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G. Ciências Humanas - 5. História - 9. História Social
MULHERES FILHAS E MÃES-DE-SANTO E SEUS MARIDOS DO FUNDO E DA TERRA: GÊNERO, IMAGINÁRIO E SENSIBILIDADE NO TAMBOR DE MINA MARANHENSE
Antonio Evaldo Almeida Barros 1 (eusouevaldo@yahoo.com.br), Francisca Lumara da Costa Vaz 1, Márcio de Oliveira Silva 1, Clarice Andrade Fonseca 1, Djalda Maracira Castelo Branco Muniz 1, Viviane de Oliveira Barbosa 1, Maria da Glória Guimarães Correia 1 e Sérgio Figueiredo Ferretti 2
(1. Depto. de História, Universidade Federal do Maranhão - UFMA.; 2. Depto. de Antropologia, Universidade Federal do Maranhão - UFMA.)
INTRODUÇÃO:
O estudo acerca do imaginário e das sensibilidades do passado e do presente que permeiam a vida de pessoas e grupos constitui um elemento que pode contribuir significativamente para a compreensão de suas histórias e experiências de vida. A historiadora Laura de Mello e Souza (1998, p. 125) analisa “as relações entre amor divino e amor demoníaco”, “relações místicas”, “casamentos divinos”, “uniões diabólicas”, dentre outros, na Época Moderna, destacando que episódios desse tipo “constituem objeto curiosíssimo, mas praticamente deixado de lado pelos historiadores da religião e da religiosidade popular”. No Maranhão, filhas e mães-de-santo do Tambor de Mina recebem diversos caboclos durante os rituais celebrativos dessa manifestação de religiosidade popular. Algumas dessas mulheres também mantêm relações com o que denominam de “marido do/no fundo” (em contraposição ao “marido da terra”). Neste trabalho, procuraremos analisar as relações entre filhas ou mães-de-santo e seus maridos do/no fundo e maridos da terra no Tambor de Mina maranhense, por uma dupla e interdependente perspectiva, entendendo-as, de um lado, como relações de gênero e, de outro, enquanto relações que evidenciam elementos do imaginário e sensibilidade, hipotetizando, desse modo, que a análise acerca dessas relações pode nos levar a traçar um perfil da história e vivência daquelas mulheres.
METODOLOGIA:
Os conceitos de gênero, imaginário e sensibilidade, pensados interativamente, balizam este trabalho, que se apóia na história oral. As relações entre o masculino e o feminino, com todas as tensões e revelações que demandam e questionam tanto as concepções de natureza como as de cultura, convém de uma maneira particular ao patamar na discussão recente nas Ciências sociais e na História. Ainda que haja uma certa resistência em relação à utilização da pesquisa oral, vendo a subjetividade como perda e fantasia, é preciso considerar a relevância desse tipo de pesquisa, afinal a subjetividade pode também ser considerada como ganho: é quem produz o testemunho vivo. Ora, cada pessoa é como uma maquete de sua sociedade e de seu tempo. No caso da manifestação afro-brasileira em foco, acreditamos que este tipo de método se torna ainda mais válido se entendermos que é sobretudo pela via da oralidade que suas tradições e identidades são construídas. Entrevistamos mulheres (uma filha e duas mães-de-santo do Tambor de Mina) que nos falam de sua particular vivência com seus maridos no fundo. Em 2003, conversamos com as mães-de-santo Alzira Silva Gomes e Maria Ferreira Ribeiro ambas, na época, com 62 anos e morando na cidade de Santa Helena na Baixada Ocidental Maranhense, a aproximadamente cinco horas de São Luís. Entrevistamos em 2004, a filha-de-santo Francisca dos Santos Sousa, que mora em São Luís. Além dessas entrevistas, dialogamos com diversas outras filhas e mães-de-santo do Estado.
RESULTADOS:
No Tambor de Mina, são cultuadas e recebidas, em transe, entidades espirituais africanas (voduns e orixás) e entidades espirituais que começaram a ser conhecidas pelos negros do Brasil (gentis e caboclos). No caso da história dos caboclos no Tambor de Mina, geralmente começa num tempo não primordial, pouco determinado, misturando-se com relatos históricos de épocas e lugares longínquos, continuando na atualidade, com ações por eles realizadas nos terreiros (incorporados). As categorias enunciadas pelas informantes, “marido do fundo” e “marido da terra”, apontam, certamente, para a presença de elementos ameríndios na tessitura de seus imaginários e sensibilidades. As mulheres entrevistadas salientam que “muitos maridos no fundo não se unem com o da terra. Muito marido da terra não quer que sua mulher siga naquilo” e que muitas doenças que a mulher mãe-de-santo tem se devem a esse tipo de briga de maridos. Para elas, o marido da terra que não aceita o do fundo “está errado, porque é um dom que Deus dá”. Desse modo, segundo elas, é muito importante que os dois maridos se unam. “Urubatã”, esposo do fundo de dona Maria do Carmo, “é um príncipe”. Ela conta que quando tinha 34 anos, seu marido (da terra) morreu. Nessa época, apareceram-lhe “muitos pretendentes, e de condição! Mas Urubatã não deixava”. Segundo essas mulheres, para que o marido do fundo não interfira na vida conjugal é preciso que haja um acompanhamento do marido da terra nas “obrigações” da esposa.
CONCLUSÕES:
A leitura de mundo feita por essas mulheres aponta para uma visão de mundo para além da percepção dualística cristã ocidental. Os terreiros e as pessoas que lhes dão alma, de modo geral, constituem um espaço de oralidade no qual percebemos uma certa herança da tradição oral africana, em que diferentemente da mentalidade cartesiana ocidental, o espiritual e o material não estão dissociados, uma noção de cultura que se liga ao comportamento cotidiano do homem e da comunidade; oralidade compreendida não como a ausência de uma habilidade (a escrita), mas como uma atitude diante da realidade. As relações daquelas mulheres tanto com um marido quanto com outro, são parte dinâmica de seu universo cotidiano e afetivo, são experiências cotidianas que lhes imprimem um sentido na vida, que chegam mesmo a agir diretamente na tomada de decisões em sua história. O imaginário rompe com as fronteiras do tempo e espaço e, em sua lógica própria, as divindades são construídas a partir das experiências sociais, não havendo distinção entre a essência da divindade, como ser existente e participante do cotidiano social, e a noção de estar no mundo dos mortais. Aqui, o espiritual e o material imbricam-se na teia de conformação de sua existência; o espaço etéreo da mística e da religião está associado ao mundo concreto da vida, oferecendo-nos um painel das sensibilidades e da mentalidade dessas pessoas e de suas práticas religiosas, mas também da sociedade, de modo geral, na qual elas estão inseridas.
Trabalho de Iniciação Científica
Palavras-chave:  Filhas e mães-de-santo; imaginário; gênero.
Anais da 57ª Reunião Anual da SBPC - Fortaleza, CE - Julho/2005