IMPRIMIR VOLTAR
G. Ciências Humanas - 7. Educação - 7. Educação Infantil
A QUALIDADE DA EDUCAÇÃO INFANTIL, NA CONCEPÇÃO DAS CRIANÇAS
Silvia Helena Vieira Cruz 1 (silviavc@uol.com.br)
(1. Faculdade de Educação, Universidade Federal do Ceará - UFC)
INTRODUÇÃO:
Nos últimos anos, tem crescido a consciência de que, como enfatizam Bondioli e Mantovani (1998), sabendo mais sobre a criança é possível oferecer-lhe atividades mais estimulantes e complexas. Ao mesmo tempo, vem sendo construída a idéia da criança competente, com possibilidades antes insuspeitas de trocas interindividuais entre iguais, de levantar hipóteses explicativas, de estabelecer relações entre fatos, de se comunicar etc. (GANDINI e EDWARDS, 2002; SPODECK e SARACHO, 1998; ZABALZA, 1998). No entanto, no Brasil, ainda há poucos estudos que captem o ponto de vista da criança. Como afirma Rocha (1999), ainda predomina a perspectiva do adulto sobre a criança. O presente trabalho refere-se às entrevistas feitas com crianças no âmbito da Consulta sobre qualidade na Educação Infantil, realizada pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação, com o apoio do Movimento Interfóruns de Educação Infantil do Brasil -MIEIB e da Save the Children e assessoria técnica da Fundação Carlos Chagas, através da Profa. Maria Malta Campos. Este projeto pretendeu ouvir os vários segmentos que compõem as instituições de Educação Infantil acerca da qualidade nessa etapa da educação. A escuta das opiniões das crianças que freqüentam creches e pré-escolas foi incluída como estratégia fundamental para ampliar o repertório relativo ao direito e à qualidade da Educação Infantil, considerando os pontos de vista que geralmente estão excluídos do processo de discussão sobre políticas e práticas educacionais.
METODOLOGIA:
A Consulta abrangeu os estados do Ceará, Minas Gerais, Pernambuco e Rio Grande do Sul, incluindo, em cada um deles, doze creches e pré-escolas públicas, particulares, filantrópicas e comunitárias. Em geral, a metodologia utilizada baseou-se em questionários . No entanto, foi construída uma estratégia diferenciada para possibilitar o acesso às opiniões das crianças sobre uma boa creche ou pré-escola e como percebem a sua experiência educativa. A partir de trabalhos anteriores em que isso se mostrou bastante eficiente (por exemplo, CRUZ, 1997, 2002, 2004; MARTINS, 2002), optou-se pela utilização de uma história para desencadear a participação das crianças. Em cada uma das instituições pesquisadas foram formados grupos de cinco meninos e meninas de cinco ou seis anos de idade, num total de 48 grupos. Numa sala que oferecesse condições adequadas, uma pesquisadora lhes contava a história da construção de uma creche ou pré-escola “bem legal” e as crianças eram convidadas a dizer como ela deveria ser; logo após, elas deveriam dizer o que tornaria essa creche ou pré-escola ruim; também era perguntado sobre o que elas gostavam ou não na creche ou pré-escola que freqüentavam; por último, era investigada a opinião delas sobre porque os adultos e elas próprias achavam que precisava ter uma creche ou pré-escola para as crianças. O registro foi feito com gravador e anotações. Ao final da conversa, era pedido que as crianças desenhassem, individualmente, uma creche ou pré-escola “bem legal”.
RESULTADOS:
A estratégia usada se mostrou, em boa medida, adequada para estimular a expressão das crianças. Em geral, elas demonstraram prazer em estar no grupo, valorizando bastante a presença de adultos interessados em ouvi-las. Também o gravador, as canetas coloridas e as fotografias exerceram influência positiva nas crianças. No entanto, houve dificuldades, tanto relativas à própria estratégia (especialmente o número de solicitações feitas às crianças, que tornou a entrevista muito longa) como à forma como ela é aplicada (o modo que o aplicador introduzia e contava a história, solicitava e conduzia a participação das crianças influenciou muito o interesse delas e a qualidade dos dados obtidos). Além disso, as características próprias do pensamento infantil, como a perseveração e a contaminação de temas próximos (WALLON, 1989), pareciam exacerbadas nos locais onde a expressão das crianças não é estimulada. As crianças confirmaram a grande importância da brincadeira, uma unanimidade ao afirmarem o que a creche ou pré-escola boa precisa ter, incluindo temas afins, como parques e recreios. Entre as crianças pobres, um tema bem presente foi a alimentação. A própria vivência na instituição era bastante forte; mas também crianças que freqüentavam espaços bem precários citaram brinquedos, animais e piscinas, espaços limpos e bonitos. Ao tratar da creche ou pré-escola ruim, as crianças falaram principalmente sobre o que elas não deveriam fazer, mas foi também comum a referência à professora “chata” e brinquedos escassos ou quebrados.
CONCLUSÕES:
Essa pesquisa mostra a possibilidade da criança falar sobre as suas vivências, seus desejos, seus receios etc. e a necessidade de que sejam ouvidas. Foi constatado que crianças que, via de regra, têm maiores oportunidades de expressar suas opiniões parecem precisar de menos estímulo do entrevistador do que e crianças que são pouco ouvidas. Foi possível perceber também que os desejos e as opiniões das crianças são bastante influenciados pelas suas experiências, portanto, pela classe social a que pertencem (por exemplo, entre as crianças de nível social mais alto parece estar mais presente a função pedagógica da escola), o que reforça a idéia de que a infância, como construção social, é sempre contextualizada em relação ao tempo, ao local e à cultura, variando segundo a classe, o gênero e outras condições sócio-econômicas (DAHLBERG, MOSS e PENCE, 2003). Apesar das dificuldades relatadas, esta experiência se constituiu numa oportunidade preciosa para saber o que as crianças pensam das instituições que freqüentam. São informações que dão mais elementos para se lutar para superar as precariedades tão presentes nas creches e pré-escolas que atendem as crianças pequenas e também oferecem subsídios importantes para se pensar em instituições que se aproximem mais do que as crianças desejam, pois, acolhendo as suas opiniões, é possível planejar creches e pré-escolas que as cuidem e eduquem respeitando mais os seus desejos e as suas necessidades.
Instituição de fomento: Save the Children
Palavras-chave:  escuta de crianças; qualidade na Educação Infantil; metodologia de pesquisa com crianças.
Anais da 57ª Reunião Anual da SBPC - Fortaleza, CE - Julho/2005