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H. Artes, Letras e Lingüística - 4. Lingüística - 5. Teoria e Análise Lingüística
Um Estudo Enunciativo sobre identidade: Uma Identidade Misturada
Gabriele de Souza e Castro Schumm 1 (schumm@ielunicamp.br)
(1. Unicamp)
INTRODUÇÃO:
A história nos mostra através de alguns acontecimentos que a língua é muito mais que uma combinação de sinais que fixa um conteúdo desvinculado das condições em que se dá uma enunciação. Seu funcionamento está sempre afetado pela história, pelo social e pelo político. O poder que a língua exerce sobre os falantes é facilmente notado, mesmo na ausência de problemas políticos significativos. Países oficialmente monolíngües, como o Brasil, determinam qual língua será usada em território nacional. Definida a língua nacional, os falantes para se constituírem como cidadãos, como sujeito-de-direito do país, se vêm na obrigação de enunciar deste lugar, determinando assim uma língua una para uma nação. Nesse sentido, aqueles que se recusam ou não conseguem falar a língua do Estado e, por isso, não se colocam dentro desta homogeneidade, se definem como excluídos da sociedade, ratificando, assim, a importância da língua dentro da organização social do Estado. A questão do poder político da língua se manifesta tanto a nível nacional, com as questões dialetais, como entre países em sua busca de criar uma identidade através da língua. Este trabalho procura entender como o político se manifesta na língua, analisar a questão do político na relação entre as línguas e a constituição da identidade dos falantes por meio dela.
METODOLOGIA:
A coleta de dados foi feita em duas cidades do Paraná, Entre Rios e Witmarsum, cidades com significativa concentração de descendentes de alemão a fim de aventar a mistura das línguas, português e alemão na fala de seus moradores. As entrevistas foram feitas em alemão com moradores de faixa etária variadas. Apesar de fazer uso de alguns princípios da metodologia laboviana, marco minha filiação teórica me afastando da teoria como um todo ao considerar na prática intersubjetiva da entrevista a presença do locutor, na figura da entrevistadora, e do interlocutor. Outro lugar de afastamento das formulações de Labov está na elaboração de perguntas acerca da relação dos entrevistados com as línguas alemão e português. Ao indagar sobre o papel e o lugar das línguas nas cidades pesquisadas, abandono de vez a questão colocada pelo Paradoxo do Observador, formulado por Labov. Questionar sobre as línguas significava, para mim, entender a relação dos falantes com as línguas e assim caracterizar o espaço de enunciação das cidades. Essa marcação se deu quando ao enunciar o interesse em gravar alguns dados com alguns moradores, falo de um determinado espaço enunciativo, o brasileiro, vez que a questão do espaço público também significa o espaço enunciativo no qual a entrevista se dá.
RESULTADOS:
Os moradores das cidades falam um alemão entrecruzado pelo português. O entrecruzamento das línguas configura a forma como as cidades alemãs pesquisadas são afetadas pelo Brasil. O falante bilíngüe neste espaço é um falante das línguas alemã e portuguesa, sendo esta última a língua que regula o espaço de enunciação e atravessa o alemão. Há três tipos de dados que foram analisados: A.) Pergunta em alemão resposta em português; B.) Pergunta em português, resposta em alemão com traços lexicais ou expressões em português; e C.) Pergunta em alemão, resposta em alemão atravessado por elementos estruturais do português. Em cada uma dessas cenas é distinta a relação dos falantes com as línguas e esta se configura de um modo particular em cada uma delas. Mesmo com uma configuração específica para cada uma das cenas, é o português que regula a relação dos falantes com o alemão. Que falante é esse então? É um falante bilíngüe. O falante neste espaço de enunciação é um falante de duas línguas, em que uma é o português e a outra, um alemão, afetado pelo português. Essa relação das duas línguas e dos falantes se configura nas cenas enunciativas em que os locutores das cenas se define pela língua que fala. Ele se divide em um falante de português (FP) e um falante de alemão (FA). O alemão deste FA tem um diferencial. A língua que o FA fala é um alemão específico que está atravessado pelo português nos seus mais diversos níveis, como pode ser constatado nas cenas já apresentadas.
CONCLUSÕES:
Como a constituição destes sujeitos bilíngües não é nem somente brasileira, nem somente alemã, a língua misturada os significa enquanto “alemães brasileiros” e “brasileiros alemães”. Este lugar alemão no Brasil significa o modo como a “mistura” das línguas se dá para estes “alemães brasileiros”, o alemão neste espaço de enunciação determina o falante alemão que significa a “mistura” na sua relação com a Alemanha e dessa forma essa relação se configura como lugar da exclusão da identidade alemã, uma vez que falar um alemão atravessado pelo português significa para eles uma perda dessa identidade alemã que é tão defendida. Contudo, é esse lugar da exclusão que constitui os falantes como alemães, “alemães brasileiros”, já que é na relação das línguas português e alemão que esta variedade do alemão “misturado” opera a configuração política de língua definida por Guimarães (2002a), pois temos aí o confronto de duas historias produzidas pela designação de “mistura”: a brasileira na qual a miscigenação é o lugar em que o brasileiro se constitui e a história alemã. Assim o alemão falado por estes moradores não é mais o alemão, trazido da Alemanha. A língua trazida para o Brasil com a imigração se distancia do Estado alemão e se firma como uma língua de memória histórica e como língua da identidade desses descendentes. Ao enunciar em alemão, estes sujeitos falantes marcam seu lugar não somente enquanto “alemães”, mas “alemães brasileiros”.
Instituição de fomento: CAPES
Palavras-chave:  IDENTIDADE; ESPAÇO DE ENUNCIAÇÃO; POLÍTICA DE LINGUAS.
Anais da 57ª Reunião Anual da SBPC - Fortaleza, CE - Julho/2005