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C. Ciências Biológicas - 8. Genética - 3. Genética Humana e Médica
ESTRUTURA GENÉTICA EM POPULAÇÕES INDÍGENAS ISOLADAS E AFRO-DERIVADAS BRASILEIRAS
Marcelo Rizzatti Luizon 1 (luizon@rge.fmrp.usp.br), Sandra Mara Bispo Sousa 1, 3, Celso Teixeira Mendes Jr. 1, Silviene Fabiana de Oliveira 2, Ana Angélica L. Barbosa 3, Kiyoko Abe-Sandes 3 e Aguinaldo Luiz Simões 1
(1. Departamento de Genética, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto-USP, Ribeirão Preto-SP; 2. Departamento de Genética e Morfologia/GEM, Universidade de Brasília-UnB, Brasília-DF; 3. Depto. de Ciências Biológicas, Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia-UESB, Campus de Jequié-BA)
INTRODUÇÃO:
Barreiras geográficas, sociais, e culturais tem dado origem a populações humanas isoladas do ponto de vista reprodutivo, as quais passam a sofrer a ação da deriva genética. Por outro lado, populações formadas pela mistura étnica entre duas ou mais sub-populações podem apresentar estratificação populacional (sub-grupos geneticamente distintos), e esta estrutura genética pode causar associações espúrias em estudos de associação caso-controle. Alelos específicos de população (PSAs, do inglês population-specific alleles) são loci que apresentam alelos com altos diferenciais de freqüência (δ) entre populações, altamente informativos em estimativas de mistura étnica e na detecção de associações alélicas entre loci não ligados. Devido à escassez de freqüências alélicas para estes loci em indígenas sul-americanos, as freqüências alélicas de sete PSAs autossômicos foram obtidas para 323 indivíduos pertencentes a quatro tribos. Os objetivos foram verificar se as mesmas permitem a comparação entre as aldeias analisadas, se discriminam os indígenas de europeus e africanos, e seu uso potencial como parentais ameríndias em estimativas de mistura étnica em populações urbanas brasileiras. Na comunidade afro-derivada de São Gonçalo (SG-BA), considerada um remanescente de quilombo pelo seu grau de isolamento geográfico e cultural, o objetivo foi testar a eficiência dos PSAs na estimativa da mistura étnica e na detecção da estruturação populacional.
METODOLOGIA:
As freqüências alélicas de sete PSAs autossômicos (FY-Null, RB2300, LPL, AT3-I/D, Sb19.3, APO e PV92) foram obtidas a partir de 323 indivíduos não aparentados pertencentes a oito aldeias da Amazônia Brasileira agrupadas em quatro tribos (Tikúna - 4 aldeias, Kaxináwa - 2 aldeias, Baníwa e Kanamarí); 35 indivíduos independentes da comunidade de SG, e 43 indivíduos de Jequié (JQ), uma amostra urbana geograficamente próxima (133Km) a SG usada na comparação. Análises prévias de marcadores clássicos, STRs autossômicos e Y-STRs indicaram estimativas de contribuição Africana, Européia e Ameríndia de 54%, 32% e 14% em SG e de 34%, 51% e 15% em JQ, respectivamente. A detecção dos alelos foi feita por PCR ou PCR-RFLP, PAGE não-desnaturantes a 6%, e coloração por Nitrato de Prata. As freqüências alélicas foram estimadas pelo método de contagem gênica e a diferenciação entre as mesmas pelo teste exato de Fisher. A partir das freqüências alélicas e genotípicas foi verificada a aderência ao equilíbrio de Hardy-Weinberg, as associações alélicas par-a-par entre loci, as estimativas de diversidade intra (heterozigose esperada) e inter-populacionais e de mistura étnica, e construídos os dendrogramas neighbor-joining (distância genética de Reynolds). As análises estatísticas foram realizadas com o auxílio dos programas GENEPOP, FSTAT, DISPAN, GDA, PHYLIP e ADMIX3. As médias populacionais mundiais usadas nas comparações foram retiradas da literatura.
RESULTADOS:
A comparação das freqüências alélicas entre as quatro aldeias Tikúna mostrou diferenças significativas, embora exista considerável fluxo gênico entre elas. A diversidade inter-populacional (Gst=0,096) e a amplitude de variação dos valores de heterozigose (69% da média) entre os indígenas foram superiores aos valores observados para outras populações mundiais. A não separação dos Tikúna em um ramo independente do dendrograma não é concordante com a história demográfica desta tribo. As freqüências alélicas médias dos indígenas da Amazônia foram muito similares (δ~5%) às observadas para os indígenas da América do Norte, inversas (δ>50%) às dos africanos, e discriminam discretamente (δ~20%) dos europeus. No entanto, o dendrograma apresenta um alto suporte estatístico (97%) na separação entre os indígenas da Amazônia, africanos e europeus. A comparação da diversidade inter-populacional entre os indígenas da Amazônia e da América do Norte (Gst=0,004) suporta os achados de falta de variação intra-étnica para estes loci. Foram observados desvios do Equilíbrio de Hardy-Weinberg em SG e JQ, todos devido ao déficit de heterozigotos (p<0,05), por sua vez explicados pelos índices de endogamia (p<0,01). A única associação alélica significativa entre loci não ligados observada em JQ poderia indicar a presença de estruturação. As estimativas de contribuição Africana, Européia e Ameríndia foram de 60%, 22% e 18% em SG e de 47%, 51% e 2% em JQ, respectivamente.
CONCLUSÕES:
As diferenças significativas entre as freqüências alélicas observadas para as aldeias Tikúna e o alto valor de Gst entre os indígenas da Amazônia, podem ser decorrentes do pequeno tamanho populacional aliado ao isolamento tribal característico dos indígenas da Amazônia, o que confere um alto grau de microdiferenciação devido à ação intensa da deriva genética. A não separação dos Tikúna no dendrograma é indicativo de que os PSAs, embora sejam bastante informativos para a discriminação entre os grandes grupos étnicos, não seriam ideais para o estudo de microdiferenciação intra-étnica. A comparação das freqüências alélicas médias e o dendrograma entre as populações mundiais mostram que os PSAs discriminam os indígenas de europeus e africanos. Além disso, o valor de Gst entre os indígenas da Amazônia Brasileira e da América do Norte mostra que, apesar da ação da deriva genética, as freqüências alélicas médias apresentadas poderiam ser utilizadas como parentais em estimativas de mistura étnica em populações urbanas brasileiras. Os PSAs se mostraram eficazes na estimativa de mistura Africana em SG e JQ. A ausência de associações alélicas entre loci não ligados e o isolamento geográfico e cultural são condizentes com um modelo de mistura por isolamento híbrido em SG. Em relação à JQ, um maior tamanho amostral é necessário para testar adequadamente a hipótese do modelo de fluxo gênico contínuo de mistura, o qual é sugerido pela história demográfica.
Instituição de fomento: Este trabalho recebeu apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico/CNPq. Fomento adicional: CAPES, FAPESP e UESB
Palavras-chave:  Alelos específicos de população (PSAs); Populações indígenas isoladas; Populações afro-derivadas brasileiras.
Anais da 57ª Reunião Anual da SBPC - Fortaleza, CE - Julho/2005