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G. Ciências Humanas - 9. Sociologia - 7. Sociologia
A PARTICIPAÇÃO POPULAR NA EXPERIÊNCIA DOS CONSELHOS COMUNITÁRIOS DE DEFESA SOCIAL EM FORTALEZA: PARTICIPAÇÃO DEMOCRÁTICA?
Daniel de Oliveira Rodrigues Gomes 1 (dorg@baydenet.com.br) e Mônica Dias Martins 2
(1. Pós-graduando do Depto.de Ciências Sociais, Mestrado de Sociologia - UFC; 2. Profa. Dra. do Depto.de Ciências Sociais, Faculdade de Ciências Sociais - UECE)
INTRODUÇÃO:
No ano de 1997, após graves denúncias do envolvimento de bombeiros e policiais civis e militares em crimes como extorsão, assaltos, tráfico de drogas e armas, o então Governador do Estado Ceará, Tasso Jereissati, decide implementar uma ampla reforma estrutural na Secretaria de Segurança Pública e Defesa da Cidadania. Tal reforma visava não apenas “racionalizar” e “modernizar” o referido órgão, mas provocar uma “mudança de mentalidade” em seus representantes: significava sumamente modificar as práticas autoritárias das polícias, instituindo a “polícia cidadã”. Esta é a proposta dos Conselhos Comunitários de Defesa Social/CCDS, espaços onde os agentes de Segurança se reúnem com representantes comunitários para discutir ações relativas àquela área. O sentido dessa aproximação do Governo com setores específicos da sociedade civil (lideranças comunitárias) é fazer com que a força pareça apoiada no consenso da maioria; tenta-se dar um revestimento democrático e participativo ao aparato repressor estatal (detentor do monopólio legítimo da violência), pois ali se encontra o “calcanhar de Aquiles” do Estado Democrático Brasileiro: o legado autoritário potencializado pela Ditadura de 1964, que ameaça a hegemonia dos Governos pós-1988. Daí decorre a importância, para as Ciências Sociais, de investigar a noção estratégica de participação popular que é veiculada por meio do CDDS e como esta é apreendida pelos representantes comunitários.
METODOLOGIA:
Sendo as reuniões mensais os momentos principais da experiência dos Conselhos Comunitários de Defesa Social, foram acompanhadas, no ano de 2004, um total de seis reuniões numa das doze regiões da cidade de Fortaleza (Grande Água Fria) definidas pela Secretaria - cada uma delas compreendida por um conjunto delimitado de bairros. A observação dessas reuniões permitiu perceber os pontos relevantes dos discursos de agentes e conselheiros; anotados e sistematizados os dados discursivos - pois era proibido qualquer tipo de gravação -, foi possível compará-los às atas oficiais, documentos redigidos por policiais e encaminhados à Secretaria ao final de cada reunião. Vale ressaltar que tais dados foram constantemente relacionados a outros documentos da própria Secretaria (informativos, modelos de questionário e de editais), assim como a pesquisas anteriores de outros autores locais sobre a temática e a anotações próprias sobre o XI Encontro dos CCDS do Estado do Ceará (20/12/2003). Tal procedimento metodológico contribuiu, à luz da teoria de Gramsci - que apresenta conceitos como Estado amplo, hegemonia, revolução passiva, luta de classes, indispensáveis para pensar a política de forma dialética e não dicotômica -, para aprofundar o conhecimento sobre o objeto estudado.
RESULTADOS:
O discurso das autoridades de Segurança busca enfatizar, nas reuniões do Conselho, uma perspectiva de participação na qual os representantes comunitários devem basicamente denunciar crimes, estabelecendo limites às reivindicações de conselheiros que, em sua maioria, são advindos de comunidades periféricas. Em determinados momentos esses conselheiros incorporam o modelo de participação que lhes é imputado, chegando às vezes a delatar pessoas e, até mesmo, a cobrar uma postura truculenta dos policiais em tais casos - o que não deixa de ser uma representação significativa do aparato repressor estatal como um “carrasco” que deve julgar os indivíduos, e não como um instrumento legítimo de pacificação da sociedade. Por outro lado, os conselheiros formulam críticas àquele modelo participativo, percebendo não só os limites da experiência do CCDS, mas redefinindo a conexão entre os conceitos de Segurança Pública e participação popular: falar em Segurança e em participação ultrapassa o mero denunciar, uma vez que tais pontos não podem ser dissociados do contexto sócio-econômico e cultural - o que é recorrente nos discursos -, ou seja, ligados ao acesso aos direitos do cidadão - os quais transparecem como garantidos por lei mas não de fato.
CONCLUSÕES:
Em comparação com a riqueza crítica dos discursos dos conselheiros, as atas oficiais - cujo suposto objetivo seria a incorporação das demandas populares expressas nas reuniões do Conselho -, revelam-se atomizadas, pois privilegiam o aspecto das denúncias. Conclui-se, a partir dos dados levantados, que a noção de participação popular veiculada pelo Governo do Estado do Ceará, através do CCDS, significa participação formal, não decisória, apoiada num reconhecimento parcial das reivindicações das classes populares, ao mesmo tempo em que implica numa adaptação destas a espaços específicos e limitados de expressão, nos quais tais demandas são dissociadas do padrão de vida material e cultural, sendo, assim, reduzidas a informações técnico-operacionais pelo aparato repressor estatal. É importante frisar que essa pesquisa afastou-se de qualquer interpretação que afirme que o Estado-instituição busca cooptar a sociedade civil; pois ele pôde ser percebido como um instrumento para o exercício da hegemonia das camadas dominantes, não deixando de estar imerso numa teia relacional complexa e conflituosa.
Palavras-chave:  Participação; Estado amplo; Hegemonia.
Anais da 57ª Reunião Anual da SBPC - Fortaleza, CE - Julho/2005