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F. Ciências Sociais Aplicadas - 6. Planejamento Urbano e Regional - 1. Fundamentos do Planejamento Urbano e Regional | ||
DA CIDADE AO SERTÃO, DO SERTÃO À CIDADE: UMA CONSTRUÇÃO DE IMAGENS (SÉCULO XX – PRIMEIRAS DÉCADAS) | ||
Hélio Takashi Maciel de Farias 1 (solar@digizap.com.br) e Angela Lúcia de Araújo Ferreira 1 | ||
(1. Universidade Federal do Rio Grande do Norte) | ||
INTRODUÇÃO:
A região hoje identificada como Nordeste brasileiro, mais do que um recorte espacial, é uma idéia que foi sendo constituída ao longo do século XX, através de ações nas esferas política e cultural – frequentemente com uma relação muito próxima entre si, seja por motivos de idealismo ou meramente financeiros. É uma região de contrastes, espaciais e temporais, de anacronismos que foram alternativamente condenados ou exaltados pelos intelectuais, de acordo com sua formação e a convicções. O sertão, terra carente de água e de lei, é uma das mais importantes imagens associadas ao nordeste, pelo impacto visual e psicológico produzido pelas obras que o retratam – obras estas geralmente executadas por intelectuais, nordestinos ou não, que viajaram ao sertão e relataram em seus escritos os aspectos de suas jornadas que lhes pareceram mais relevantes. Este trabalho busca, através de uma análise que destaca as similaridades e diferenças entre tais relatos, considerando a realidade em que viveram os seus autores, entender como foi criada e transmitida a imagem do sertão nordestino para o público da cidade que teve acesso à sua leitura durante o século XX. Esta compreensão auxiliará a identificação das forças políticas e culturais interessadas na criação e consolidação da imagem estereotípica do sertão e do sertanejo, imagem que foi fonte de conceitos e preconceitos ao longo do século XX, e continua cristalizada ainda nos dias atuais. |
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METODOLOGIA:
Este trabalho insere-se em um projeto de pesquisa maior, denominado “Entre Secas e Cidades: Formação de Saberes, Práticas e Representações do Urbanismo”, vinculado ao grupo de pesquisa História da Cidade e do Urbanismo (HCURB) da base de pesquisa “Estudos do Habitat” da UFRN. Uma mesma bibliografia básica, que aborda o tema da história das secas no nordeste e seus efeitos sobre as cidades, é compartilhada com outros trabalhos do grupo. O presente estudo tem um enfoque específico sobre o aspecto das representações e do imaginário, elementos de grande relevância na definição das políticas públicas e no caráter das intervenções sobre o espaço e a sociedade. Além da revisão bibliográfica em busca de registros de viagens e descrições do sertão, foi realizado um levantamento de artigos nos exemplares da década de 1920 do jornal “A República”, órgão de imprensa oficial do estado do Rio Grande do Norte. Buscaram-se também dados sobre os autores de tais relatos, sua formação técnica e cultural e sua orientação política, formando-se um quadro geral dos registros encontrados que possibilitam uma comparação e análise dos textos. Na busca de artigos e livros, além de serem consideradas as obras nacionais de maior relevância, foi dedicada uma atenção especial aos autores norte-rio-grandenses e aos relatos que envolvem o sertão do estado, como a série “Pelo Sertão” de Garibaldi Dantas, e o artigo “Origens do Seridó”, de Adhemar de Medeiros, publicados no jornal “A República”. |
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RESULTADOS:
O primeiro relato de amplo alcance e profundidade que descreveu as terras e o povo do sertão foi o livro “Os Sertões”, de Euclides da Cunha (1902). Engenheiro por formação e jornalista de profissão, Euclides divulgou para o Brasil um relato de rigor científico sobre as condições geográficas do sertão nordestino, destacando o exotismo da paisagem, a dureza do clima que provoca alternadamente a aridez desértica da terra e a breve explosão de vida resultante das chuvas ocasionais. Descreve os tipos populares, de acordo com uma visão naturalista que privilegia a origem genética como determinante do comportamento do homem. Garibaldi Dantas, técnico e intelectual norte-riograndense, publica em 1922 sua série “Pelo Sertão”, com impressões do interior do estado, retratando-a não com estranheza, mas com deslumbramento ante a paisagem que acabara de ser renovada pelas chuvas. Em 1924, Adhemar de Medeiros escreve o artigo “Origens do Seridó”, no qual faz um breve resumo da ocupação do sertão do RN, relacionando o atual sertanejo aos bandeirantes dos primeiros séculos de colonização. Mário de Andrade, em sua “viagem etnográfica” (e fotográfica) ao nordeste, em 1928, relata ao Diário Nacional seus encontros com personagens populares e seu encanto com a vitalidade cultural do sertanejo. Em 1934, Câmara Cascudo acompanha o interventor Mário Câmara e uma equipe de técnicos em uma viagem ao sertão, detendo-se nas cidades, grandes e pequenas, e descrevendo os aspectos culturais da população. |
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CONCLUSÕES:
Constata-se que cada um dos autores, ao relatar suas experiências com o sertão, o faz de sua própria maneira, destacando pontos cuja divulgação melhor atendessem aos seus interesses. A diferença entre os relatos de Euclides da Cunha e dos autores nativos do Rio Grande do Norte é evidente: a impressão de desconforto e estranhamento no texto de “Os Sertões” é substituída por um esforço de esclarecimento e desmistificação nos textos posteriores. Nos textos dos autores locais, vê-se demonstrado o valor e o potencial do sertão e do sertanejo. Cascudo, eu seu relato “Viajando Pelo Sertão”, ao mesmo tempo em que cita as peculiaridades do dialeto sertanejo, justifica-as e defende-as como uma herança valiosa. Seu relato, assim como o de Mário de Andrade e o artigo de Adhemar de Medeiros, exalta as qualidades de resistência física e vitalidade cultural do sertanejo, indo contra o estigma de que estes seriam mestiços, e, portanto, intelectualmente inferiores. Cabe ressaltar que há uma distância temporal entre a realização de “Os Sertões” (1902) e das outras obras estudadas (décadas de 1920 e 1930), o que constitui um dos fatores responsáveis pela diminuição do estranhamento em relação ao sertão, com a menor distância relativa entre este e as cidades – dada a gradual melhoria das comunicações e transportes – e com as obras de combate às secas, fruto da mentalidade positivista que considerava a estiagem um obstáculo passível de superação pelo intelecto humano aplicado por meio da técnica. |
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Instituição de fomento: CNPq | ||
Trabalho de Iniciação Científica | ||
Palavras-chave: História Cultural Urbana; Imagens e Representações; Nordeste. | ||
Anais da 57ª Reunião Anual da SBPC - Fortaleza, CE - Julho/2005 |