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H. Artes, Letras e Lingüística - 4. Lingüística - 5. Teoria e Análise Lingüística | ||
O PROCESSO DE RECATEGORIZAÇÃO EM POEMAS | ||
Vicência Maria Freitas Jaguaribe 1 (vmjaguaribe@baydenet.com.br) e Mônica Magalhães Cavalcante 2 | ||
(1. Depto. de Língua Portuguesa, UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ - UECE; 2. Depto. de Letras Vernáculas, UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ - UFC) | ||
INTRODUÇÃO:
Esta pesquisa tem como objetivo analisar os processos de recategorização explícita e implícita em poemas da literatura brasileira. Apesar de a recategorização dos referentes ser uma prática constante nos textos poéticos e contribuir para a construção dos seus diferentes sentidos, não se costuma ler esses textos considerando esse enfoque, o que deixa uma lacuna na sua abordagem. Partimos do pressuposto de que a língua é um lugar de interação e que o ato de referir, ou de estabelecer relação entre uma expressão lingüística e algo selecionado no mundo real ou conceitual, dá-se discursivamente, demandando um processo ao mesmo tempo cognitivo e lingüístico. Como o ato de referir implica categorizar os objetos-do-mundo e transformá-los em objetos-de-discurso e como tanto as categorias cognitivas quanto as lingüísticas são instáveis, esse ato reveste-se de um caráter de negociação entre locutor e interlocutor, num processo discursivo durante o qual as referências são reorientadas, refocalizadas e redefinidas. Dá-se, então, enquanto dura o ato comunicativo, um trabalho de categorização e de recategorização cognitiva revelado nas expressões referenciais que se manifestam na superfície textual. É nessa perspectiva que se colocam os trabalhos sobre referenciação de estudiosos como Mondada e Dubois (2003); Apothéloz e Reichler-Béguelin (1995); Whiteside (1987); Koch e Marcuschi (1998); Cavalcante (2000) e Tavares (2003), pelos quais nos pautamos. |
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METODOLOGIA:
Para levarmos a efeito esta pesquisa, selecionamos um corpus de 80 poemas da literatura brasileira moderna e contemporânea, tendo como critérios a delimitação da época (do Modernismo até o período atual) e a diversidade de autores. Os textos compõem o corpus do projeto integrado desenvolvido na UFC pelo grupo de estudos Protexto, do qual participamos. Na primeira etapa do trabalho, identificamos, nos poemas, os processos de recategorização relevantes para a construção dos significados. Na segunda etapa, refletimos sobre os valores referenciais e atributivos das expressões recategorizadoras e verificamos que outros recursos lingüísticos, além das expressões referenciais, ajudam a promover a recategorização de um referente. Para levarmos a efeito essas duas etapas da pesquisa, baseamo-nos nos estudos de Mondada e Dubois (2003); Apothéloz e Reichler-Béguelin (1995); Whiteside (1987); Koch e Marcuschi (1998); Cavalcante (2000) e Tavares (2003). Por fim, analisamos o jogo de vozes que, via recategorização, se estabelece no texto poético. Esta parte do trabalho amparou-se nos estudos sobre heterogeneidade discursiva de Authier-Revuz (1990), e sobre intertextualidade, de Piégay-Gros (1996). |
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RESULTADOS:
A análise dos poemas selecionados para compor o corpus desta pesquisa mostrou que as recategorizações não se dão somente por expressões referenciais. Constatamos que qualquer palavra ou expressão – referencial ou atributiva – que modifique o estatuto de um objeto-de-discurso pode ser tomada como recategorizadora. Outra constatação a que chegamos é a de que a recategorização não se dá somente por anáforas correferenciais, embora estas tendam a ser o principal mecanismo do ato de recategorizar. Ela se dá também por anáforas indiretas meronímicas, que podem atualizar um elemento referencial de acordo com o objetivo comunicacional do locutor. Por fim, confirmamos, acatando a tese de Apothéloz e Reichler-Béguelin (1995), que uma das funções do processo de recategorização vem a ser a introdução no discurso de uma outra voz, que pode confirmar a voz do locutor ou vir a opor-se a ela. Essa outra voz, no discurso poético, embora se manifeste, às vezes, de maneira explícita, costuma aparecer mais freqüentemente de maneira velada, constituindo mais um processo de sugestão ou de alusão. |
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CONCLUSÕES:
Entender que as atividades de categorização têm dimensão discursiva é entender o conhecimento como construído socialmente. Categorizar constitui, portanto, um processo. Nessa perspectiva, não se fala mais em objetos do mundo, mas em objetos-de-discurso, isto é, objetos construídos progressivamente no e pelo discurso, e para o discurso (cf. Mondada e Dubois 1995). São os interlocutores que, interagindo socialmente, constroem esses objetos, podendo o locutor fazer acréscimos, supressões e modulações às expressões referenciais, tendo em vista suas intenções comunicacionais. Daí dizer Apothéloz (1995, p. 227) que os objetos-de-discurso não existem antes da atividade cognitiva e interativa dos sujeitos falantes. Por outro lado, as negociações discursivas que se dão em poemas são mais audaciosas do que as que se dão fora da literatura. No texto literário, encontra-se, mais do que em qualquer outro texto, uma tendência às reformulações dos referentes. Nele, mais do que em outros textos, por meio das recategorizações, os sentidos, que ilusoriamente parecem estáveis, são trabalhados e retrabalhados, desestabilizados; e mais ainda porque os referentes se constroem ambiguamente dentro do mundo ficcional, criando-se uma rede de relações que o leitor tem que reconstruir para poder dar coerência ao que lê. |
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Palavras-chave: recategorização; anáfora; contexto literário. | ||
Anais da 57ª Reunião Anual da SBPC - Fortaleza, CE - Julho/2005 |