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C. Ciências Biológicas - 8. Genética - 3. Genética Humana e Médica
ESTRUTURA GENÉTICA DE DUAS COMUNIDADES SEMI-ISOLADAS DE ORIGEM AÇORIANA NA ILHA DE SANTA CATARINA - SUL DO BRASIL
Yara Costa Netto Muniz 1, 2 (ycmuniz@rge.fmrp.usp.br), Ilíada Rainha de Souza 2 e Aguinaldo Luiz Simões 1
(1. Depto de Genética, FMRP/USP, Ribeirão Preto-SP; 2. Depto de Biologia Celular, Embriologia e Genética, UFSC, Florianópolis-SC)
INTRODUÇÃO:
Com o objetivo de ocupar o litoral sul do Brasil e evitar a ocupação espanhola, Portugal financiou no séc XVIII a vinda de famílias completas de portugueses que viviam no Arquipélago do Açores, somando 4500 pessoas só no litoral catarinense. Dentre as várias comunidades fundadas, temos a Costa da Lagoa (CLG) e São João do Rio Vermelho (SJVR) alvos do nosso estudo e que estão localizadas na parte nordeste da Ilha de Santa Catarina, na cidade de Florianópolis. Estas comunidades já foram bastante prósperas, mas decaíram com o fim do tráfico negreiro em 1850. Desde então, o difícil acesso manteve durante muitas décadas o isolamento destas comunidades. Somente a partir da década de 70, SJRV começou a receber imigrantes estando hoje em fase de quebra de isolado. Enquanto que CLG ainda se mantém geneticamente isolada, devido à sua localização. A origem comum e recente e proximidade destas comunidades fazem com que elas sejam similares entre si, mas a história recente de isolamento da CLG e de fluxo gênico em SJRV podem ter gerado diferenças entre elas. Estudos genéticos têm demonstrado que, embora tenham desembarcado famílias completas na região, estas duas comunidades são triíbbridas, com uma pequena contribuição de africanos e de ameríndios. Os objetivos deste estudo foram verificar a hipótese dos diferentes graus de isolamento nas duas comunidades, estimar as proporções de mistura étnica e estabelecer comparações entre elas e com portugueses, especialmente açorianos.
METODOLOGIA:
A estrutura populacional e a variabilidade genética foram analisadas com base nas freqüências gênicas de 8 loci de STRs autossômicos (HUMCSF1PO, HUMTPOX, HUMTH01, MJD, D5S818, D7S820, D13S317 e D16S539), cinco loci de STRs ligados ao cromossomo Y (DYS19, DYS390, DYS391, DYS392, DYS393) e uma inserção Alu (YAP). A amostra da CLG foi de 119 indivíduos e a de SJRV de 163. A detecção dos alelos foi feita por PCR, PAGE desnaturantes para os STRs e não desnaturante para o YAP, de 6% a 12% e coloração por Nitrato de Prata. As freqüências alélicas foram estimadas pelo método de contagem gênica e a diferenciação entre as mesmas pelo teste exato de Fisher. A partir das freqüências alélicas e genotípicas foi verificada a aderência ao equilíbrio de Hardy-Weinberg, as associações alélicas par-a-par entre loci, as estimativas de diversidade intra e inter-populacionais e de mistura étnica, e construídos os dendrogramas neighbor-joining (distância genética de Reynolds). Os loci do cromossomo Y também foram analisados na forma de haplótipos. As análises estatísticas foram realizadas com o auxílio dos programas GENEPOP, FSTAT, ARLEQUIN, DISPAN, GDA, PHYLIP e ADMIX3 para os STRs autossômicos e ADMIX2 para análise do cromossomo Y. As médias populacionais mundiais usadas nas comparações foram retiradas da literatura. Estes dados foram comparados com resultados prévios de estudos históricos, demográficos e genéticos realizados nestas comunidades.
RESULTADOS:
Os loci do cromossomo Y foram incapazes de diferenciar as duas comunidades (F ST = -0,001 p > 0,05), pois somente a freqüência alélica do DYS390 apresentou diferença altamente significativa. Embora tenham sido mais eficientes na diferenciação destas duas comunidades com as populações consideradas ancestrais, principalmente ameríndios e africanos (0,16 > G ST > 0,215). As comunidades mostraram mais similaridade em relação aos haplótipos do cromossomo Y (F ST = 0,007; p > 0,05), o que poderia indicar um intercâmbio entre elas principalmente mediado por homens. A diferenciação genética testada a partir dos oito STRs autossômicos mostrou resultados significativos para cinco (HUMCSF1PO, HUMTPOX, MJD, D5S818, D7S820). Desta forma, os STRs autossômicos foram mais eficientes em diferenciar estas duas comunidades entre si (F ST = 0,005 p < 0,01). As estimativas de mistura étnica baseadas nos loci autossômicos detectaram uma maior contribuição européia (CLG = 93,5% e SJRV = 80,6%), seguida da africana (CLG = 4,1% e SJRV = 12,6%) e uma baixa contribuição ameríndia (CLG = 2,4% e SJRV = 6,8%) (R2=99,8), sendo portanto triíbrida. Os loci ligados ao cromossomo Y apresentaram uma contribuição preponderantemente portuguesa/açoriana (CLG = 95,6% e SJRV = 94,1%; R2=94,2) e não mostraram a presença do componente ameríndio, sendo portanto diíbrida.
CONCLUSÕES:
Estes dados, somados aos dendrogramas, mostraram que as comunidades apresentaram-se geneticamente próximas à população fundadora açoriana. O Cromossomo Y foi mais eficaz ao separar as comunidades das populações ancestrais, enquanto que os autossômicos foram mais eficientes em diferenciar as duas comunidades de origem comum e recente. As duas comunidades são triíbridas com predomínio do componente açoriano, sendo ainda maior quando se consideram os loci ligados ao cromossomo Y. A discrepância na composição étnica pode ser explicada com base em relatos históricos que indicam que no Brasil a mistura entre os diferentes componentes ocorreu principalmente entre homens portugueses e mulheres ameríndias e/ou africanas. Evidenciando que a presença de componente não português pode ter entrado nas comunidades principalmente via mulheres. Apesar disso, a ação da deriva não pode ser descartada, tendo em vista o reduzido tamanho efetivo das populações estudadas e do próprio cromossomo Y. A maior proporção de não portugueses em SJRV indica que o fluxo gênico pode estar acelerando o processo de miscigenação nesta comunidade. Por outro lado, CLG apresentou maior estruturação populacional e excesso de homozigotos e pode ser considerada ainda geneticamente isolada. Estes resultados levam a conclusão de que a deriva genética pode ter tido um importante efeito na CLG, enquanto que o fluxo gênico deve ser o fator evolucionário preponderante na alteração das freqüências gênicas em SJRV.
Instituição de fomento: Este trabalho recebeu apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico/CNPq. Fomento adicional: CAPES e FAPESP
Palavras-chave:  Populações Açorianas; Microssatélites; Cromossomo Y.
Anais da 57ª Reunião Anual da SBPC - Fortaleza, CE - Julho/2005