parecem ter dificuldade em discernir uma coisa da outra; já não sabem se sentem raiva do paciente ou da tarefa de cuidar. Os adolescentes amam o ente querido, mas vêem nele uma alteridade ameaçadora a revelar-lhes sua incompetência, tanto no desempenho da tarefa, como na inabilidade em reconhecer e administrar as dualidades da vida (amor/raiva, vida/morte, ganhar/perder, caos/cosmos). A incompreensão destas contradições e a dificuldade em administrá-las, podem levá-los a construir uma atitude ou visão dualista em relação a si mesmos e em função disso, sentirem-se internamente cindidos. Provavelmente em função de se constituírem em uma cultura religiosa católica com influências da doutrina espírita, predomina entre os adolescentes deste estudo a busca ou construção de um sentido religioso para seu sofrimento: “é castigo”, “é meu carma”.
CONCLUSÕES:
Este estudo mostra o vasto campo de trabalho humanitário a ser empreendido por qualquer pessoa na construção de alternativas de ajuda solidária a esses adolescentes. Ao profissional da Psicologia, no entanto, tal auxílio deve ser visto como questão emergencial. Se a cultura e as vivências dos dramas da enfermidade na família se apresentam como os fios que estes adolescentes usam na constituição de sua subjetividade, é necessário que o psicólogo se apresente como alteridade nesse trabalho intersubjetivo, de modo a permitir-lhes tecer novos sentidos e significados para a sua trama existencial.
Palavras-chave:  adolescente; cuidador; câncer.
Anais da 57ª Reunião Anual da SBPC - Fortaleza, CE - Julho/2005