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G. Ciências Humanas - 7. Educação - 6. Educação Especial
NOÇÃO TEMPORAL E DESENVOLVIMENTO COGNITIVO EM CRIANÇAS SURDAS
Rosimar Bortolini Poker 1 (poker@marilia.unesp.br)
(1. Depto. de Educação Especial da Faculdade de Filosofia e Ciências-UNESP)
INTRODUÇÃO:
De acordo com a teoria de Jean Piaget, existe interdependência entre a constituição da noção temporal e o desenvolvimento da representação, em direção ao raciocínio operatório. O sujeito, quando estabelece trocas simbólicas com o meio, organiza e reconstitui fatos e acontecimentos ausentes, realizando coordenações mentais que propiciam a construção do tempo operatório e, consequentemente, seu desenvolvimento cognitivo. Assim, o tempo constitui-se em operação interior ao sujeito decorrente de trocas simbólicas estabelecidas com o meio. Com o desenvolvimento da noção temporal, o sujeito pode agir de maneira representativa, pois abarca em si a possibilidade de considerar os fatos de maneira simultânea, permitindo o distanciamento infinito do universo, podendo referir-se ao passado e ao futuro, antecipar, prever, enfim, pensar. Em se tratando do sujeito surdo, a falta do domínio de um instrumento simbólico que permite a interação com o meio, especialmente a língua oral, poderia prejudicar o exercício da sua capacidade representativa e, consequentemente, a construção da noção temporal e o seu desenvolvimento cognitivo. Com esta pesquisa objetiva-se então, analisar a maneira pela qual a noção temporal possibilita o processo de construção do real e verificar por meio de avaliação empírica, se a surdez prejudica o desenvolvimento da noção temporal e, consequentemente, o desenvolvimento cognitivo do sujeito surdo.
METODOLOGIA:
Para a realização da pesquisa teórica, fez-se intensa pesquisa bibliográfica em livros e artigos que tratam da construção da noção temporal e sua relação com o desenvolvimento cognitivo. Com tais dados foi possível analisar as condições de troca simbólica do sujeito surdo, o que permitiu a compreensão da situação de atraso cognitivo em que se encontram. A pesquisa empírica baseou-se na avaliação do nível das estruturas operatórias por meio das provas piagetianas clássicas de conservação, classificação e seriação, e na avaliação da situação em que se encontram os sujeitos em relação a noção temporal. Os sujeitos foram classificados de acordo com as etapas propostas por Piaget e sua equipe. Tanto no caso das provas operatórias como em relação a avaliação da noção temporal, as respostas poderiam ser classificadas como pré-operatórias, de transição e operatórias. Foram sujeitos da pesquisa 3 crianças surdas que tinham entre 10 e 12 anos de idade. Todos frequentavam a escola pública, eram portadores de surdez severa e/ou profunda congênita ou adquirida no período pré-linguístico e apresentavam nível sócio-econômico e cultural aproximado. A avaliação foi feita individualmente em sessões de uma hora cada, durante dois encontros.
RESULTADOS:
Conforme constatou-se na pesquisa teórica de base piagetiana, para o sujeito evoluir cognitivamente torna-se fundamental o exercício da atividade representativa advinda das trocas simbólicas e, nesse sentido, a narrativa constitui-se num instrumento que provoca a reconstrução do real e, consequentemente, o desenvolvimento da noção temporal. Por meio da narrativa é possível propiciar a coordenação de co-deslocamentos que engendra a noção de tempo, levando o sujeito a participar e compreender a lógica pertinente ao mundo físico, desenvolvendo seu pensamento. Os dados da pesquisa empírica coletados junto às crianças surdas que não detém um instrumento simbólico eficaz para trocar simbolicamente com o meio, e, por isso mesmo não exercitam sua capacidade representativa por meio da narrativa, confirmaram que existe uma relação direta entre noção temporal e desenvolvimento cognitivo pois coincidiram o nível das respostas de cada sujeito nas duas avaliações. Além disso, todos os sujeitos surdos apresentaram nas provas operatórias respostas características do nível pré-operatório e na avaliação da noção temporal respostas vinculadas à Etapa 2, o que caracteriza atraso cognitivo.
CONCLUSÕES:
Além de constatar que, de fato, existe uma imbricação entre o desenvolvimento da noção temporal e o desenvolvimento cognitivo, observou-se que os resultados das provas operatórias foram compatíveis com os da avaliação da noção temporal, demonstrando que, de fato, a surdez prejudica a interação efetiva do sujeito com o mundo, provocando uma situação de atraso cognitivo. A partir dos fatos apresentados percebe-se a necessidade de se instaurar um instrumento simbólico capaz de favorecer as trocas simbólicas do surdo com o meio. Nesse sentido, caberia à escola a organização de um ambiente rico em solicitações, que venha a valorizar o uso da Língua de Sinais no processo educacional do aluno surdo, levando-o a alcançar o plano conceitual e operatório, como ocorre com os ouvintes.
Instituição de fomento: FUNDUNESP
Palavras-chave:  surdez; desenvolvimento cognitivo; noção temporal.
Anais da 57ª Reunião Anual da SBPC - Fortaleza, CE - Julho/2005