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H. Artes, Letras e Lingüística - 4. Lingüística - 4. Sociolingüística
VARIAÇÃO E MUDANÇA LINGÜÍSTICA EM REVISTAS EM QUADRINHOS DA “TURMA DA MÔNICA”
Maria Marta Pereira Scherre 1 (mscherre@terra.com.br), Carolina Queiroz Andrade 1 e Thalita Santos de Araújo 1
(1. Departamento de Lingüística, Línguas Clássicas e Vernácula, Instituto de Letras, UnB)
INTRODUÇÃO:
Analisamos neste trabalho o uso do imperativo associado à forma indicativa ou à forma subjuntiva. A gramática normativa registra que deixA, partE e faZ, por exemplo, são formas do imperativo afirmativo, derivadas do presente do indicativo do pronome tu, sem o –s final. Registra também que falE, abrA e faÇA são formas imperativas derivadas do presente do subjuntivo para o pronome você em construções afirmativas e negativas. No português brasileiro, formas como deixA, partE e faZ, por um lado, e como deixE, partA e faÇA, por outro, são variantes do imperativo, que podem expressar pedido, solicitação, convite, súplica, aviso, conselho, sugestão, exortação ou ordem, em configurações sintáticas sem sujeito expresso, com pouca ou nenhuma relação com os contextos de ocorrência dos pronomes TU ou VOCÊ. As estruturas imperativas do português brasileiro em uso, falado e escrito, evidenciam, assim, um processo de variação que se afasta da norma codificada, tendo em vista ser possível à alternância entre formas associadas ao indicativo e ao subjuntivo em contextos dos pronomes VOCÊ e TU, alternância esta que é regida por restrições de natureza estrutural e não-estrutural. O objetivo do trabalho é, portanto, explicitar processos sistemáticos de variação e mudança lingüística na língua escrita, por meio da comparação da expressão gramatical do imperativo em diálogos de revistas em quadrinhos genuinamente brasileiras, das décadas de 70, 80 e 90 do século XX e na década de 00 do século XXI.
METODOLOGIA:
Os dados foram analisados segundo a Teoria da Variação Lingüística Laboviana, que associa à estrutura lingüística a noção de heterogeneidade ordenada: a língua é concebida como inerentemente variável e a suposta variação livre é vista como passível de descrição sistemática, em função de restrições lingüísticas e não-lingüísticas. A metodologia analítica utilizada foi fornecida pelos programas Varbrul. A análise apresentada é binária e as freqüências relativas e os pesos relativos calculados são lidos com relação à variante imperativa associada ao indicativo. Os dados analisados foram coletados de revistas da “Turma da Mônica” do escritor paulista Maurício de Sousa. Foram pesquisadas 10 revistas do início da década de 70, publicadas entre maio de 1970 e fevereiro de 1971, e republicadas em 2002; 8 da década de 80, publicadas de 1985 a 1988; 15 do final da década de 90, publicadas em 1998 e em 1999; 83 do século XXI, 48 publicadas em 2001, 20 em 2002 e 15 em 2004. Os dados foram digitados e, posteriormente, codificados em função de variáveis lingüísticas (polaridade da estrutura; presença, tipo, localização e pessoa dos pronomes; presença de vocativo; tipo de verbo; paralelismo discursivo) e de uma variável social com dupla oposição (personagem urbano vs. rural; personagem principal vs. secundário). Foram levantados 2336 dados, com 65% dos casos associados à forma indicativa e 35%, à forma subjuntiva.
RESULTADOS:
Analisamos 162 estruturas imperativas de número singular da década de 70; 152 da década de 80; 658 da década de 90 do século XX, e 2022 da década 00 do século XXI. O fundamental da análise levada a cabo é que há evidência de crescimento irreversível da forma imperativa associada à forma indicativa: observam-se apenas sete por cento na década de 70, mas quarenta e oito por cento na década de 80; cinqüenta e cinco por cento na década de 90 do século XX, e sessenta e nove por cento na década de 00 do século XXI. A diferença entre os extremos revela um aumento de 62 pontos percentuais, num intervalo temporal de apenas 34 anos, o que se configura como mudança em progresso, ou seja, mudança rápida, na modalidade de escrita analisada. O personagem que mais personifica a variante que se expande de forma irreversível é o Chico Bento, representante prototípico da área rural brasileira, devidamente assumido pela Associação Brasileira de Lingüística (ABRALIN), por meio de carta à redação da revista, na década de 80.
CONCLUSÕES:
Os resultados obtidos com a presente análise evidenciam que a escrita das revistas em quadrinhos da “Turma da Mônica”, genuinamente brasileiras, de contexto discursivo exclusivo do pronome VOCÊ, incorporou de forma rápida a variante do imperativo associada à forma indicativa, registrada pela tradição gramatical como a forma do contexto discursivo do pronome TU. Sendo assim, os diálogos escritos desta revista se distanciam cada vez mais do padrão codificado e refletem o padrão de fala encontrado nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, como têm demonstrado diversas pesquisas já realizadas. A análise dos dados em função dos personagens indica que o escritor Maurício de Sousa e sua equipe elegem como representante prototípico do uso da forma associada ao indicativo o personagem Chico Bento, um dos personagens principais com características explícitas e até estereotipadas da fala rural. A análise também revela oposição mais sutil, entre personagens principais e personagens humanos com nome na história, que favorecem, relativamente, o imperativo na forma associada ao indicativo, e personagens secundários e personagens humanos sem nome na história, índice da proeminência que tem esta variante no contexto geográfico do gênero textual analisado. Variáveis de natureza lingüística revelam-se importantes na análise, evidenciando-se que a variação observada é, indubitavelmente, estruturada e que o afastamento da norma codificada não implica ausência de sistema organizado.
Instituição de fomento: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)
Trabalho de Iniciação Científica
Palavras-chave:  Variação lingüística; Imperativo gramatical; Mudança lingüística na escrita.
Anais da 57ª Reunião Anual da SBPC - Fortaleza, CE - Julho/2005