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F. Ciências Sociais Aplicadas - 1. Gestão e Administração - 8. Organizações e Alternativas Organizacionais | ||
BELLO MONTE: UM PROJETO DE REINVENÇÃO DO SERTÃO | ||
Paulo Emílio Matos Martins 1 (pemiliom@fgv.br) | ||
(1. Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas - EBAPE/FGV) | ||
INTRODUÇÃO:
Antônio Conselheiro e seus seguidores protagonizaram uma experiência social que na tese euclidiana é explicada pelo confronto entre o Brasil moderno do litoral e o universo retrógrado do seu interior. O imortal autor de “Os Sertões” - muito mais do que produzir uma obra de incomparável beleza estilística - legou à historiografia pátria a primeira explicação do trágico desfecho desse episódio ocorrido no Nordeste brasileiro no final do século XIX e testemunhado pelo jovem engenheiro-repórter de “O Estado de S. Paulo”. Nesta investigação o projeto de reinvenção do sertão intentado pelo Bom Jesus Conselheiro no seu Bello Monte é estudado com foco em três dimensões do espaço organizacional: a religiosa, a política e a econômica. O vigoroso, malgrado trágico, movimento social das margens do Vaza-Barris, estimula a curiosidade sobre o sistema administrativo que teria revelado um dos mais eloqüentes exemplos de liderança, crescimento demográfico e resistência militar de nossa História. Essa lógica administrativa, instituída pela vivência de uma fraternidade cristã, pela práxis da produção cooperativa e pelo vazio da completa ausência do Estado - substituída pelo mandonismo do “coronel” do sertão - os jagunços a elaboraram, sob a liderança do “taumaturgo” cearense, ao longo do quarto de século em que este peregrinou, pregou e realizou mutirões edificando obras sociais na mais árida região da caatinga. |
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METODOLOGIA:
Investigação bibliográfica, documental e de campo, referenciada em mais de quatro mil obras e documentos e nos depoimentos de estudiosos do tema e de descendentes dos sobreviventes da guerra sertaneja. Estes últimos colhidos nos sertões da Bahia e Ceará entre novembro de 1994 e julho de 1996. A estratégia de pesquisa contrapõe as informações oriundas de textos e documentos produzidos pelos vencedores com os depoimentos dos descendentes dos perdedores, sobre o imaginário da cidadela santa do Bom Jesus Conselheiro. A análise dos referentes administrativos sobre poder/autoridade e organização social/divisão do trabalho no Bello Monte é feita com base num modelo semiológico de análise organizacional (Martins, Paulo Emílio M. “A Reinvenção do Sertão: A Estratégia Organizacional de Canudos”. Rio de Janeiro, FGV Editora, 2001). |
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RESULTADOS:
É provável que o arraial conselheirista tenha alcançado 24 mil habitantes (a Comissão de Engenharia do Exército recenseou 5200 ruínas de habitações após os combates). A economia do Bello Monte teria desenvolvido um sistema de produção capaz do auto-abastecimento local e, ainda, de algum excedente para exportação. Para César Zama: “Aquela povoação proporcionava ao Estado pingue fonte de receita do imposto de exportação de peles” (“Libelo Republicano ...”, 1899). A superioridade de desempenho bélico dos combatentes jagunços, em relação a seus oponentes, quer pela precisão de tiro, maior eficácia na movimentação e utilização do terreno, como ainda pela eficiência de seus sistemas logístico e de informações. Um fenômeno de liderança capaz de recrutar e manter unido um número de seguidores somente inferior à população dos 16 maiores municípios do Estado da Bahia de então. A eficácia do projeto de Antônio Conselheiro, expresso pelos seguintes indicadores: Mais de vinte obras sociais numa área de 25 mil quilômetros quadrados (superior ao Estado de Sergipe); fundação, organização e governo de duas cidades: o Arraial do Bom Jesus - hoje Município de Crisópolis - e o Belo Monte, no atual Município de Canudos; um fantástico crescimento populacional da ordem de 10335% em, apenas, quatro anos; capacidade de resistência, por quase dez meses, às investidas de um efetivo de quase metade da Força Terrestre brasileira de então, com superioridade de combatentes, equipamentos e demais recursos. |
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CONCLUSÕES:
Canudos encerra um expressivo fenômeno administrativo e como tal é estudado nesta investigação. Sob a liderança de Antônio Conselheiro, o Bello Monte teria realizado o projeto de reinvenção da ordem social sertaneja, alcançando um razoável grau de institucionalização, a partir de um modelo de governo teocrático, de processo decisório participativo, inspirado nas comunidades cristãs primitivas. Essa sociedade parece ter conhecido, na sua dimensão hierárquica, os três níveis de estruturação de poder das organizações complexas: o institucional, o gerencial e o operacional e, na sua dimensão funcional, um considerável grau de especialização e distribuição das tarefas. Os institutos determinantes da organização e do governo de Canudos foram: sistema colegiado de decisão; embrionária estratificação de poder e de divisão do trabalho e especialização funcional; e concepção teocrática de autoridade. A significação desses referentes culturais se fez entre os seguidores do Conselheiro segundo os traços ideológicos e estereótipos da práxis de um Estado completamente ausente no desempenho de suas funções sociais e identificado pelos sertanejos na figura cínica dos religiosos das prelazias locais e dos “coronéis” do Sertão. O fenômeno administrativo e organizacional de Canudos pode ser resumido como um grande mutirão, cuja liderança assumiu uma forma de autoridade singular a qual identificamos como a de um “coronel com o sinal contrário” ou de um “coronel pelo avesso”. |
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Palavras-chave: Administração Brasileira; Alternativas Organizacionais; Canudos. | ||
Anais da 57ª Reunião Anual da SBPC - Fortaleza, CE - Julho/2005 |