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H. Artes, Letras e Lingüística - 3. Literatura - 1. Literatura Brasileira
A FICCIONALIZAÇÃO DE LIMA BARRETO POR JOÃO ANTÔNIO
Luciana Cristina Corrêa 1 (lucricorrea@itelefonica.com.br)
(1. Departamento de Pós-Graduação, Universidade Estadual Paulista - UNESP)
INTRODUÇÃO:
A presente comunicação tem por objetivo mostrar uma inovação referente à construção das personagens de João Antônio Ferreira Filho (1937-1996). O autor, em alguns de seus textos, transpõe uma galeria real de tipos criativos da sociedade brasileira - cantores, compositores, intelectuais, jogadores de futebol, alguns representantes da malandragem carioca e paulista - para o plano ficcional, aproximando-os de suas personagens fictícias já que, como estas, também se encontram marginalizados na cultura brasileira. A aproximação, ou melhor, a ficcionalização que João Antônio faz de determinadas figuras, transformando-as em porta-vozes de uma tendência que consiste em reavivar aspectos de nossa cultura que julga estarem esquecidos no imaginário brasileiro, pode ser observada quando lemos alguns textos e já pelo título identificamos que o autor prefere tratá-las como personagens e não como pessoas reais. É o caso de Calvário e porres do pingente Afonso Henriques de Lima Barreto, publicado em 1977, no qual o seu autor transporta Lima para a galeria de suas personagens apontando traços de sua personalidade como a sua condição de negro e pobre que denotam uma semelhança com as criaturas de João Antônio ou, como declara Antônio Arnoni Prado, o autor de Triste Fim de Policarpo Quaresma (1915) se transfigura numa espécie de arquétipo de seus anti-heróis.
METODOLOGIA:
A partir de pressupostos teóricos sobre a Cultura e Identidade Nacionais formados por alguns estudiosos, dentre eles, Marilena Chauí, autora de Brasil: mito fundador e sociedade autoritária (2000), Sérgio Buarque de Holanda, com o clássico Raízes do Brasil (1936), Roberto DaMatta, em O que faz o brasil, Brasil?, que irão balizar a análise, bem como a recorrência à obra biográfica A Vida de Lima Barreto (1881-1922), de Francisco de Assis Barbosa, tornam-se imprescindíveis para depreendermos o real motivo que leva João Antônio a admirar e, no caso da narrativa em questão, escolher Lima como protagonista de seu texto: justamente por representar o típico brasileiro. Da mesma forma, utilizaremos alguns ensaios pertencentes à Fortuna Crítica sobre os dois autores a fim de comprovar que ambos utilizam a sua literatura como veículo para a representação direta da realidade. É o caso do texto de Antonio Candido, intitulado “Os olhos, a barca e o espelho”, publicado em A educação pela noite e outros ensaios (2000), no qual, ao destacar o projeto literário de Lima Barreto, verificamos uma aproximação deste com o escritor João Antônio, haja vista ambos fundirem o real e a inventividade no intuito de construírem o retrato do homem brasileiro.
RESULTADOS:
Na obra Calvário e porres do pingente Afonso Henriques de Lima Barreto, João Antônio apresenta uma espécie de roteiro dos bares freqüentados pelo autor de Triste Fim de Policarpo Quaresma, numa mescla de biografia e transcrição temática. Dados estes oriundos de um suposto depoimento do professor que afirma ter conhecido em vida Lima Barreto, Carlos Alberto Nóbrega da Cunha, considerado louco e interno, no ano de 1970, no sanatório da Muda, no Rio de Janeiro. João Antônio, durante a sua narrativa, procura entrelaçar vida e obra do autor através de trechos do depoimento e de algumas obras de Lima, nos quais podemos verificar uma aparente identificação entre o autor e suas personagens. O escritor carioca, acusado muitas vezes de descuidado, alcoólatra, e vítima de preconceitos e privações, carrega consigo marcas similares às dos desprotegidos e perambuladores fictícios que formam a paisagem humana em diversos textos de João Antônio. Este, também procura ressaltar o esquecimento dos leitores em relação à literatura de Lima Barreto, considerado, como um pingente no quadro geral de nossos valores literários e com a carga de inconveniente honestidade que o questionamento de sua obra acarreta.
CONCLUSÕES:
Diante dessa premissa, ao analisarmos a elaboração da personagem Lima Barreto, propomos revelar a complexidade e, ao mesmo tempo, a diversidade no plano de construção dos seres que povoam as páginas da literatura de João Antônio, demonstrando que elas podem emergir tanto da dicotomia: observação e inventividade, quanto da apreensão da realidade modificada pela ótica do autor que vê a marginalização social de personalidades de nossa cultura popular, pertencentes a uma classe média decadente e as transporta, transmutadas como protagonistas, para a sua literatura. Salientamos ainda nossa idéia de que João Antônio dá consistência ao seu universo ficcional através da escolha de figuras que retratam, numa temática direcionada às periferias, o nosso país, verdadeiro e sem exageros.
Instituição de fomento: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo - FAPESP
Palavras-chave:  Literatura Brasileira; João Antônio; Personagem.
Anais da 57ª Reunião Anual da SBPC - Fortaleza, CE - Julho/2005