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G. Ciências Humanas - 8. Psicologia - 11. Psicologia Social
SAUDADES DA MATA QUEIMADA: NARRATIVAS DE LUTA EM BUSCA DO BEM-VIVER NA CULTURA DOS ÍNDIOS TAPEBA
Renata Rocha Barreto Giaxa 1 (renatarocha@hotmail.com)
(1. Depto. de Psicologia, Mestrado em Psicologia, Universidade de Fortaleza - UNIFOR.)
INTRODUÇÃO:
Cursando a disciplina de Estudos em Psicologia Cultural e Educação, parte do programa do Mestrado em Psicologia da Universidade de Fortaleza, recebemos a tarefa, no ano de 2004, de realizar uma pesquisa do tipo etnográfica em alguma das comunidades indígenas do estado do Ceará. Dentre as tribos sugeridas, optamos em investigar os Tapeba que ocupam as margens da rodovia BR 222 (Fortaleza-Terezina), no município de Caucaia. São aproximadamente 1000 índios, vivendo em diferentes comunidades, divididas por localidades, nem todas elas perto da rodovia – Vila Nova, Ponte, Água Suja, Capoira, Trilho, Lagoa I, Lagoa II, Cutia, Lamarão e Jandaiguaba. A comunidade dos Tapeba a qual nos referimos é carente e enfrenta necessidades básicas de saneamento, iluminação e limpeza pública. As condições de miséria nas quais se encontram os índios Tapeba já foram abordadas por outros autores (BARRETTO FILHO, 1992; AIRES, 2000), que chegaram a comentar sobre o descaso do governo e das políticas públicas frente à decadência da cultura indígena no Ceará. Dentro desse contexto, procuramos desenvolver uma etnografia centrada na pessoa, na qual o foco gira em torno da busca do “bem-viver” no contexto indígena cearense. Dessa forma, procuramos concentrar nossas atenções em uma das personagens imersas no contexto descrito, Mocinha, para que fosse possível analisar culturalmente a realidade desse povo e levantar possíveis questões e reflexões sobre as condições encontradas.
METODOLOGIA:
Optamos por uma abordagem qualitativa de pesquisa já que pretendemos trabalhar aqui com valores, opiniões, representações, crenças e outras categorias que implicam fenômenos complexos e subjetivos. Procuramos conhecer a história de uma índia, Mocinha, de 48 anos, descendente direta dos Tapeba, buscando compreender e estabelecer possíveis relações entre suas estórias de vida, a cultura que as perpassa, suas produções artísticas e sua busca pelo “bem-viver”. Para que realizássemos uma pesquisa do tipo etnográfica - possibilidade de investigação dentro de uma abordagem qualitativa - dois passos foram fundamentais: o primeiro consistiu em estar implicado no campo sem deixar, contudo, de perder o olhar de etnógrafo; o segundo tratou da descrição detalhada do contexto, que teve de ser exaustiva e densa (WOLCOTT, 1995). Durante os trinta dias de pesquisa de campo, fizemos uso de alguns dos instrumentos da etnografia, como o diário e as notas de campo, a gravação de entrevistas e a fotografia, para que os dados fossem coletados amplamente e uma descrição etnográfica fosse construída, visando posterior análise. A consulta de documentos se restringiu aos adornos pessoais, fotos da família da informante, artigos e dissertações publicadas sobre a comunidade. Pretendemos, então, através desse estudo, construir uma descrição da cultura na qual a informante se insere, tomando os devidos cuidados para que esta cultura não fosse subjugada pela personalidade e pela estória pessoal da mesma.
RESULTADOS:
Apesar de viver em uma casa de alvenaria, com tudo aquilo que essencialmente é necessário para a sobrevivência de uma família, Mocinha fala sobre a saudade da Mãe Terra. Durante toda a sua narrativa, são diversas as passagens em que a luta pelas terras e a injustiça do homem branco aparecem em sua voz. Os Tapeba vêm sendo expropriados de suas terras por vários mecanismos de troca desigual, e acabaram sendo levados a ocupar domínios da União e a residir em bairros do perímetro urbano da cidade num movimento de decadência da cultura indígena, sendo comparados a “farrapos humanos”, nem índios, nem cidadãos (BARRETTO FILHO, 1992). Ao passo que o índio se aproxima da cidade, manter-se diferente e puro em meio ao convívio urbano não parece algo fácil. O índio quer a Mãe Terra para poder manter as suas tradições de pesca, caça e reconquistar sua liberdade, ao mesmo tempo, ele tem TV em casa, deseja um carro, alimenta e cria seus filhos com produtos industrializados e compra adornos de “branco” para ficar “bonito”. A Escola Diferenciada, originalmente criada pelos Tapeba, ainda longe da idealizada por Mocinha, vem buscando conscientizar o índio acerca de sua luta constante pelos direitos sociais que lhe cabem e, ainda, procurando valorizar os costumes, os modos de vida e a cultura indígena, resgatando suas raízes também por meio da arte - o artesanato, a dança, a música e seus rituais (Toré). Enquanto canta suas composições, Mocinha narra com emoção a dor e a beleza de seu povo.
CONCLUSÕES:
A eterna luta por terras, que se dá entre brancos e índios pode ser ainda conseqüência da dificuldade que os homens têm em assimilar as diferenças, buscando extirpar de qualquer maneira o “diferente mais fraco” (DIAS e GAMBINI, 1999). Quando canta, Mocinha traz a força de sua identidade e uma réstia de “bem-viver” escondida em seu passado. Pensamos que uma educação pela arte poderia contribuir para que o índio entrasse em contato com outras dimensões de sua existência, e pudesse resgatar suas experiências antepassadas, preenchendo, dessa forma, vácuos deixados em sua identidade cultural. Contudo, o desenvolvimento dessas atividades artísticas em questão não deveria se tratar tão somente de um fazer por interesse mercadológico – que implica a própria sobrevivência -, mas do manifesto de almas silenciadas contra a indiferença (idem, 1999). A partir de então, questionamo-nos: até que ponto os próprios índios têm consciência da força de sua arte? Se é possível valorizar uma cultura pela identidade da arte que ela produz, por que a necessidade crescente em “adaptar” a arte do índio ao nosso mercado de “brancos”, engolindo as manifestações de uma cultura? Talvez, propiciar o resgate da identidade do índio seja libertá-lo. E por que não fazê-lo? Teríamos medo de ouvir a verdadeira voz do índio? Talvez estejamos apenas evitando olharmos para nós mesmos, para aquilo que originalmente somos, por puro medo de nos apaixonarmos por nossas raízes e torná-las parte de nós.
Palavras-chave:  cultura indígena; psicologia social; etnografia.
Anais da 57ª Reunião Anual da SBPC - Fortaleza, CE - Julho/2005