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H. Artes, Letras e Lingüística - 3. Literatura - 5. Teoria Literária | ||
REPRESENTAÇÃO DE GÊNERO E AMBIGÜIDADE EM TERÇA-FEIRA GORDA, DE CAIO FERNANDO ABREU | ||
Luciana Marinho Fernandes da Silva 1 (lum_fs@yahoo.com.br) | ||
(1. Depto. de Letras, Universidade Federal de Pernambuco - UFPE) | ||
INTRODUÇÃO:
Este estudo consiste numa análise das representações da identidade masculina no conto Terça-feira gorda, de Caio Fernando Abreu. Na literatura brasileira contemporânea, Caio Fernando Abreu é um escritor emblemático que tematizou o universo de marginalizados associado ao universo gay, o que possibilitou sua obra ser estudada a partir do enfoque entre homossexualidade e arte. A sua produção contística apresenta, de maneira recorrente, cenários em que o encontro afetivo e ou sexual entre homens é o ponto fulcral da narrativa, revelando assim uma das características da poética pós-modernista: o descentramento das falas dominantes. Neste caso, trata-se de pôr como principal elemento articulador da estória a fala de homens que matêm práticas afetivas e sexuais com outros homens. Por conseguinte, a obra de Caio Fernando Abreu nos dá margem para refletir a identidade masculina como ambígua e em processo, a partir de uma releitura da homossexualidade que a desloca da associação com os discursos que a reconheceram e a fixaram como patologia, discurso médico; como pecado, discurso religioso; e como crime, discurso jurídico. Este estudo visa, assim, investigar a constituição da identidade masculina, tendo em vista a desconstrução ou não de estereótipos de gênero, bem como analisar em que medida e a partir de quais meios a construção da identidade homoerótica nos conduz a repensar a identidade masculina e os limites de visões polarizantes de noções como masculinidade e feminilidade, heterossexualidade e homossexualidade. |
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METODOLOGIA:
Tivemos como ponto de partida a identificação dos elementos textuais que concorrem para a construção da identidade masculina como ambígua, fragmentada e em processo e do aparato simbólico que é mobilizado para isso. Nosso interesse centralizou-se na análise de como a identidade homoerótica dialoga com as outras identidades masculinas configuradas na obra e de que maneira esse confronto põe em xeque as delimitações rígidas de gênero. Estabelecemos esse confronto a fim de apontarmos as convergências e divergências dessas representações enfocando os seus aspectos estéticos, culturais e históricos.Tomamos por base para o estabelecimento das relações os postulados teóricos da Análise Crítica do Discurso e as contribuições de Bakhtin no que tange à definição de dialogismo e a conceitos a ele relacionados, como o de plurilingüismo. Portanto, fundamentamos nossa pesquisa na concepção de identidade social como uma elaboração discursiva, não homogênea nem integral, como aponta Fairclough. Nesse sentido, a noção de gênero também se apresenta, segundo Jurandir Freire, como uma elaboração instável e historicamente marcada, um construto cultural. |
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RESULTADOS:
Constatamos que Terça-feira gorda, ao apresentar uma releitura da masculinidade a partir da afetividade entre os homens, constitui-se um ponto de referência relevante para lançarmos questionamentos quanto às relações entre a literatura e a cultura do afeto na contemporaneidade, pensando aquela como uma manifestação que não apenas retrata o social, mas que também o constitui. Ao romper com as representações pautadas na polarização dos gêneros masculino e feminino, a obra de Caio Fernando Abreu põe em xeque a naturalização e hegemonia discursiva que associa masculinidade à heterossexualidade em detrimento das diferentes formas das relações afetivas e sexuais se manifestarem entre os indivíduos. Apontado como o “escritor da paixão”, por Lygia Fagundes Telles, ou como “um escritor que apresenta uma doce delicadeza em lidar com a matéria da experiência existencial de que fala”, por Heloísa Buarque de Holanda, Caio Fernando Abreu constrói universos diegéticos que questionam os padrões rígidos de gênero por meio da própria trama sígnica que estrutura a narrativa, como através de uma seleção lexical a um só tempo crua e lírica. Sua escrita encarna o cenário dessas histórias apresentando um trabalho cuidadoso com a comunhão das imagens, com o ritmo narrativo, com a concisão que caracteriza os contos breves. |
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CONCLUSÕES:
Segundo Fairclough, a análise de como a linguagem constrói a realidade social está voltada para a compreensão do papel do discurso em desafiar e reestruturar os sistemas de conhecimento e crença. Nesta perspectiva, a elaboração discursiva de identidades de gênero em Terça-feira gorda não só reflete como as identidades sociais estão mantidas, mas também estruturam essas identidades na medida em que as reafirmam ou as deslocam de um sentido comum, estereotipado. Dessa forma, o discurso é articulado a partir de uma teia “vocálica” ou do plurilingüismo que, em certa medida, recupera visões de mundo e posições ideológicas disseminadas e perpetuadas através das relações sociais de poder, criando um embate entre várias perspectivas discursivas. |
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Palavras-chave: literatura brasileira; conto; representação de gênero. | ||
Anais da 57ª Reunião Anual da SBPC - Fortaleza, CE - Julho/2005 |