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G. Ciências Humanas - 1. Antropologia - 8. Antropologia
OS FILHOS DA ÁFRICA EM PORTUGAL: ANTROPOLOGIA, MULTICULTURALIDADE E EDUCAÇÃO
Neusa Maria Mendes de Gusmão 1 (neusagusmao@uol.com.br)
(1. Departamento de Ciências Sociais Aplicadas à Educação - UNICAMP)
INTRODUÇÃO:
O presente trabalho analisa os caminhos de inserção social, econômica e cultural dos africanos-portugueses ou luso-africanos, a um contexto receptor - Portugal -, supostamente uma realidade a que pertencem, mas que não os reconhece como tal. Uma proposta como esta exigiu ter presente as dificuldades que resultam do fato de que, além de distantes de um contexto de origem - a África -, muitos africanos migrantes são portadores de nacionalidade portuguesa, enquanto outros, nascidos em Portugal, não são reconhecidos como portugueses ou como nacionais. Fatos que resultam problemáticos para eles, imigrantes e seus filhos e também, para a nação portuguesa. A proposta pretendeu discutir as possibilidades de que mecanismos particulares de constituição da identidade social, individual e coletiva, informam e orientam as tentativas de explicação de realidades nas quais o segmento negro se faz presente. Buscou ainda, entender a presença negra em solo português, tendo por referência o fato de que, em Portugal, os luso-africanos encontram-se expostos à dupla e ambígua condição de ser e não ser português, com o agravante que essa pertença a um mundo de origem diferente do mundo no qual se vive é muito recente - segunda metade do século XX -, mais intensamente ao final dos anos 80 e 90, tornando-se significativo pensar o caso português "em acontecimento".
METODOLOGIA:
O trabalho compara a imagem que a criança e o jovem de origem africana fazem de si mesmos ao vivenciarem processos de mudança social e cultural do meio em que estão inseridos - Portugal e Lisboa, no bairro africano e na escola. Busca avaliar as formas de representação existentes nesse contexto, na imprensa escrita e outros canais representativos do senso comum português e de um pensamento mais geral que envolve setores governamentais e administrativos com relação a esses sujeitos. Para dar conta da empreitada foi preciso ir à campo, mergulhar no contexto pesquisado, vale dizer, num espaço físico e social específico - a escola e o bairro. Contou, ainda, com apoios institucionais diversos e, em particular uma ONG - Instituto de Solidariedade e Cooperação Universitária - que atua na escola e no bairro, com crianças e jovens luso-africanos. A escolha da escola resultou do programa de multiculturalidade e educação, oficialmente estabelecido através do Secretariado Coordenador dos Programas de Educação Multicultural, denominado "Entreculturas", o que conduziu a pesquisa ao universo da EB1 nº66 e do bairro africano da Quinta Grande. No tempo da pesquisa, o bairro deixou de existir em razão do Programa Especial de Realojamento, de responsabilidade do governo português. Assim, duas políticas públicas, de cunho multicultural e de proposta integrativa, se impuseram como parte da análise e de uma postura da UE, que faz do mundo europeu como um todo, um espaço educativo.
RESULTADOS:
O que esse trabalho buscou na dinâmica dos acontecimentos foi traduzir em alguma medida, o universo de sentidos, das experiências, das expectativas e imagens sociais de que é alvo e portador o sujeito imigrante (ou feito tal) na terra de acolhimento. Como resultado, o movimento empreendido considerou a questão do espaço urbano, das metrópoles e das nações; a questão do pertencimento e da memória. O que se olhou foi para a história do presente e do passado, fazendo emergir identidades singulares entre crianças e jovens, negros africanos, luso-africanos e portugueses. O que se olhou foi a África e Portugal, para mapeando os movimentos de continuidades e descontinuidades, de aproximação e de distânciamento das relações entre sujeitos, fosse possível compreender o jogo de interesses e de poder postos em ação por um mundo que se globaliza e, enfrenta contraditoriamente a sua própria história. Por essa razão as chamadas sociedades modernas reordenam seus espaços e relações de modo a instituir lógicas consoantes ao seu processo de desenvolvimento e em razão de seus objetivos. No entanto, essas sociedades acabam por prometer tudo e realizar muito pouco e com isso, geram insegurança que atinge a todos os sujeitos, cidadãos e não cidadãos.
CONCLUSÕES:
A educação entendida de forma abrangente, se fez elemento fundamental de compreensão da inserção de crianças e de jovens migrantes de origem africana em solo português, via escola e bairro, primeiro o bairro degradado, a Aldeia d’África e depois o bairro social (realojamento). Com isso, os modos de ser e estar numa terra e realidade que discrimina aos negros e os nega, ao mesmo tempo que diz ser uma sociedade multicultural e democrática, revelou existir contradições e conflitos que colocam em questão as políticas de igualdade e as possibilidades identitárias de sujeitos considerados diferentes e estrangeiros. Crianças e jovens africanos e luso-africanos, como sujeitos feitos "estrangeiros" de si mesmos e da nação portuguesa, desterritorializados e portadores de identidades múltiplas são, hoje, o retrato mais acabado de uma ordem que se globaliza e que os nega. Nesse sentido, as políticas públicas de cunho multicultural, tornada obrigatória no mundo europeu coloca em jogo, a realidade concreta dos grupos imigrantes, em particular, daqueles considerados diferentes: os africanos e seus filhos, os novos luso-africanos ou ainda, os jovens negros portugueses. Assim, o entendimento da diversidade étnico-sócio-cultural, exemplificado pela história de um bairro e de seus moradores, mais que uma história particular, revela a dimensão mais geral de um processo contemporâneo, desafiador da ordem social inclusiva e multicultural.
Instituição de fomento: CNPq
Palavras-chave:  Imigração; Luso-africanos; Multiculturalidade.
Anais da 57ª Reunião Anual da SBPC - Fortaleza, CE - Julho/2005