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H. Artes, Letras e Lingüística - 3. Literatura - 1. Literatura Brasileira
CARNAVALIZAÇÃO E DRAMATURGIA: GIL VICENTE E ARIANO SUASSUNA
Leila Maria de Araújo Tabosa 1 (leilatabosa@ig.com.br), Denise Araújo Correia 1, Paulo César de Lima 1 e Sylvia Coutinho Abbott Galvão 1
(1. Depto de Letras, Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN)
INTRODUÇÃO:
Em nosso estudo verificaremos como a construção da linguagem nO Auto da Barca do Inferno (Gil Vicente) e nO Auto da Compadecida (Ariano Suassuna), tanto na fala das personagens quanto na própria trama, se iguala visando um mesmo objetivo: recriar o cotidiano das classes sociais. Mesmo essas obras estando separadas por séculos, elas possuem várias características em comum, além da linguagem como já citamos, que as tornam muito semelhantes. Essas semelhanças não autorizam dizer que a segunda obra é simplesmente uma imitação da primeira, não! Em literatura, toda criação inspirada em uma outra, nunca será totalmente igual àquela que lhe serviu de modelo, mas surgirá algo novo e autônomo. Isso ocorre em virtude do que Aristóteles, em sua Arte Poética, denomina de mímese, processo esse, responsável por recriar o mundo real e não fazer apenas uma cópia.
É também fundamental um estudo aprofundado e uma leitura intertextual entre as duas peças mencionadas acima, norteando as categorias e particularidades da cosmovisão carnavalesca e/ou teoria da carnavalização, além de trazer o gênero textual 'auto' na modernidade, o qual possui a mesma temática religiosa advinda da tradição da cultura portuguesa do teatro medieval.
A importância desse estudo é mostrar que o riso também é objeto de reflexão, para que o leitor vá além do humor e reflita acerca das críticas abordadas de maneira irreverente.
METODOLOGIA:
O estudo em questão visa estabelecer o uso da teoria da Carnavalização, contida em Problemas da poética de Dostoievski de Mikhail Bakhtin aplicada aos autos utlilizados como corpus (O auto da barca do inferno e O auto da compadecida) compreendendo a assimilação da influência folclórico-carnavalesca, seja no plano antigo ou medieval. Sendo reconhecida pela liberdade de ação e de linguagem do homem com o mundo e consigo mesmo, a cosmovisão carnavalesca expõe-se considerando categorias e particularidades do gênero cômico-sério, tais como: o livre contato familiar entre os homens, afirmando que essa proximidade, desconsidera quaisquer barreiras financeiras ou sociais, antes intransponíveis; a familiarização, ou seja, a livre relação familiar, que permite a união de valores antagônicos, combinando-os: o sagrado com o profano, o grandioso com o insignificante; a aproximação de heróis, mitos, personagens históricos da nossa realidade: há em nosso convívio diário, uma aproximação familiar com seres, antes inatingíveis; não se baseia em lendas e nem se consagra através delas, mas sim na fantasia livre e, na maior parte dos casos, o tratamento a lendas e mitos é crítico.
RESULTADOS:
O riso é instaurado em ambas as histórias, fazendo perceber as denúncias feitas pelos autores. Há uma inversão de valores no que diz respeito à criação dos personagens nos textos. No texto vicentino, o frade “namora” e mostra apego pelas coisas materiais e é sabido que essas atitudes ferem as normas do Cristianismo. Na obra ariana, também a traição quanto aos preceitos cristãos, pois o padre e o bispo estão abusando do poder que lhes foi dado, para obterem lucros financeiros, e mostram-se subservientes aos coronéis. As críticas e as denúncias que os autores fazem contra a sociedade por meio do gênero cômico-sério, levam os espectadores a se inteirarem de assuntos polêmicos veiculados através do riso. Isso se torna possível por meio de toda essa configuração feita pela cosmovisão carnavalesca que expõe a situação e conscientiza pelo riso, fazendo esses espectadores observarem o cunho moralista do texto sem se chocarem frente a tal situação.
Os locais de julgamento nas duas obras também indicam o grau de concessão e aproximação entre as instâncias infernal e celeste: no Auto da compadecida, as personagens são julgadas no céu, onde se encontram o Diabo, Jesus e Maria, enquanto que, no Auto da barca do inferno, o julgamento ocorre em um porto imaginário, mas só o Anjo julga, pois é intermediador entre Deus e as pessoas. As composições de cenário e de personagens juntamente com o desenrolar da história constituem o aspecto popular, moral e religioso-alegórico da obra.
CONCLUSÕES:
A Carnavalização da literatura tornou-se, assim, um recurso bastante oportuno nas mãos hábeis de escritores de diferentes épocas e estilos literários, como vimos em relação aos autores aqui apresentados: Gil Vicente e Ariano Suassuna. Este recurso também está presente no Barroco, que até hoje é um dos mais importantes estilos literários. A cosmovisão carnavalesca evidencia com grande intensidade e por meio da aproximação em um mesmo plano de relevância seres e coisas antagônicas, além dos exageros descritivos em sua linguagem. Vê-se, assim, que a teoria bakhtiniana atravessa o tempo e os estilos literários, dotando os escritores de uma espécie de proteção, pois eles fazem suas críticas e denúncias morais contra a sociedade corrupta, de tal forma que eles ficam isentos de qualquer responsabilidade perante aqueles que são desmascarados. Tudo isso só é possível exatamente, por causa da Carnavalização que permite a esses escritores a articulação do riso para veicular tais críticas e denúncias. O objetivo principal da Carnavalização não é o riso, mas sim a conscientização. Quando os escritores a utilizam, eles buscam conscientizar os homens para que estes assumam uma nova postura frente à vida e tornem-se alguém melhor. Assim, aqueles que forem hábeis leitores ou espectadores perceberão o que está por trás do riso, enquanto aqueles “desatentos” continuarão na superfície, ou seja, apenas no nível do riso.
Palavras-chave:  carnavalização; carnaval; ação.
Anais da 57ª Reunião Anual da SBPC - Fortaleza, CE - Julho/2005