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F. Ciências Sociais Aplicadas - 4. Direito - 6. Direito do Estado
OS ACAMPAMENTOS E ASSENTAMENTOS DO MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM-TERRA COMO TERRITÓRIOS PRIVILEGIADOS PARA A CONSTRUÇÃO DE UM NOVO PARADIGMA POLÍTICO-JURÍDICO.
Larissa Ambrosano Packer 1 (laricapacker@yahoo.com.br) e Antônio Alberto Machado 2
(1. Faculdade de História, Direito e Serviço social, Universidade Estadual Paulista - UNESP/Franca; 2. Curso de Direito da Unesp/Franca)
INTRODUÇÃO:
O estudo parte de dois constantes debates travados na sociedade brasileira: a descrença popular nas possibilidades do direito oficial, e a existência de um pluralismo jurídico. O primeiro resulta da incapacidade do direito liberal em proporcionar soluções adequadas para os conflitos sociais e, principalmente, por este não refletir os interesses da maioria da população, já que é instrumento incorporador dos interesses da classe dominante, que detém grande parte do poder legislativo; o outro parte de uma multiplicidade de práticas jurídicas verificadas num mesmo espaço sócio-político. Afirmar o pluralismo jurídico como um fato, através da constatação de diversas normatividades extra-estatais, que convivem com a juridicidade formal, significa já partir da desmistificação do monismo de um Estado detentor do monopólio da produção e distribuição do direito. Assim, não se quer discutir a existência dessas diversas manifestações, mas verificar espaços em potencial para a produção de direitos. Para tanto o estudo teve como objetivo pesquisar o surgimento de uma juridicidade construída no seio de um movimento social, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), tendo como estudo de caso o acampamento “Salete Strozake” e o pré-assentamento “Mário Lago”, na região de Ribeirão Preto-SP. Desta forma, a pesquisa tentou verificar se estas realidades realmente são materializações de territórios privilegiados para construção de novos direitos, de um outro paradigma político-jurídico.
METODOLOGIA:
Embora não possa ser omitida a utilização dos métodos dedutivo - uma vez que se partiu de uma corrente teórica, o pluralismo jurídico - e indutivo - devido às conclusões a partir do estudo de caso -, o método que rege o presente estudo é o dialético. Isto porque houve constante confronto entre os dados teóricos e empíricos, num movimento de ir e vir entre teoria e prática, sempre a partir de uma perspectiva crítica quanto à teoria monista vigente e seu modelo jurídico-processual, à pretensa neutralidade da lei, e ao próprio estudo, exercendo a autocrítica inerente ao método dialético. A pesquisa desenvolveu-se em duas fases: a bibliográfica, baseada na investigação de legislação, jurisprudência, periódicos (não apenas os de grande circulação), doutrina, fontes nos sítios da internet, livros e documentos jurídicos e não jurídicos (como o estatuto dos acampamentos); a segunda fase constituiu a pesquisa de campo no Acampamento “Salete Strozake”, na cidade de Batatais, e no pré-assentamento “Mario Lago”, na cidade de Ribeirão Preto. Nesta etapa foram realizados os seguintes procedimentos: a) entrevistas com acampados e seus familiares não acampados, moradores das periferias de ambas as cidades, integrantes da Federação dos Empregados Rurais Assalariados do Estado de São Paulo (FERAESP), membros da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), policiais militares; b) observação não participante nas assembléias, reuniões e cursos de formação político-cultural do MST.
RESULTADOS:
Observou-se que hoje existem 600 famílias no pré-assentamento “Mário Lago”. Este número veio sofrendo variações de acordo com as decisões judiciais nas ações possessórias. Uma reação como a reintegração de posse, por exemplo, materialmente implica no despejo de todas essas famílias da área ocupada, o que ocorreu por quatro vezes com o então acampamento “Mário Lago” chegando a 80 famílias apenas. Tal evasão ocorreu porque muitos não suportaram a instabilidade com relação à moradia, à educação dos filhos, à alimentação, e por temerem a violência comumente utilizada pela polícia militar nesses procedimentos. No início do ano foi presenciada a reintegração de posse na cidade de Batatais, em que houve abuso de autoridade e lesão corporal. Esta conduta truculenta reduziu o acampamento “Salete Strozake” a cinco famílias. A reestruturação dessas famílias só vem sendo atingida pelo intenso trabalho de formação política do MST. É notável, não só nos estudos de caso, mas nos acampamentos em geral do MST, a dificuldade dessas famílias, que vêm em sua maioria da periferia dos centros urbanos, em lidar com o sistema de concessão de uso e não a divisão em lotes feita pelo INCRA. Tal dificuldade demonstra que há uma transição de valores e princípios de uma sociedade tida por competitiva e individualista para relações mais cooperativas e coletivas, criadas e incentivadas dentro dos acampamentos e assentamentos, através de diversos tipos de cooperativas estabelecidas nestes, por exemplo.
CONCLUSÕES:
Conclui-se que os acampamentos e assentamentos do MST mostram-se territórios privilegiados para a construção de novos direitos impulsionados principalmente pela incapacidade do ordenamento estatal, especialmente pelo caráter idealista e distanciada do rito possessório, em garantir a efetivação de seus direitos fundamentais. Desta forma, através das ocupações de propriedades que não cumprem sua função social, o movimento propõe uma interpretação diferenciada do texto constitucional, condiciona o direito à propriedade ao dever da mesma em cumprir sua função social, só havendo propriedade se esta cumprir sua produtividade social. Diante de tal interpretação, o movimento legitima a ocupação de terras como direito, que por não compor o rol de normas estatais, são práticas criminalizadas pelo Estado. Assim, constata-se que a relação entre o direito estatal e a normatividade alternativa é de confronto dialético, tendente à superação. Viu-se que os acampamentos e assentamentos produzem práticas sócio-jurídicas capaz de expressar os princípios distintos e até opostos aos típicos da sociedade capitalista, um ordenamento jurídico extra-estatal realmente plural, que busca uma democracia materialmente efetiva na construção de um “novo homem” e de uma “nova mulher”. Para tanto é fundamental que o Estado reconheça o fato da plurinormatividade, assim como a potencial produção de direitos pela sociedade civil, o que implica na contestação da doutrina monista que rege os Estados ocidentais.
Trabalho de Iniciação Científica
Palavras-chave:  pluralismo jurídico; sociedade organizada; Estado e Sociedade.
Anais da 57ª Reunião Anual da SBPC - Fortaleza, CE - Julho/2005