IMPRIMIR VOLTAR
G. Ciências Humanas - 9. Sociologia - 7. Sociologia
Os significados dos discursos e práticas do "voluntariado contemporâneo": a experiência da Associação Peter Pan.
Leila Maria Passos de Sousa Bezerra 1 (leilapassos@uece.br)
(1. Programa de Pós-Graduação em Sociologia (Mestrado), Universidade Federal do Ceará - UFC)
INTRODUÇÃO:
O Brasil dos anos 90 e início do século XXI tem vivenciado um movimento inédito de visibilidade pública e re-significação do voluntariado como um ator social que assume responsabilidade de agir face às múltiplas expressões da Questão Social. Pretendi, nesse estudo, compreender e interpretar os significados dos discursos e práticas dos "voluntários contemporâneos" - detendo-me, especificamente, aos "voluntários de elite" - na experiência da Associação Peter Pan em Fortaleza-Ce. Essa entidade filantrópica, sem fins lucrativos, foi criada em 1996, a partir da vontade de pessoas voluntárias que assumiram a "missão" de "transformar a história do câncer infanto-juvenil no Ceará". A "missão" dos voluntários Peter Pan realiza-se através de "ações solidárias", materializadas no atendimento médico-assistencial oferecido a crianças e adolescentes com câncer e suas famílias pertencentes, via de regra, aos setores pobres da população cearense.
METODOLOGIA:
Devido à peculiaridade do objeto de estudo, optei pela pesquisa qualitativa. como procedimentos metodológicos, utilizei a observação participante com registro em diário de campo, além das entrevistas semi-estruturadas, com roteiro e uso do gravador. Os sujeitos da investigação (informantes-narradores) foram os voluntários membros da diretoria, das coordenações dos projetos institucionais e aqueles com atuação direta com o público-alvo, no sentido de apreender o universo simbólico da multiplicidade de tipos de voluntários atuantes na Associação. Realizei ainda a pesquisa documental e jornalística, mapeando as principais instituições e ações de voluntariado em Fortaleza-Ce.
RESULTADOS:
Os resultados apontam para uma re-significação híbrida do "voluntariado contemporâneo", num "mix político-cultural" capaz de articular dimensões marcantes da cultura política brasileira: um passado recente com relação às formas de "ajuda entre desiguais" - prestada pelas elites aos pobres - inscritas na matriz hieráquico-conservadora, mesclada e fortalecida pelo ideário cristão da caridade, da filantropia humanista e sua dimensão "moralizadora" de natureza laica ou eclesiástica; um imaginário democrático, sedimentado a partir dos anos 80, com ênfase para a participação da sociedade civil; um neo-conservadorismo narcisita, restaurador da figura do "pobre necessitado e dependente" que, na posição social de "inferior e desigual", aparece privado dos direitos da cidadania social. Esse "voluntariado contemporâneo de elite" ascende à esfera pública como um dos atores responsáveis pela tessitura desta gramática cultural em construção nos últimos 25 anos no Brasil - re-significando o próprio voluntariado e as noções a ele vinculadas: participação, responsabilidade social, transformação, utopia e o binômio solidariedade-cidadania. Em verdade, fui desvendando este "voluntariado contemporâneo" como foco de "(re)-significações híbridas" encarnadas nos discursos e práticas singulares dos voluntários na versão Peter Pan.
CONCLUSÕES:
É no foco deste hibridismo cultural que é possível perceber que as três matrizes político-culturais parecem, de fato, atravessar as experiências voluntárias, destacando-se os seguintes elementos: primeiro, fortalece a perda das noções de direitos de cidadania social, obscurecendo a figura do cidadão em favor da restituição da figura do "pobre dependente e impotente face aos "infortúnios" da vida social; segundo, este "Outro", imaginário e concreto, aparece na posição de "inferior" e "desigual", privado da condição de "sujeito de sua fala, desejo e autonomia" protagonizados na esfera pública; terceiro, destitui as noções de política e conflito legítimos à gramática democrática, substituindo-os pelo discurso do consenso, da colaboração humanista e da ajuda entre desiguais; quarto, expressa-se numa tendência político-cultural que nomeei de "Economia da Autogratificação", instituída entre voluntários e o "público-alvo" das "ações solidárias voluntárias". Consubstancia uma tendência ao "narcismo responsável", numa tentativa de (re)-encontro com o Outro. "Fazer-se voluntário" torna-se, cada vez mais, uma "promessa de felicidade e prazer personalizados", abrindo possibilidades tanto de satisfazer as necessidades do "Eu voluntário" - construindo liames sociais instáveis e flexíveis/ canais de participação -, como de atender às necessidades de sobrevivência do "público-alvo" de suas ações voluntárias.
Instituição de fomento: Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico - FUNCAP
Palavras-chave:  Voluntariado/ Solidariedade-Cidadania; Sociabilidade contemporânea; Cultura política brasileira.
Anais da 57ª Reunião Anual da SBPC - Fortaleza, CE - Julho/2005