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G. Ciências Humanas - 8. Psicologia - 11. Psicologia Social
MÍDIA E DESINSTITUCIONALIZAÇÃO PSIQUIÁTRICA NO BRASIL: DO DESAPARECIMENTO DO ASILO ÀS FORMAS CONTEMPORÂNEAS DE CONTROLE
Camilla Martins de Oliveira 1 (millauerj@yahoo.com.br), Aline de Araújo Gonçalves da Cunha 1, Lívia Borges Hoffmann Dorna 1 e Heliana de Barros Conde Rodrigues 2
(1. Graduanda de Psicologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ); 2. Professora Doutora do Instituto de Psicologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ))
INTRODUÇÃO:
Como parte de uma pesquisa histórica relativa à emergência e difusão, no campo das práticas psicológicas do Brasil, da Análise Institucional, dedicamo-nos particularmente ao ano de 1972, quando Georges Lapassade, um dos criadores do paradigma, esteve entre nós, a convite do Setor de Psicologia Social da Universidade Federal de Minas Gerais. Dentre as ações então realizadas pelo analista institucional francês destacaram-se, tanto em Belo Horizonte como, posteriormente, também no Rio de Janeiro, algumas intervenções no âmbito da psiquiatria, sempre caracterizadas por críticas radicais ao modelo asilar ou manicomial. Tratando-se de um momento ainda marcado pelo regime ditatorial militar, tal circunstância nos despertou o interesse em investigar o modo como a assistência em saúde mental era, à época, focalizada pela mídia. Nesta linha, voltamo-nos para o estudo da grande imprensa. A realização, no mesmo ano de 1972, do II Congresso Brasileiro de Psiquiatria favoreceu a abordagem, pois temas ligados à saúde mental foram fartamente noticiados nos principais jornais do país, oferecendo-nos extenso material para análise.
METODOLOGIA:
Recorrendo ao acervo jornalístico da Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro, coletamos todos os artigos de 1972, dos diários “O Globo” e “Jornal do Brasil”, que tratassem, direta ou indiretamente, de aspectos relacionados à saúde mental. Uma análise quantitativa preliminar permitiu detectar que a maioria deles retratava temas clássicos, isto é, relacionados a diagnósticos e a tratamentos tradicionais, quer medicamentosos quer psicoterapêuticos. Porém o uso de procedimentos qualitativos, na perspectiva da análise de discurso, facultou perceber igualmente o destaque concedido, em especial durante o II Congresso Brasileiro de Psiquiatria, a discussões ligadas à reforma psiquiátrica, portadoras, eventualmente, de duras críticas ao modelo manicomial então dominante na assistência em nosso país. Nesta última vertente, um artigo publicado no Jornal do Brasil chama particularmente atenção: nele, dois psiquiatras de renome, um brasileiro e outro francês, propõem, ou mesmo prognosticam, o fim dos manicômios. Tal artigo se constitui em uma das bases para a formulação de nossos resultados e conclusões acerca dos nexos entre as transformações da assistência em saúde mental nos últimos trinta anos e o comportamento da mídia nesse período. Em acréscimo, apelamos à literatura especializada, relativa aos mesmos nexos, bem como ao exame da mídia eletrônica atual, através de levantamento e consulta a sites da Internet.
RESULTADOS:
O artigo do Jornal do Brasil anteriormente mencionado transcreve as críticas do psiquiatra Luiz Cerqueira ao excesso de internações (atribuível, segundo ele, ao mito da periculosidade do doente mental), assim como sua asserção de que muitos pacientes poderiam ser atendidos por serviços extra-hospitalares. Já Paul Sivadon prevê o fim do manicômio: “Dentro de 30 anos as doenças mentais serão tratadas como as outras doenças. O asilo de doentes mentais terá desaparecido”. Tal polêmica se estende até o presente, sendo hoje muito mais nítida a busca por dispositivos substitutivos ao manicômio, destacando-se os Centros de Atenção Psicossocial (CAPs), espaços possibilitadores de trocas e contato social, especialmente através de oficinas terapêuticas. A tendência predominante seria, pois, a de desinstitucionalização, entendida como desconstrução de mitos relativos ao doente mental e reinserção social plena. Muito presente nas Conferências Nacionais de Saúde Mental e na legislação recente, essa perspectiva vem sendo bastante divulgada e razoavelmente apoiada pela grande imprensa, conforme atestam vários autores especificamente dedicados à pesquisa das relações entre mídia e reforma psiquiátrica, cujos levantamentos abrangem jornais de diversos estados do Brasil. Acrescente-se ainda que esse comportamento está em consonância com a Declaração de Caracas (OPAS, 1990), que faz recomendações explícitas quanto ao apoio midiático à reestruturação da atenção psiquiátrica na América Latina.
CONCLUSÕES:
O processo de extinção do manicômio mostra-se bem mais lento do que propuseram ou previram Luiz Cerqueira e Paul Sivadon. Quanto a tal circunstância, muito se tem enfatizado a formação tradicional-tutelar dos técnicos e a pouca atenção por eles dedicada às dimensões culturais, inclusive as ligadas aos meios de comunicação. Em nossa pesquisa, a atenção à mídia conduziu a conclusões contrastantes. Por um lado, conforme enfatizado por outros autores, a grande imprensa se tem mostrado, predominantemente, uma aliada da reforma psiquiátrica, divulgando projetos e ações a ela vinculados (novos dispositivos de atenção, projetos de reinserção social, residências terapêuticas, propostas de geração de renda etc.), embora nunca deixe de conceder algum espaço aos tradicionalistas. Por outro lado, porém, é importante estar atento, simultaneamente, aos modos contemporâneos de comunicação e informação. Percorrendo sites da Internet, pudemos verificar que ao menos tão presentes quanto a desinstitucionalização estão a defesa das internações psiquiátricas, o anúncio dos benefícios dos psicofármacos e da eletroconvulsoterapia, o elogio das psicocirurgias e a reafirmação do monopólio do saber médico. Se o manicômio, com ou sem muros, continua a existir, embora muito se faça para eliminá-lo, vale destacar, portanto, que nos âmbitos científico-profissional e midiático-cultural da reforma psiquiátrica não se trava apenas uma “luta antimanicomial”, mas, igualmente, uma “anti-luta manicomial”.
Instituição de fomento: CNPq; UERJ
Trabalho de Iniciação Científica
Palavras-chave:  Desinstitucionalização psiquiátrica; Mídia; Internet.
Anais da 57ª Reunião Anual da SBPC - Fortaleza, CE - Julho/2005