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G. Ciências Humanas - 7. Educação - 18. Educação | ||
VIDAS APRISIONADAS: O EDUCACIOANAL NA PRISÃO | ||
Haroldo de Resende 1 (haroldoderesende@ufu.br) | ||
(1. Faculdade de Educação - UFU) | ||
INTRODUÇÃO:
Adotando o pressuposto jurídico de que por intermédio de mecanismos procedimentais punitivos as prisões configuram instituições que visam à reeducação e tendo-se em conta os próprios resultados práticos de transformação das existências alcançados nestas instituições, pode-se afirmar que trata-se de uma instituição educativa. A função do poder de punir não difere, em sua centralidade, da de educar. De acordo com a perspectiva legal e teórica, o que a prisão deve fazer com o condenado, através do encarceramento, é atuar no seu comportamento de forma a melhorá-lo, corrigindo-o e transformando-o. O criminoso deve aprender a respeitar a ordem legal estabelecida. Reside aí o cerne da função de punir, correlata à de educar, justamente porque se espera que se processe sobre o sujeito um trabalho de transformação, correção, controle e melhora no aprendizado das regras postas. Assim, buscou-se investigar aspectos educativos/educacionais no cumprimento de penas a partir do caminho traçado por Foucault, no que concerne à extensão do carcerário no corpo social, percorrendo, uma via paralela a esse percurso. Ao invés da dispersão carcerária na sociedade, buscou-se perceber a entrada do educacional na prisão, no intuito de investigar aspectos, princípios e preceitos da ordem do educacional que penetram no sistema carcerário, modulando as relações prisionais, assim como o carcerário modula as relações sociais. |
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METODOLOGIA:
Utilizou-se o referencial teórico-metodológico da história oral de vida, cujo escopo é a produção de documentos, arquivos e estudos que se referem à vida das pessoas como acontecimentos históricos. Trata-se de uma forma de captação, remontagem, reconstrução de fatos, vivências e práticas, mantendo estreita relação com o movimento histórico e cultural da sociedade. Assim, pelas memórias e vivências, reconstituíram-se as trajetórias de vida demarcando sentidos e significados do processo prisional na vida dos detentos e de suas vidas na prisão. A pesquisa se realizou na Colônia Penal Jacy de Assis, na cidade de Uberlândia, Minas Gerais. Foram realizadas 13 entrevistas com presos condenados, pessoas já processadas, julgadas e apenadas por meio de sentença condenatória com reclusão em regime fechado. As entrevistas foram realizadas em duas sessões; na primeira, depois de explicitados propósitos da pesquisa e procedimento técnico da metodologia, deixou-se que o depoimento fosse o mais livre possível, com mínimas intervenções, já na segunda sessão foram feitas questões mais diretivas a partir do relato anterior e de outras entrevistas. Foram estabelecidos contrapontos entre os dados levantados e o pensamento de Michel Foucault, de sua fase designada genealógica, fixando relações entre os depoimentos dos presos e proposições de Foucault para compreender as práticas prisionais em nossa sociedade, concretizando-se na reeducação através da pena privativa de liberdade. |
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RESULTADOS:
A disciplina prisional fabrica um indivíduo no qual o infrator da lei e o objeto de uma técnica científica se superpõem. A vigilância, contínua e atenta, extrai dos presos uma grande quantidade de informações, de modo que o exame, como instrumento disciplinar possibilita qualificação, classificação e reformação. A arquitetura do prédio funciona como uma máquina de observar que age sobre os presos, permitindo conhecê-los e formar sobre eles um saber que embasa a administração das penas na aplicação de mecanismos que os modifiquem. Ao mesmo tempo, há a formação de saber e a produção de poder possibilitando o controle de suas condutas, de maneira que esses mesmos saberes e poderes se sustentam por seus próprios efeitos, numa constante renovação. Os mecanismos disciplinares produzem resultado: a sujeição dos presos. Eles, encontrando-se nesse esquema de espionagem, sabendo da vigilância, retomam por sua própria conduta as limitações do poder, fazendo-as funcionar sobre si mesmos sem a necessidade do uso de força para seu comportamento. O poder da norma se afirma na medida em que o normal se estabelece como princípio de coerção fazendo com que o comportamento de todos seja idêntico ao padrão de normalidade estabelecido. A prisão funciona segundo um arcabouço de regras que compreende horários, distribuição do tempo, atividades regulares, respeito e obediência, esquematizando interdições e obrigações, cuja prescrição é assimilada por cada preso a partir de sua entrada na cadeia. |
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CONCLUSÕES:
O aparelho penitenciário, com seu programa de tecnologia corretiva, recebe da justiça o infrator condenado para que seja reeducado. Mas a ação que nele se realiza, acaba sendo definida por variáveis pertinentes ao projeto técnico de transformação dos indivíduos, não consideradas na sentença. A parafernália disciplinar, pela via do educacional, se estende na prisão, objetivando e assujeitando os detentos, de maneira a produzir indivíduos que se constituem por processos de aprendizagens, adaptações, introjeções e assimilações. Desse horizonte pode-se falar numa educação penal, ou reeducação legal. A prisão forma a delinqüência ao transformar o infrator em delinqüente. Ainda que a escola do crime seja uma figura de linguagem criada pelos presos, na ação da instituição prisional sobre suas vidas, processa-se um tipo de aprendizagem pela circulação dos saberes acerca do crime. Ocorre uma espécie de educação pelo avesso. O indivíduo se modifica, há uma reprogramação de sua existência, o que implica um processo educativo operacionalizado pelo aparelho penitenciário. O efeito produzido pela disciplina carcerária sobre o indivíduo preso passa pelo crivo do educacional, sendo pertinente falar em uma pedagogia do cárcere que relaciona poder da disciplina e reeducação do condenado. Acrescenta-se, pois, o termo educar ao binômio vigiar e punir, desdobrando-se nos diversos instrumentos e funções de que a disciplina se utiliza para a modificação, a reeducação dos detentos. |
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Palavras-chave: educação; prisão; Michel Foucault. | ||
Anais da 57ª Reunião Anual da SBPC - Fortaleza, CE - Julho/2005 |