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F. Ciências Sociais Aplicadas - 9. Comunicação - 8. Comunicação
FORMAS DE APROPRIAÇÃO E USO DA RÁDIO AWAETÉ MBARETÉ POR INDÍGENAS GUARANI-KAIOWÁ EM DOURADOS - MS
Marilia Rodrigues da Silva 1 (marilia.r@gmail.com) e Nilton José dos Reis Rocha 1
(1. Faculdade de Comunicação e Biblioteconomia, Universidade Federal de Goiás - UFG)
INTRODUÇÃO:
Este trabalho consiste na primeira análise dos dados coletados em um trabalho de campo realizado em fevereiro de 2005, que pesquisou a experiência radiofônica em curso no Posto Indígena (PI) de Dourados, MS. Se trata da FM Awaeté Mbareté (em guarani-kaiowá, “índio inato tem poder”), de caráter comunitário, que funcionou entre agosto de 2002 e agosto de 2004.
A rádio se origina de um projeto de combate à DSTs, mas sua apropriação pela comunidade lhe deu outros sentidos. Eram veiculados programas nas línguas originais e em português, musicais, notícias, programas de saúde e religiosos, tudo produzido por indígenas. A emissora se tornou um espaço de convergência de informações, troca de conhecimento, articulação política e disputa de poder.
A realidade desse PI é marcada por conflitos étnicos que têm origem na constituição da área, no início do século XX. Ali convivem as etnias guarani-kaiowá, guarani-ñadeva e terena. Devido à sua introdução na área no processo de dominação branca e à características de sua própria cultura, os terena exercem uma série de opressões sobre os outros grupos. A Awaeté Mbareté se insere nesse conflito, num momento de tomada de poder pelos kaiowá contra a impossibilidade de sua autodeterminação.
Com essa pesquisa buscamos entender, entre outras coisas: como essa emissora funcionava e era gerida? De que formas as relações de poder da área se dão no interior dela e como a determinam?
METODOLOGIA:
O trabalho de campo consistiu em 3 semanas de pesquisa na cidade de Dourados, envolvendo entrevistas com indígenas do PI, com autoridades locais e profissionais que atuam junto ao grupo. Foi utilizado o método da observação participante, que supõe um papel duplamente ativo, tanto na sua relação com a comunidade, como na interpretação contextualizada das ações e relações dos indivíduos para descrever suas observações. Tivemos também durante esta etapa, o auxílio da orientação de pesquisadores, pesquisadoras e profissionais que atuam na área.
Um pressuposto levado a campo por esta pesquisa destaca que as ciências humanas devem levar em conta as representações das ações pelos próprios atores das mesmas. François Dosse (2001) fala das contribuições da Etnometologia na busca pelas similitudes entre as explicações científicas e as fornecidas pelos próprios atores e da importância de reconhecer a competência de cada grupo para analisar sua situação. Nessa perspectiva, deve o/a pesquisador/a seguir os atores da forma mais próxima possível do trabalho interpretativo deles mesmos, levar a sério seus argumentos e as provas que trazem, sem tentar reduzi-los ou desqualifica-los opondo-lhes uma interpretação forte.
RESULTADOS:
Foram feitas 21 entrevistas, entre indígenas, autoridades locais, profissionais atuantes na área e pesquisadores. Esses últimos tiveram uma importância fundamental na compreensão de aspectos fundantes das relações vividas por indígenas naquela área. Obteve-se documentos importantes, como as atas de reuniões da Associação responsável pela rádio, documentos do poder público, do ministério das comunicações e ANATEL, além de teses e dissertações sobre os guarani-kaiowá, defendidas e/ou arquivadas no campus de Dourados da UFMS.
As entrevistas com indígenas revelaram como muitas de suas ações na rádio eram ações políticas, no sentido de construir respaldo junto ao seu grupo e colocar suas causas em evidência. Os kaiowá que gerenciam a rádio enfrentaram e enfrentam oposições, sendo que ouve até ameaças de tomada da rádio por um grupo terena. A rádio era tida por esse grupo kaiowá como um instrumento que eles proporcionavam para sua comunidade, um local de aprendizado, um evento que valorizava sua atuação enquanto grupo organizado.
A emissora mudou muitas vezes de lugar, sempre se aproximando do grupo gestor, que tentava evitar a ingerência de outros grupos e pessoas no seu funcionamento. A experiência acabou se tornando uma referência para a comunidade, de forma que outros grupos já falam em construir novas rádios na área.
CONCLUSÕES:
Ao longo da pesquisa, principalmente a partir da orientação de antropólogos pesquisadores da cultura guarani kaiowá, a interpretação literal do discurso dos indígenas se mostrou, quase sempre, um equívoco. Em séculos de convívio com a cultura “branca” opressora, os kaiowá aprenderam a moldar suas falas de acordo as reações brancas a elas.
Todos os indígenas entrevistados enfatizaram os benefícios que a rádio levara àquela comunidade. Essas falas, quando analisadas nessa nova perspectiva, caracterizariam não uma avaliação real sobre a importância da emissora para a comunidade - apesar dela ser clara - mas a expressão da vontade de vê-la no ar novamente. Foi preciso muito cuidado na busca de informações e na interpretação desse contexto.
Qualquer evento que se inserir naquela área enfrentará os mesmos conflitos. As relações de poder e as disputas que elas impõem são muito fortes e determinantes naquele espaço. São tensões que vêm de dois lados: de um grupo que se encontra num local de poder, acuado por iniciativas contra-hegemônicas, e outro que luta contra opressões históricas, reinventando relações internas e buscando apoio nesse fortalecimento. A rádio é ali, não apenas como um meio de comunicação, mas um instrumento de poder concreto, também enquanto meio de potencialização das informações, mas principalmente como uma tecnologia nova, um conhecimento que é colocado à disposição de um grupo.
Palavras-chave:  rádio; apropriação; autodeterminação indígena.
Anais da 57ª Reunião Anual da SBPC - Fortaleza, CE - Julho/2005